- ̗̀ Capítulo 9 ˎ'-

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- ̗̀ 𖥸 ˎ'-

       Negan e eu não precisamos de mais do que algumas semanas para sucumbir à nossa hostilidade mútua. Como água pingando em uma banheira, em algum momento iria transbordar.
E se os dias anteriores tinham sido o diabo, os que se sucederam foram o inferno completo. Um pandemônio digno de tragédias cômicas e tristes ao mesmo tempo. Minha ansiedade queimava minha alma, me tornei um mar revolto e borbulhante de hormônios. E eu imagino que também não tenha sido nada agradável para Negan ser indisfarçavelmente ignorado por mim nos corredores, jantares, comemorações e etc.
       "Como um homem tão severo e rígido não conseguia manter uma de suas esposas na linha?" Esse era o falatório dos postos avançados. Não os culpo, a fofoca é um agente incendiário, alastra-se como fogo sobre a relva seca e vinha sendo o principal entretenimento das pessoas depois que os programas de reality shows acabaram.

       Pessoas serão sempre pessoas, mesmo em um apocalipse.

- ̗̀ 𖥸 ˎ'-


       Só após assistir quase que ininterruptamente às sete temporadas de The golden girls, eu admiti ter um problema com a ociosidade. Ter contato com um aparelho de vídeo cassete depois de tantos anos foi interessante, pelo menos por algum tempo, e mesmo com a eletricidade racionada, aquela era a maior diversão que uma mulher poderia ter sem tirar a roupa em tempos como aquele.

       Os livros que tinha disponíveis ao meu alcance já haviam sido relidos no mínimo três vezes cada, precisava de algo que aliviasse meu tédio. Decidi que iria no galpão onde trabalhavam os salvadores torcendo para achar remédios para dormir, qualquer episódio de séries de sitcom falidas ou um vibrador que funcionasse, o que viesse primeiro, eu não era exigente.

       Não achei nada disso, mas em compensação conheci Daniel, um salvador de cabelos loiros cacheados, como um anjo, sua voz era gentil, assim como todas as suas outras características. Ele pareceu genuinamente atencioso, diferente de Negan, que buscava me satisfazer por interesse próprio.

       — Então, você está gostando de ficar aqui? — Daniel perguntou enquanto andávamos vagarosamente pelos corredores de prateleiras infindáveis. — Quero dizer... com Negan e...

       — Se eu te dissesse que não, contaria para ele? — perguntei.

       — Não mesmo! —  Disse ele erguendo a mão direita. — Palavra de escoteiro.

       Eu sorri, inevitavelmente encantada pela pureza de seu ato. Tinha tanto tempo que meus diálogos eram a base de sarcasmo, luxúria e malícia que havia esquecido de como era conversar com pessoas reais.

       — Bem... — Fiz uma pausa hesitante. — Difícil dizer, tudo tem seus prós e contras. Contudo, manter minha família a salvo e ter um teto sobre minha cabeça não é uma ideia tão detestável.

       Daniel assentiu e fiquei grata de forma imensurável por ele não me questionar mais sobre. Afinal, aposto que os boatos sobre mim e minha família, eram detalhados o bastante para ele nunca precisar. E após passar algumas horas com ele, conversando sobre banalidades e encaixotando todo tipo de quinquilharias, ofereci-me para voltar e ajudar com qualquer coisa que ele precisasse.
       Daniel pareceu repensar minha oferta, quase consegui ler em seus olhos que Negan não toleraria ver uma de suas noivas trabalhando naquele lado do Santuário como uma operária qualquer, mas após alguns instantes de pura apreensão ele diz:

       — Se é o que quer, eu não posso impedi-la. E, se me permite a ousadia, adoraria tê-la aqui também.

       Eu fiquei tão eufórica que não pude evitar abraçá-lo, e era reconfortante o fato dele ter quase a mesma altura que eu, pela primeira vez em dias me senti alta o suficiente para não precisar ficar na ponta dos pés.

𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora