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E apesar de não querer desviar o foco do que eu estava fazendo, parei e dei uma boa olhada nela. Belle estava com os cabelos meio presos, seu nariz possuía uma coloração particular de rosa que denunciava, das duas uma, que estava sofrendo os efeitos do frio repentino ou que havia chorado a pouco. Descendo um pouco mais a visão, eu notei que ela usava um vestido preto leve, de um tecido que parecia ser algodão, e que não a protegia em nada do frio, uma vez que até da distância em que nos encontrávamos, conseguia notar o relevo sutil dos bicos de seus seios, rígidos por debaixo do tecido. Sendo assim, eu descarto a possibilidade de choro recente e luto contra a vontade de eu mesmo ir esquentá-la.
Em outra situação, se eu não estivesse tão chateado e puto com ela, eu com certeza teria me forçado a ser no mínimo gentil, mas não era o caso.Belle caminhava lentamente em minha direção, com o olhar de uma criança arteira que tenta te reconquistar após ter destruído algo. Tenho certeza de que minha expressão naquele momento transparecia perfeitamente o quão de saco cheio eu estava daquele comportamento dela. O tilintar de seus passos eram suaves mas me causavam certa ansiedade, a presença dela era algo que mexia comigo demais para que eu conseguisse disfarçar.
Retirei meus óculos e esfreguei meu rosto na palma de minha destra, de forma irritadiça. Eu não estava pronto para iniciar outra discussão sem sentido. A minha noite já havia sido arruinada o suficiente por Kara, ou assim eu pensava.
Notei que ela mantinha as mãos atrás das costas, inocentemente, como se estivesse escondendo uma surpresa, mas eu me recusei a pensar muito sobre isso. Sentia que minha cabeça iria explodir a qualquer momento.
Belle continuou lá, de pé, imóvel, na outra extremidade da mesa. Eu aguardei ansiosamente por qualquer movimento dela, mas até um bloco de pedra não poderia ter ficado mais imóvel. Ela parecia estar me estudando, não esboçou nenhuma emoção, nem por um segundo. Fiz um gesto para que ela se sentasse. Ela não se sentou e continuamos nos entreolhando.
Ela sabia que não precisava mover um único músculo para me deixar perplexo e incomodado.
— Você vai ficar aí me olhando sem dizer nada, ou prefere começar a me atormentar agora, para acabarmos logo com essa merda? — digo de forma impaciente elevando cada vez mais o meu tom.
Ela baixou o olhar por um breve momento, e respirou tão rápido que seu vestido subia e descia com a respiração.
— Por que você está gritando? — ela soou sincera, em um tom incomumente doce.
Belle ficou ameaçadoramente quieta e manteve sua postura austera, demonstrando uma confiança que fazia parecer que ela sabia perfeitamente o que estava fazendo. Como uma emissária das trevas. Naquele momento eu senti um misto de sensações estranhas. Me senti quase envergonhado de ter demonstrado tanta afetação por nada, como se eu fosse um descontrolado qualquer. O estresse não estava me deixando pensar.
Eu pisquei de pressa e a encarei, concentrando minha raiva num foco penetrante. Mantendo as duas mãos espalmadas sobre a mesa, me levanto dando um empurrão no corpo para trás e continuo a encarando fixamente.
— Tenho uma reunião daqui alguns minutos, preciso que ande logo com o sua tragédiazinha agridoce. — Digo encarando-a por cima das sobrancelhas.
Ela soltou um sorriso que me atingiu e me desnorteou.
— Você ainda está falando muito alto. — A voz dela tinha uma calma que me alertava para ter cuidado. — Desse jeito não vai dar.
Eu respirei fundo e corrigi a postura, mantendo-a o mais ereta possível.
— Olha, se você veio aqui para discutir e... — Continuei com o meu tom.
Belle soltou uma risada leve.
— Não, não quero discutir, daddy.
Daddy... Essa palavrinha me desconcertou mais ainda, apesar de sentir de longe o cheiro da sua manipulação, sem que eu me desse conta, relaxei a postura e o meu tom de voz tornou-se subitamente mais baixo e suave, como ela queria.
— Não?! — Pergunto, desacreditado e desconfiado. — Bem... De qualquer forma, eu não estou em um bom momento. Se você não veio aqui quebrar o pau comigo, então...?
Me vi em um misto de apreensão e ansiedade até que ela respondesse.
— Eu vim por isso — Eu finalmente descubro o que ela tinha nas mãos quando ela balança suavemente um envelope no ar e em seguida, o joga sobre a mesa.
Eu observei o papel off-white do pequeno envelope sobre a superfície de metal com certo desinteresse, tudo aquilo não fazia sentido pra mim.
— Não se preocupe, eu sei que está ocupado e não vou mais aborrecer você. — Ela disse seriamente.
Belle parecia lamentavelmente sincera.
Eu senti os cantos da boca ficarem tensos e apertei os lábios com força enquanto assenti suavemente com a cabeça.
— Isso é tudo? — Perguntei, erguendo meu queixo, tentando transparecer um controle que eu não tinha desde que ela entrou ali.
Ela me encarou como se eu a estivesse expulsando, o que de fato, eu estava mesmo. Tê-la ali não estava me deixando pensar. Mas ao contrário do esperado, Belle pareceu achar a situação divertida. Ela gostava de se equilibrar nos meus limites, me testar, me provocar. E mesmo sabendo disso, eu fazia questão de morder a isca. Ela caminhou até mim, parou em minha frente e encostou o quadril na mesa enquanto me encarava de modo quase investigativo. Senti minhas pernas vacilarem por um breve momento, me utilizei de todo meu auto controle para me manter de pé e não avançar sobre sua boca.
— Bem, na verdade... Tem mais uma coisinha sim. — ela disse, estreitando o olhar na minha direção.
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𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚
ChickLitBelle descobriu que amar e odiar alguém são duas coisas perturbadoramente parecidas. Negan, por sua vez, descobriu na prática que o contrário de amor não é ódio e sim indiferença. Um cretino convicto e uma mulher geniosa (e um tanto dramática), vive...