" Uma vez li um poema que dizia que uma mãe não deveria morrer nunca. Concordo. Carlos Drummond tinha razão quando escreveu isso. Elas não deveriam nos deixar, em hipótese alguma, a não ser que fosse muito, muito necessário, mas nem assim seria justo..."
Dr. Hall viu o desespero estampado na cara do meu pai quando mencionou o tratamento paliativo. Não era mais sobre salvar a mamãe, mas sim dar a ela momentos de paz enquanto podíamos. Sempre estivemos cientes que a luta era difícil, e que ela já não aguentava mais, entretanto com a melhora de ontem, mesmo com a desistência da químio, achávamos que seríamos agraciados com um milagre, mas não foi isso que aconteceu. O caso se agravou. Fomos do céu ao inferno.
Louise veio ao hospital assim que Tom a avisou sobre o estado delicado da mamãe. Nikki, Sam e Harry também vieram. A equipe médica nos avisou que os sinais vitais estavam diminuindo gradativamente, tínhamos a opção de induzir o coma ou esperar acontecer.
[...]
Mamãe estava adormecida, a morfina finalmente tinha feito seu trabalho, ficamos no quarto com ela por um longo período. Papai estava abatido e visivelmente angustiado, por mais que eu quisesse dizer qualquer coisa pra conforta-lo, não poderia porque eu não fazia ideia do que dizer. Me sentia sem esperança.POR BENJAMIM GIGLIO
Mamãe estava fraca, tinha me dito logo cedo que estava sentindo muitas dores, principalmente no abdômen, foi quando informei ao dr. Hall e alguns exames foram feitos, poucas horas depois a notícia veio. Metástase. O câncer já havia afetado uma área muito maior do que a que já estava sendo monitorada, quando papai soube, entrou em estado de negação. Melissa, que havia ido resolver umas questões na revista, voltou assim que liguei. Por alguns milésimos, vi minha irmã desmoronar com a notícia, mas ela logo se recompôs, respirou fundo e tentou acalmar nosso pai. A equipe do Dr. Hall aconselhou um tratamento paliativo, mas eu sabia que mamãe não queria mais prolongar a situação, Melie também estava ciente disso, mas ainda assim não demos uma reposta de imediato. Nosso pai que por tantas vezes me pediu que respeitasse as decisões da mamãe, não estava disposto a vê-la partir, eu também não, nenhum de nós estava, entretanto não queria mais ver minha mãe sofrer, se as dores pareciam insuportáveis pra mim, imagina pra ela. Tentei ser racional, mas meu coração estava falando mais alto. Parte de mim precisava dela aqui.
[...]
- Ben... não dá mais pra esperar, a gente precisa decidir o que fazer - afirmou minha irmã - Doutor Hall precisa da nossa permissão pra fazer o necessário... seja ele qual for
Olhei pra ela sem reação. Suspirei.
- eu não sei, Mel ...
- Prolongar esse sofrimento não vai fazer bem pra ninguém...- argumentou
- eu concordo, mas não consigo decidir nada ... olha o pai ... ele parece destruído
Suspirou - eu sei... mas você mesmo me disse que devíamos respeitar a vontade dela... ela tá sofrendo - pontuou e eu não disse nada, afinal ela estava certa - Vamos falar com ele - levantei do sofá, ao ouvir a movimentação papai interviu - Aonde vão?
- voltamos logo, pai - afirmou Melissa ao ir em sua direção para lhe dar um beijo.
Papai estava sentado ao lado da cama de nossa mãe, segurando sua mão. Eles estão casados por mais de 48 anos. Se eu acreditasse em almas gêmeas, diria que os dois são destinados. Por isso a resistência do papai em deixá-la ir, não consigo imaginar como deve ser perder o amor da sua vida.
Fomos à sala do Doutor Hall para decidirmos o que fazer, Tom e Louise se juntaram a nós
[...]
- como médico, recomendo a indução do coma pra que possamos estabilizar a paciente e futuramente fazermos uma nova cirurgia pra atenuar a gravidade da situação... - virou em direção a minha irmã - como amigo... eu respeitaria a decisão da mãe de vocês ... - nesse momento em diante não ouvi mais nada, eu sabia que as coisas não podiam mais melhorar, afinal isso era só o protocolo sendo seguido, mamãe estava morrendo e não havia nada que pudéssemos fazer pra evitar isso. Tínhamos que esperar.POR MELIE GIGLIO
A madrugada foi longa, depois que conversamos com Hall, pedi que fossem pra casa, afinal não havia mais nada que pudesse ser feito. Nikki me abraçou e pediu que eu ligasse caso precisasse de algo. Harry e Sam também mostraram seu apoio. Louise ficou por mais algumas horas, até que depois de muita insistência minha, ela foi descansar, não antes de me fazer prometer que ligaria caso acontecesse algo.
Tom permaneceu, apesar dos meus inúmeros pedidos pra que fosse descasar direito, afinal acho que uma das únicas noites que passamos em casa durante toda essa crise foi há 2 dias, ele estava exausto, sabia disso, mas fez questão de permanecer comigo no hospital.
Dado um certo ponto da madrugada todos acabaram adormecendo e eu fiquei velando o sono da nossa mãe. Por mais cansada que estivesse, não conseguia dormir, tinha um aperto no peito, era uma agonia que parecia que me engoliria a qualquer momento.
Sentei-me em uma banqueta que estava ao lado da cama de mamãe, acariciei cuidadosamente seu rosto que, há essa altura, estava magro e pálido. Aquela mulher vivaz, cheia de energia que sempre conheci, já estava muito longe daqui. Seu cabelo estava com falhas, ralo e isso só me fez lembrar que, durante minha infância, ela sempre foi muito vaidosa, e me ensinou a ser também. Olhá-la assim dava a impressão que era ela, mas não era, era quase um paradoxo. Enquanto eu analisava cada linha de expressão, ela começou a despertar, assustada
- Ei, eu to aqui - sussurrei. Ao me avistar, seu olhar tornou-se mais calmo, ela parecia querer falar, mas estava meio perdida
- Me... Mel
- shiuuu... não precisa se esforçar, eu to aqui, papai e Ben também - informei a ela que olhou em volta
- viu? Estamos com você, meu amor - tranquilizei-a
- filha... quero te pedir algo ... importante- dizia pausadamente
- não precisa me pedir nada, mãe. Eu to aqui, vamos sair dessa juntas, tá bem?
Vi seus olhos encherem de lágrimas
- Mel... - segurou minha mão - você sabe que não vou conseguir, meu amor ... - afirmava
- não diz isso, mãe ... - interrompi - é só um dia ruim, você vai ver ... - queria chorar, mas não podia, precisava mostrar que eu estava confiante, então ignorei o novo em minha garganta
- mamãe tem muito orgulho da mulher que você se tornou... eu preciso que você seja forte e cuide do seu pai e do Ben ... - pedia
- mãe, por favor...
- me desculpa ter te afastado ... eu só não queria que você parasse sua vida por mim ... - afirmou e uma lágrima minha escapou, me denunciando. Mamãe tocou em meu rosto - eu largaria tudo por você sem pensar, mãe... eu podia ter ficado sondei lado
- mas você está aqui agora, isso é o que importa, filha...
Ficamos em silêncio - agora preciso que faça algo por mim, meu amor... escuta, olha pra mamãe ... - pediu - seja forte, Ben e seu pai vão precisar de você... eu vou estará sempre perto de vocês
- mãe, por favor ...- supliquei com o rosto todo molhado
- eu te amo - afirmamos uníssono
Era a nossa despedida
[...]POR BENJAMIM GIGLIO
Acordei quando o sol estava nascendo, mamãe ainda dormia, assim como papai. Procurei por Melissa, mas não a encontrei. Ela devia estar na cafeteria, fui até lá e vi minha irmã apática com Tom e Sam a mesa.
[...]
Mamãe estava conversando com nosso pai, lembrando do passando quando voltamos pro quarto
- crianças, que bom que chegaram - nosso pai comemorou ao nos ver, Tom estava atrás de nós, mamãe sorriu ao vê-lo - Venham cá - pediu
Tom foi acanhado cumprimentar mamãe, afinal a comunicação entre os dois era difícil, já que nem o inglês, nem o português eram um ponto em comum .
Melissa trabalhou na tradução da conversa, mamãe afirmou que tinha Tom como um filho e estava feliz que Melissa tinha nele um companheiro, que a amava e protegia.
Ele agradeceu e disse que estaria ao lado da família sempre que precisassem, ao final como um verdadeiro cavalheiro britânico, beijou a mão da nossa mãe e se curvou. Ele nos deixou a sós com mamãe depois disso.
Ficamos ao redor da cama dela, sentia um clima estranho, algo me dizia que era a última vez que ficaríamos assim.
Mamãe e papai relembraram seu primeiro encontro e a música que embalou todos os 48 anos de casamento.
- toca essa pra gente, meu amor? - mamãe pediu a Melie. O violão que ela levou há duas noites estava no cantinho do quarto. Minha irmã parou por uns instantes, como se estivesse pensando em algo, pegou o violão, sentou-se na poltrona próxima do leito e começou a tocar. Escutamos esses acordes desde sempre. Me levou de volta a infância.
Enquanto minha irmã tocava, lembranças da nossa vida em família encheram minha mente, ao olhar ao redor, percebi papai e mamãe com as mãos entrelaçadas, ela o encarava de volta com carinho. Era uma despedida, era nítido. Entrelacei minha mão a sua mão livre e beijei-a, vi as lágrimas se esvaindo. Deitei-me parcialmente em seu colo. Senti sua respiração diminuir. De repente ouvi minha irmã terminar os últimos acordes, não mais do que simultaneamente a mão da mamãe soltou-se da minha. Era o fim.
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Destinos Cruzados 🕸 TOM HOLLAND
RomanceQual a probabilidade real de se envolver em um acidente com alguém em um aeroporto? Ainda mais esse alguém sendo quem é. O destino as vezes pode te surpreender de tantas maneiras que você jamais ousou nem imaginar. Um incidente despretensioso nos tr...