POR MELISSA GIGLIO
Acordei sobressaltada com a aeromoça informando que havíamos chegado em nosso destino final. Ao tentar me levantar as dores se espalharam pelo corpo e o cansaço tomou conta de mim, afinal de contas atravessar o oceano atlântico na classe econômica não era exatamente como eu tinha imaginado. Foram mais ou menos 19 horas de voo do Brasil até Londres, talvez eu tivesse passado menos tempo se tivéssemos seguido o plano original de estudar em Coimbra, mas o acaso me trouxe direto pra cá. Não que eu odiasse a cidade ou qualquer coisa nesse sentido, aquilo sempre foi o que mais almejei, entretanto a moeda britânica tinha sido um grande empecilho durante todo o processo de escolha. No fim acabamos aqui.
Desembarcar em Heathrow era uma total loucura, afinal de contas ele era o 3º aeroporto mais movimentado do mundo, e agora eu sabia o porquê. Eu não queria ter descido lá, por motivos óbvios, a imprensa estava sempre a procura de um novo furo, afinal de contas ali circulavam famosos do mundo inteiro, então sempre haviam muitos deles nos saguões, apesar de eu ter descoberto que em comparação aos Estados Unidos, lá eles eram mínimos (dentro dos prédios, pelo menos). Depois de passar pela imigração segui pelo saguão com minhas bagagens e meu cansaço tinha atingido o auge, minha cabeça começava a latejar e meu humor estava num nível catastrófico, eu precisava urgentemente de um banho, uma cama e 24 horas de sono. Peguei meu celular com o intuito de verificar meu novo endereço, que pelo que me lembrava ficava em South Bank, e segundo minhas pesquisas era um lugar relativamente tranquilo em relação ao resto da cidade, que era conhecida por suas noites animadas, mas ali eu estaria rodeada por espaços culturais, cafés e estaria a beira do River Thames, o que me deixava mais do que feliz. Entretanto, no momento a única coisa que eu não estava era feliz, a exaustão me consumia num grau que eu não seria capaz de lidar com nenhum ser humano, então eu estava desviando de todos e tomando o maior cuidado do mundo pra não esbarrar em ninguém, quando meu celular vibrou anunciando uma nova chamada. Atendi o mais depressa possível quando vi o nome no visor.
- Graças a deus! Melissa achei que tivesse morrido! - ela disse assim que atendi
- Oi, mãe...
- Como você chega e nem me avisa? Melissa ... - repreendeu
- Desculpa, mãe, é que está tudo corrido. Cheguei faz mais ou menos uma hora e meia, desculpa não ter te avisado, ia esperar chegar no apartamento pra ligar. Estava resolvendo as coisas por aqui e a senhora sabe como é um desembarque internacional... - suspirei e encarei o chão
- Eu quase morri de preocupação. Você devia ter ao menos me enviado uma mensagem... - censurou - Assim que chegar lá, me avisa. É sério, Melissa.. - suspirou - Pelo menos agora sei que está em terra firme... odeio pensar naquelas horas intermináveis atravessando o atlântico - minha mãe era muito protetora, então tinha certa tendência ao exagero. Para alguns é engraçado, no entanto para mim, às vezes é sufocante.
- Tudo bem, não se preocupa, tá? - Tentei tranquilizá-la.
Não muito longe dali percebi um pequeno alvoroço se formando e suspirei mais uma vez, mas não de cansaço, pois isso já estava quase esquecido, mas porque eu meio que suspeitava o que estava acontecendo ali, só não estava muito disposta a ter que lidar com aquilo. Sorte que eu realmente não precisava lidar com isso, só que nem todos têm essa opção. E esse era um dos motivos que não queria descer ali. Por causa das ratazanas.
- Mãe, nos falamos mais tarde, ok? Te amo.
Ao desligar o celular tentei desviar do tumulto, que a essa altura já havia me alcançado, foi então que senti alguém colidir em mim e me derrubando no chão. Apenas cerrei os olhos com o impacto. Sempre ouvi dizer que os britânicos eram muitíssimo educados, mas acho que isso excluía claramente a imprensa, porque o indivíduo nem se deu ao trabalho de se desculpar e muito menos me ajudou a levantar. Ele carregava uma máquina fotográfica e parecia muito mais interessado em conseguir o que quer que fosse, do que ajudar a pobre desconhecida que atropelou. Bufei. Ao tentar fazer isso sozinha, fui interrompida por mais alguém que parecia correr atrás da carniça, ou seja, mais um paparazzi atrás de algum famoso. Coitado. Do famoso, no caso. Respirei fundo. Ainda no chão, sentada, revirei os olhos e bufei mais uma vez, tentei me concentrar em qualquer memória ridícula para não deixar que o estresse assumisse o controle da situação, pois estava à beira de uma crise de ansiedade e isso não podia acontecer. Não aqui, e principalmente não sozinha. Se eu tivesse que surtar, seria no meu apartamento, no conforto da minha cama. Tentei me concentrar, mas minha respiração começou a ficar acelerada, junto com meus batimentos cardíacos, talvez meu estresse e cansaço fossem responsáveis pelo estopim, no entanto eu precisava me manter calma até chegar em casa. Respira.
Comecei a mentalizar a calmaria ou pelo menos tentar fazer isso, mas o barulho daqueles fotógrafos não estava ajudando em nada, suspirei de novo, pesado e disse a mim mesma que tudo estava bem. Passei pelo menos uns 10 minutos no chão tentando me concentrar em qualquer coisa que pudesse me acalmar, mas nada parecia colaborar. Então disse a mim mesma que era tudo uma provação divina e que até ali eu estava me portando bem apesar da circunstância. Reuni forças e assim que levantei juntei as coisas que se espalharam com o meu pequeno "atropelamento", e por mais incrível que pareça senti mais alguém esbarrar em mim. O terceiro só nesse dia esplêndido. Meu recorde pessoal. Não surta, mentalizei. Só que além da colisão, senti um líquido quente em minha pele. Café. Que apropriado. Não mais se fosse um chá. Nada mais britânico.
O jovem tratou de pedir desculpas e mais do que depressa tentou limpar a manga do meu moletom e minha mão, que literalmente estava queimando. Não me dei ao trabalho de olhar pra ele, puxei minha mão de maneira abrupta, tanto era o meu estresse. Despejei todo meu ódio nele.
-Você só pode tá de brincadeira comigo! - gritei sem me importar - Eu passei 19 horas dentro de um avião. Estou cansada. Com fome. Estressada, a ponto de ter uma crise de ansiedade. Já fui atropelada por esses abutres duas vezes e agora isso? - apontei pra minha roupa suja e minha mão um tanto avermelhada por conta do café quente despejado ali. Não me importei em ser educada, não liguei que estávamos em um lugar público e que as pessoas estavam me olhando torto, eu só queria socar aquele idiota pela estupidez de conseguir ser mais desastrado do que eu.
Não lembro-me ao certo, mas tive a impressão que ele estava tentando balbuciar algo, mas minha raiva era tanta que me recusei a encará-lo. Até que ele se calou e eu finalmente decidi olhar para ele, e me deparei com um rosto bonito, levemente corado e adornado com fios de cabelos castanhos que escapavam pelo boné preto, e olhos também castanhos que mostravam uma mistura de emoções, posso dizer que um tanto confuso e assustado, e talvez um tanto culpado pelo acidente, mas a última parte estava mais pra uma interpretação minha. No entanto, devo ressaltar que ao olhar pra ele, tive a impressão que o conhecia de algum lugar, só não sabia exatamente de onde. Aquele rosto era familiar. Foi então que percebi que eu falava em português e por isso ele estava ali, parado e confuso. Ótimo. Respirei fundo mais uma vez. Deus dai-me forças pra não ser presa logo no meu primeiro dia aqui. Antes que eu pudesse ser malcriada, agora na língua local, ele tratou de abrir a boca e começar um discurso.
- Eu sinto muito, eu realmente não te vi. Me desculpe. Mesmo! - ele parecia um tanto angustiado – eu sou um idiota, estabanado. Devia ter prestado mais atenção. Deixa eu te ajudar, eu posso... - meu cérebro não estava acompanhando o discurso desenfreado do garoto, então fiz sinal para que ele parasse – nosso idioma não está sincronizado, sabe. Você precisa falar tudo de novo. Meu cérebro ainda não entendeu que está em outro país, em outro idioma... Meu cansaço também não ajuda em absolutamente nada. 19 horas sem dormir direito, tirando a ansiedade da noite anterior totalizam quase 36 horas. Eu tô destruída. Eu só quero chegar em casa. - Desabafei derrotada, e num inglês reprovável, mas ainda assim, entendível.
A angústia do garoto me desarmou e eu não queria gritar de novo. - Não vou te dizer tudo o que tinha dito antes, ok? Acho que só descontei tudo em você e não era pra tanto.. foi um acidente, apesar de você ter realmente me queimado. - Isso era o máximo de desculpas que eu pediria no momento. Ao julgar pelo olhar dele, a confusão de outrora se dissipou e foi substituída por uma apreensão. Ele olhava de maneira fixa para algum ponto atrás de mim, e então simplesmente me puxou pelo braço e literalmente correu, e fui obrigada a fazer o mesmo. Fiz no automático. Até que poucos metros depois voltei a mim e puxei meu braço.
-Ei! Você enlouqueceu? - disse assustada, mas ao perceber os paparazzi vindo em nossa direção e o rapaz me olhando como se dissesse "Por favor", eu cedi.
Muito provavelmente eu me arrependeria disso depois, mas apenas me deixei levar, enquanto os flashes estouravam atrás de nós dois. O que diabos estava acontecendo. Quem era ele afinal?
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Destinos Cruzados 🕸 TOM HOLLAND
RomansaQual a probabilidade real de se envolver em um acidente com alguém em um aeroporto? Ainda mais esse alguém sendo quem é. O destino as vezes pode te surpreender de tantas maneiras que você jamais ousou nem imaginar. Um incidente despretensioso nos tr...