Escolhas (parte 2)

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- Ymir... - a voz soou falha, quase como se não tivesse fôlego para pronunciar aquele nome mais uma vez sem chorar e realmente não tinha, pois logo as lagrimas escorreram das orbes azuladas.
- Oi, princesinha. -a morena respondeu afastando-se um pouco ao notar os dedos leitosos prestes a tocarem sua pele- Por favor, não...
- Por que não me deixa tocar-te? - questionou magoada.
- Porque não há o que tocar, minha loirinha... isso que vês é apenas uma projeção da névoa e nada mais... -explicou com pesar- Meu verdadeiro eu se foi... Não estou aqui fisicamente.
- Isso é... Está dizendo que enlouqueci? Estou alucinando? - olhou para os lados incapaz de ver algo além do vermelho a cercando.
- Não enlouqueceste. -riu das reações da amada- Minha alma, ou parte dela, está dentro de ti graças ao que o lorde fez para curar-te... Estive contigo o tempo todo, tu apenas não eras capaz de enxergar, mas a névoa das almas aprisionadas nos permitiu ter esse momento de agora, apenas isso.
- Então... Viste tudo o que fiz por ti? - os olhos azuis brilharam em expectativa com o sorriso que se amargava no rosto da outra.
- Sim, eu vi. Mas embora sinta-me orgulhosa de ti e do quão destemida te tornaste, ainda me dói muito ver como sofre por minha causa... -seu olhar decaiu por um momento embora o sorriso permanecesse ali, mesmo que em tom triste- Amei-te o suficiente para dar minha vida por ti de livre e espontânea vontade então viva com orgulho, não com arrependimento e amargura como tem feito...
- Como? -a voz da loira falhou mais uma vez. Seu rosto baixou e seu corpo se inclinou para frente como se quisesse encolher e desaparecer- Como viver sem ti ao meu lado? Apenas existir até esse momento foi insuportavelmente doloroso para mim...
- Tu vais viver, Historia. Tu és forte. -estendeu a mão para acariciar o rosto da lady, mas tudo que conseguiu foi ver seus dedos translúcidos atravessarem a pele sem nunca tocar realmente- Tu podes fazer tudo o que quiseres, além disso, não está mais sozinha... -olhou para os lados por um momento antes de voltar a encarar a loirinha com um olhar triste- A névoa está se dissipando... Em breve desaparecerei novamente.
- Não... Por favor... -a nobre tentou agarrar a mão em sua bochecha vendo com seus próprios olhos como seus dedos atravessavam os da companheira que derramou uma lagrima solitária enquanto a encarava ternamente- Eu... Ao menos vou ver-te de novo?
- Infelizmente temo que essa seja a última vez... - sussurrou olhando para si mesma com o corpo cada vez mais transparente.
- Não... É muito pouco tempo. Eu não quero dizer adeus!
- Eu te amo, Historia... -foi tudo o que a morena pode dizer diante das lagrimas da amada que sequer podia enxugar como antes costumava fazer- Mesmo que nunca mais possa me ver, lembre-se... Estarei sempre contigo. Sempre.
- Ymir... - ela choramingou vendo a jovem diante de si desaparecer junto com parte da névoa vermelha. Ainda tentou abraça-la uma última vez, mas o corpo translúcido atravessou o seu e, por fim, desapareceu deixando no ar o eco de sua voz sussurrando em tom triste um último "adeus".
Historia caiu de joelhos. Estava devastada e chorava audivelmente entre soluços, palavras desconexas e pedidos para não ser deixada. Os restos de névoa que ainda a cercavam desapareceram definitivamente permitindo a Erwin que a encontrasse, correndo até ela para saber como estava ao vislumbra-la caída com o rosto manchado de lagrimas:
- Lady Reiss, está machucada? -ela acenou em negativa- A pedra filosofal... -procurou pelo objeto nas mãos dela que apenas desviou o olhar; isso foi o suficiente para que o alquimista deduzisse o que tinha acontecido afinal- Quebraste-a, não foi? Mas que droga...
- Desculpa, mas... - ela encolheu-se mais enxugando as lagrimas pronta para a onda de insultos que viria a seguir, mas tudo o que obteve foi o silencio implacável da parte do homem- É um sacrilégio com as almas dos que se foram... -ela afirmou se levantando para encarar o olhar do loiro que variava entre a frustração e a compreensão de seus atos.
- Droga... Não temos mais como salvar o Eren agora. -passou a mão no rosto como se aquilo fosse um pesadelo do qual desejava acordar- Embora eu pense que ele recusaria usa-la de qualquer forma, eu ainda queria... Que merda!
- De acordo com L'étoile as almas que fazem a pedra filosofal não vão a nenhum lugar, ficam presas na pedra, se desfazendo a cada vez que ela é usada até desaparecer... -a garota explicou finalmente recebendo a atenção completa do alquimista a sua frente- Elas simplesmente deixam se existir para sempre então para evitar isso eu quebrei a pedra, mas...
- Mas...? - ele a incentivou a continuar.
- Eu vi e falei com a Ymir na nevoa que a pedra criou quando se quebrou... Um fragmento dela na verdade... Ela foi usada como ingrediente por meu pai na pedra que me curou então será que... que talvez...
- Talvez haja salvação para elas? -ele concluiu vendo-a acenar esperançosa- Pode ser que sim, mas não há forma de saber com certeza. De qualquer forma, acabou. Você destruiu a última chance do Eren.
- Mademoiselle Reiss! -a voz de Franz se fer ouvir e logo ele e Hannah surgiram ofegantes por entre as arvores sendo acompanhados por Levi- Est-ce que tout va bien? Nous sommes venus dès que la brume s'est dissipée.
- Était-il visible hors de la forêt? - o alquimista questionou impressionado. Sabia que a névoa havia se espalhado já que se perdera no meio dela por algum tempo, mas não imaginava que fosse visível na vila onde o casal estava.
- Tout le village était couvert. Ils sont tous en panique - a ruiva explicou nervosa apertando as compras contra o peito.
- Eu sobrevoei a área para ter uma breve noção da situação... -foi a vez do hibrido se pronunciar ofegante depois do resgate das duas crianças e de uma discussão intensa com o amado para que ficasse para trás com elas- Todos para a carruagem, agora. Temos que sair daqui antes que alguém entre na floresta para investigar.
Os gestos afirmativas foram mútuos entre todos antes do grupo seguir a Paços rápidos até o veículo onde Eren e as crianças já se acomodavam. Não demoraram muito para partir dali em meio ao alvoroço que tinham causado e após longas horas seguindo pela estrada sem um destino claro, pararam para descansar em um pequeno vilarejo rural ainda nos domínios franceses, mas fora do alcance do lorde Reiss que eles imaginavam estar à caça-los:
- O que faremos agora? -o de olhos verdes questionou ao marido preocupado, abraçando Gabi enquanto o grupo de franceses conversava em seu idioma materno deixando-o completamente alheio ao assunto que tratavam- Não podemos simplesmente voltar para Tréveris já que o lorde sabe que viemos de lá é deve estar a nossa procura e também não podemos ficar parados esperando ele nos encontrar.
- Não sei quanto a vós, mas eu, Hannah e Franz decidimos que vamos até a Itália tentar falar diretamente com o papa sobre os atos de meu pai. Sei que não irá reparar o que ele fez, mas espero que seja feita justiça por aqueles que se foram... - Historia pronunciou tristemente colocando as mãos contra o peito dedilhando a aliança de metal que usava.
Nesse momento a garotinha que haviam resgatado e se encontrava sentada sobre as pernas de Levi cutucou o mesmo sussurrando algo para ele assim que o viu abaixar a cabeça para mais perto dela. O hibrido então explicou a ela de forma simples tudo o que a jovem lady pretendia fazer e quando terminou, viu com admiração a garotinha saltar de seu colo com uma expressão decidida no rosto antes de seguir até a loira mais velha parando em frente a ela e tomando fôlego para dizer:
- Je vais avec vous.
- Quelle? - a nobre questionou surpresa.
- Tu vas punir le méchant... Je vais avec vous - ela repetiu decidida.
- O que está acontecendo? - Eren sussurrou sem tirar os olhos do diálogo entre as duas loiras.
- A garotinha que salvamos quer ir com a lady Reiss para testemunhar.
- Warum nennt herr Angel Levi sie so? - Gabi se intrometeu curiosa.
- O nome dela? Tu não sabes? Estavam brincando antes...
- Ich konnte nicht fragen. Herr Engel Levi, wie ist ihr Name? - ela voltou a questionar levando um rubor as bochechas do hibrido.
- Na verdade, eu me esqueci completamente de perguntar... Tínhamos outras prioridades... -olhou para a garotinha francesa que o encarou de volta ao se dar conta de que era o tópico da conversa- Sei que soa estranho faze-lo apenas agora, mas acho que não nos apresentamos formalmente. Qual seu nome? O meu é Levi e esses são Eren e Gabi, -apontou para os dois que acenaram timidamente- aquele moço com as sobrancelhas medonhas que esteve guiando a carruagem é o Erwin e esses três são...
- Je suis Historia, je suis la fille de l'homme qui vous a emprisonné. Voici ma dame d'honneur Hannah et son fiancé, mon serviteur, Franz. -a lady se apresentou fazendo o mesmo com os dois que a acompanhavam- Peux-tu nous dire ton nom, chérie?
- Je n'ai pas - a pequena respondeu fazendo os olhos de todos que a entendiam, exceto o meio demônio, se arregalarem. Não era surpresa para ele em sua longa existência encontrar uma ou outra pessoa sem um nome. Na verdade era esperado que alguém tão jovem e que vivesse a margem da sociedade não tivesse um, afinal, ninguém havia se dado ao trabalho de cuidar dela, que dirá conceder-lhe algo assim.
- Comment ça non? - Hannah questionou abismada.
- Personne ne m'en a jamais donné - ela respondeu com certa tristeza, mas tentando fingir indiferença.
- comment quelqu'un peut-il ne pas avoir de nom. Tout le monde en a un - Foi a vez de Franz se pronunciar esfregando a mão no rosto em descrença.
- Je n'ai pas - a menina reiterou diante dos olhares confusos de Eren e Gabi que permaneciam alheios a aquela troca de palavras.
- Eles estão desacreditados de que ela não tenha um nome - Erwin explicou sumariamente ao moreno que esforçou-se para transmitir a mensagem a garota ao seu lado com seu alemão precário.
-  Ich verstehe den Grund für diesen Aufruhr nicht. Wenn sie keinen Namen hat, gib ihr einfach einen, gut! -a pequena germânica exclamou ao finalmente entender a situação erguendo os braços para cima como se fosse obvio antes de correr até a amiga e segurar sua mão- Was sagst du? Sollen wir Ihnen einen Namen geben?
- Ela perguntou se tu queres que nós escolhamos um nome para ti, já que não tens nenhum - Levi traduziu e nesse momento os olhos da pequena francesa brilharam em empolgação com a possibilidade.
- oui. Oui s'il te plaît - ela respondeu quase imediatamente acenando com a cabeça em afirmativa varias vezes.
- Muito bem, se é esse o caso então penso que a lady Reiss deva ser a pessoa que irá escolher. Nós só soubemos que tu estava presa naquele lugar graças a ela então nada mais justo, não achas? - as palavras do hibrido fizeram a pequena voltar a encarar a nobre animada. Os olhos brilhando em uma expectativa que Historia não teve coragem de quebrar, entretanto sua mente estava em branco. Como ela podia escolher algo que outra pessoa carregaria pelo resto da vida?
Era uma tarefa grande demais, escolher o nome de alguém... Ainda mais quando esse alguém era uma pessoa que mal conhecia e que seu pai planejava sacrificar.
