- ̗̀ Capítulo 31 ˎ'-

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       Não muito depois, Amberly e Frankie adentraram e se acomodaram na sala, o que forçou Negan a cruzar casualmente as pernas e colocar de volta o livro sobre o colo, aparentemente funcionou, porque elas não perceberam. Eu ri por dentro.

       Amberly trouxe consigo seus materiais de pintura, seu novo hobby. Ela se deitou sobre o sofá, do outro lado da sala, enquanto pintava algumas formas nada geométricas. Frankie se sentou no chão em frente a lareira, lia um livro de calhamaço mastodôntico que eu logo reconheci.

       ― Anna Kariênina? ― Eu pergunto e Frankie assente ligeiramente.

       ― Já leu? ― Ela perguntou e vi seu rosto se iluminar.

       Sem perceber nos engajamos em uma conversa longa e confortável, não havia certo ou errado se tratando de Anna Kariênina, poderíamos arrastar nossa discussão até o fim dos nossos dias se assim estivéssemos dispostas. Mas se tínhamos algo que concordávamos plenamente era que "meretrizes só existem na mente de homens medíocres", e mais uma coisa, que Frankie fez questão de expressar verbalmente em alto e bom tom:

      ― O conde Alexei Karenin é um macho chato e autoritário, não culpo Anna por ter metido um chifre nele, aliás, muito merecido, por sinal. ― Frankie diz muito friamente.

       Eu me limito a rir e assentir levemente. Negan pareceu não achar tão engraçado.

       ― Cacete... Falam de Anna como se ela fosse perfeita. ― Disse Negan em um tom particularmente amargo, como se o ego dele tivesse sido atingido em cheio.

       ―Bem, sim. ― Digo. ― Tolstói descreveu a mulher perfeita para os padrões da época. Elegante, refinada, esperta nos círculos sociais. Ela era a mulher perfeita até ousar ser ela mesma. ― Eu explico.

       ― E isso não funcionou muito bem para ela, não é mesmo? ― Ele respondeu rapidamente.

       Eu senti os cantos dos lábios ficarem tensos.Aquilo tinha sido cruel, mas decidi não dar aquele gostinho a ele, não ia leva-lo a sério.

       ― Não sabia que gostava de clássicos, Negan. ― Disse Frankie.

       ― Tem muita coisa que vocês não sabem sobre mim. ― Ele diz e eu me controlo ao máximo para não revirar os olhos.

       ― A propósito, que livro está lendo? ― Pergunta Frankie.

       Ele mostra, era Tristão e Isolda.

       Eu não teria acreditado se tivessem me contado. Negan, lendo uma história de amor trágica da idade média. Impossível! Naquele momento, um palhaço poderia saltar pela janela, beijar a minha boca e sair correndo ao som de Mamma Mia e eu garanto que não ficaria nem um pouco surpresa.

       Eu mesma jamais teria lido se não tivesse sido obrigada a interpretar Isolda em uma peça no High School.

       ― Esse foi o conto que inspirou Romeu e Julieta, né? ― Perguntou Amberly.

       ― Foi o que inspirou todas as histórias de amor trágico desde então. ― Eu digo.

       ― Parece meio deprê. ― Disse Amberly.

       ― Amor e tragédia na mesma frase me soa quase como um pleonasmo. ― Diz Frankie, encarando o livro em sua mão.

       — Mas é! A palavra "paixão" quer dizer sofrimento. — Negan fez uma pausa para parafrasear parte do conto original. — "Com grande aflição eles se amaram", ou seja, quem diz que está apaixonado está na verdade sofrendo, e o pior... Tá gostando de sofrer. — Dizendo isso ele me encarava com um olhar que eu não consegui traduzir e que me forçou a dizer algo a respeito.

       — É uma ideia bonita, mas é um pouco bizarra. Não se pode querer que o amor traga só felicidade, mas daí... "Gostar de sofrer"? — Digo em tom jocoso, encarando ele enquanto sorvia um gole de meu café. — Eu acho que sofrer é ruim de todo jeito. — Completei.

       — O século 12 criou isso, e a partir de Tristão e Isolda todo mundo começou a achar muito bonito sofrer por amor. — Disse Frankie.

       —  É claro, sofrer é ruim de qualquer maneira, mas ainda é preferível viver um grande amor impossível do que não amar ninguém. — Disse Negan, e senti que ele direcionava suas palavras a mim.

       Mas, para preservar minha saúde mental, eu fingiria que não tinha entendido.

       — Não sei... — retrucou Amberly. — Eu acho melhor ficar sozinha do que amar a pessoa errada.

       — Bobagem. — Digo divertida. — Quem ama o errado, certo lhe parece.

       — Mas uma coisa é fato, o amor feliz não tem história na literatura ocidental, a felicidade dos amantes só nos comove pela expectativa infelicidade que os rodeia. — Disse Frankie, em uma constatação agridoce. — Por isso Tristão e Isolda se tornou modelo para todas as obras que se seguiram. Os amantes se amam, mas não conseguem superar os obstáculos e serem plenamente felizes. Esse é o segredo do sucesso de Tristão e Isolda, e foi isso que os poetas europeus da idade média descobriram: O amor recíproco e infeliz.

       Todos assentiram com a cabeça em sinal de concordância.

       — Mas o amor recíproco e infeliz não existe de fato. — Digo, e todos me encaram ― A única infelicidade do amor é não ser correspondido.

       Negan abaixou a visão e ficou pensativo por alguns instantes, percebi que minha afirmação tinha soado um tanto ácida levando em conta nossa situação pessoal. Um clima desagradável pairou entre nós durante um breve momento até que Kara adentrou o ambiente.

       ― Ai gente, que chatice! Tô atrapalhando o clube do livro? ― Disse ela entregando uma caneca de café quente a Negan e se sentando no braço da poltrona dele.

       ― Estávamos discutindo a função do romance atualmente. ― Digo.

       Ela olhou pra mim "não tenho ideia" estampado em seu rosto.

       ― Além de descrever tonalidades de cor em paredes inteiramente brancas? Não vejo muitas funções. ― Kara respondeu e olhou para Negan, buscando aprovação.

       ― Bem, eu acho que... ― Negan iniciou.

       ― Errado! A função atual do romance, levando em conta que estamos em meio a um apocalipse, é... ― Eu o interrompo, e por algum motivo todos me encaram apreensivos como se eu estivesse prestes a revelar o verdadeiro sentido da vida. ― Descrever boquetes artisticamente. É... com toda certeza é isso.

       As meninas riram com a quebra de expectativa e Kara encarou Negan confusa, como se tivesse perdido alguma coisa.

       Como disse anteriormente, eu não o levaria a sério. Sempre que pudesse desdenhar e fazer piada com suas opiniões, eu o faria.

𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora