Negan
- ̗̀ 𖥸 ˎ'-
Certa noite, eu voltei de mais uma ronda diária e passei a estudar seriamente as minhas possibilidades atuais.
O que era preferível? Morrer de hipotermia do lado de fora do santuário ou ter que lutar com a terrível sensação de culpa que Belle me causava com seu joguinho de silêncio? Difícil dizer.
O fato era que eu não sentia as pontas dos meus dedos, na verdade, não sentia nada além de frio e ódio. Trabalhei a merda do ano inteiro pensando que no inverno eu teria o mínimo de paz. Ledo engano... Ledo engano...
A apatia de Belle estava me matando, naquele dia eu preferia ter que lidar com mil picolés-de-zumbi do que ter que ficar perto dela por mais algumas horas. Eu tinha chegado ao meu limite.
Havia se passado mais de um mês de puro silêncio e eu não iria mais suportar aquele joguinho dela.Eu a procurei por todos os lados para dar um fim aquela palhaçada de uma vez por todas, até que entrei pela porta da sala e a encontrei debruçada no chão, sobre algumas almofadas perto da lareira, lendo punitivamente o livro Orgulho e Preconceito pela décima sétima vez naquele mesmo mês, ou algo assim.
Tirei minha jaqueta de couro, a joguei sobre o sofá mais próximo e sentei em uma poltrona à sua frente. Mantive os olhos fixos nela enquanto brincava com as chaves da moto.
Eu fitei com frieza seus cabelos derramados sobre suas costas, cobrindo-a como um véu de seda negra. As mechas escuras quase se confundindo com o robe de poliéster preto que ela usava. Estudei cada parte dela com desejo enquanto Belle continuava sua leitura sem nem ao menos parecer notar minha presença. Era tudo que eu tinha feito nos últimos dias, passar longos períodos de tempo a observando em silêncio e mantendo uma distância segura para nenhum dos dois cometer um crime de ódio contra o outro.
— O que está fazendo? — Perguntei, fingindo certa suavidade.
Ela fingiu não me escutar.
— Acha isso engraçado? — Perguntei, inclinando-me para ficar mais perto dela.
Silêncio absoluto como resposta.
― Onde pensa que vai chegar com isso?
Tudo que se ouviu na sala foi o estalar baixo do fogo consumindo a lenha da lareira.
— Quer me enlouquecer? — falei, recostando-me na poltrona, minhas palavras acabaram por fazer ruir uma barreira de mágoa e deixaram escapar todo meu desgosto. — Posso aguentar isso pelo resto da vida, se é o que pretende.
Silêncio.
— Não finja que não está me ouvindo. Belle, Darcy não vai foder com você. — Digo, levando as mãos as têmporas.
É, nem ele nem você. — Eu quase pude ouvi-la pensar.
― Por quanto tempo pretende manter essa palhaçada? ― O tom da minha voz estava sombrio e áspero, demonstrando toda a contrariedade que sentia.
Silêncio mortal.
— Hein? — Gritei, arremessando as chaves para atingir o abajur do outro lado da sala.
Ela não se comoveu, tampouco se assustou. Apenas recolheu seu livro e fez menção de sair da minha presença, mas tão logo foi barrada por mim.
— A onde pensa que vai? ― Perguntei detendo-a em meus braços.
A ausência de reação dela me irritou mais ainda, em um reflexo rápido eu tomei o livro de sua mão e o joguei na lareira. Belle não se intimidou nem um pouco, mas agora eu tinha sua atenção, pois ela me encarou com choque e raiva. Mais raiva do que qualquer outra coisa.
― Pelo quê exatamente está me punindo? Está com raivinha porque eu não deixei você fazer a maldita viagem suícida de volta para o posto avançado? É isso que você quer, não é?
Ela continuava me humilhando com seu silêncio gélido e recuou, se desvencilhando de mim bruscamente. Por um segundo eu achei que ela fosse dizer algo, mas não houve nem um único suspiro de desgosto. Ela conseguiu me desestabilizar de um jeito que eu não sabia que era possível, mas eu não me dei por vencido, ela iria falar comigo querendo ou não.
— Então, o que faz aqui ainda? Quer uma autorização minha ou quê? Isso é patético, é claro que não. Você ainda está aqui porque sabe que é uma viagem complicada, que não aguentaria três dias lá fora com essa neve, sabe que não vai conseguir sozinha. Não tem armas e nem treinamento o suficiente. —, Mas quer saber, querida?! Você pode ir, sempre pôde. Se você quer se matar tudo bem, só não conte com a minha aprovação. Quero que amanhã mesmo pegue suas coisas e saia da minha vista. Se encontrar o amaldiçoado do seu irmão no meio do caminho, espero que deem as mãos e vão pro inferno.
Belle me deu as costas por um breve momento enquanto me ignorava deliberadamente. Ela posicionou um dedo indicador sobre seus lábios, caminhou calmamente até a lareira, pensativa ou parecendo buscar algo, até que finalmente encontra.
— Eu devia tê-la deixado naquele maldito posto avançado, — Eu elevo meu tom de voz, num último ato desesperado. — Não devia ter feito acordo nenhum com seu irmão por ser um traidorzinho de merda. E você deveria ter passado o resto de sua vida trabalhando como uma condenada. Jamais devia ter deixado você pensar que era diferente das...
Quando notei o tamanho da merda que havia dito já era tarde demais para voltar atrás. Ela havia agarrado o atiçador de brasas pelo cabo e me encarou, não disse nada, apenas encarou. Por alguns instantes eu repassei o que acabara de dizer em minha mente e pude perceber o quanto era estúpido. Vi o rosto de Belle empalidecer pela fúria.
— O que disse? — Perguntou ela com uma voz baixa e calma que sinalizava para eu ter cuidado. Seu olhar magoado me fitava de forma cortante.
Com apenas três palavras ela encerrou a greve de 1 mês, 15 dias e 10 horas.
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𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚
ChickLitBelle descobriu que amar e odiar alguém são duas coisas perturbadoramente parecidas. Negan, por sua vez, descobriu na prática que o contrário de amor não é ódio e sim indiferença. Um cretino convicto e uma mulher geniosa (e um tanto dramática), vive...