Que nome seria? Que nome combinava com aquela menina de olhos esperançosos e passado trágico? Após um longo tempo pensando, finalmente a jovem pronunciou um nome, o único que tomava sua mente desde que tinha se dado conta de certa semelhança entre as histórias de vida dessa garota e de sua amada:
- Ymir... C'était le nom d'une personne très importante pour moi qui est morte de la même manière que mon père avait l'intention de te tuer. -mordeu o lábio apreensiva com a possibilidade de que a garotinha não quisesse receber o mesmo nome de sua falecida amante. Era algo mórbido, com certeza, mas era o que seu coração lhe dizia para fazer e sentiu que deveria ao menos mencionar a possibilidade para que a pequena pudesse opinar- Qu'est-ce que tu penses? Voulez-vous que ce soit votre nom?
- J'aime ça. -ela sorriu satisfeita para o alivio da loira mais velha- Je peux venir avec toi, n'est-ce pas? - voltou a questionar sobre a viagem até a Itália. A pequena realmente não estava disposta a desistir de acompanhar o grupo de franceses em sua jornada.
- Chéri... tu comprends ce que ça veut dire de venir avec nous? -a dama de companhia se intrometeu tentando remediar a situação e faze-la repensar aquela ideia- Tu devras être aux côtés de la fille de la personne qui t'a blessé et revivre tout ce qui t'est arrivé pour témoigner devant le Pape... Tu veux vraiment faire ça? 
- Je comprends que le méchant sera puni... -a garotinha, agora nomeada Ymir, torceu os dedos timidamente- De plus, tu n'es pas son père. Tu as été gentil avec moi et tu m'as calmé quand je n'ai rien déposé dans la voiture. Tu m'as aidé donc je veux aider aussi.
Ao ouvir essas palavras os olhos da nobre se dirigiram a Levi que apenas deu de ombros deixando a decisão final a ela enquanto traduzia a conversa das duas para os dois que não a entendiam. O silêncio se instaurou por alguns momentos até que Eren finalmente se pronunciasse, agora entendendo toda a situação:
- Eu acho que deveria leva-la, Historia, afinal, não podemos apenas deixa-la a esmo por aí. -começou por dissertar- A Ymir fala francês como vós e se ficar conosco sua comunicação será limitada ao Levi e ao Erwin. Nós ainda temos que reagrupar com nossos amigos que ficaram em Tréveris e decidir como prosseguir então ela com certeza ficará perdida em meio a tudo isso, além disso ela parece não ter um lugar para o qual voltar...
- Acho que tens razão... -ela pronunciou pensativa em um inglês carregado de sotaque para que ele pudesse entender- Merci, Eren. Suas palavras foram de grande ajuda. Le petit Ymir peut venir avec nous - concluiu em francês para que a garotinha entendesse o que resultou em um grande sorriso da parte dela que a abraçou fortemente.
- Bem, com isso decidido, creio que devamos focar agora na divisão das joias que Mina furtou para nossa fuga. -o hibrido assumiu a palavra para que todos pudessem entender- temos de comprar uma carruagem na vila mais próxima para que todos possam seguir com mais segurança.
- Não creio que nós iremos precisar de muito... -Erwin se manifestou já agarrando as bolsas para verificar o que havia dentro de cada uma- Contigo guiando durante a noite nossa viagem não será tão longa. Por mim os franceses podem ficar com a maioria das joias e... - parou de falar ao notar o conteúdo do saco de tecido em suas mãos.
- O que foi? - o moreno se aproximou para olhar também.
- São roupas... Minhas roupas...
- O que? -ele puxou o objeto das mãos do alquimista para ver por si mesmo, revirando cada peça antes de constatar incrédulo- São roupas... Apenas roupas.
- Mas Hannah e Franz usaram algumas joias para comprar suprimentos, certo? -Levi foi até lá também sendo seguido de perto por Gabi que agarrou uma das bolsas para olhar dentro- Tem que haver joias aí em algum lugar...
- Espera... -Eren soprou ao notar o objeto nas mãos da pequena germânica sentindo seus dedos tremerem e seu coração palpitar ao identificar o pote em meio a aqueles panos que ela revirava- É a poção... Minha poção!
- Como? - as vozes de todos que entendiam suas palavras soaram em coro enquanto um sorriso radiante surgia em seus lábios.
- Mina... Ela trouxe alguns dos nossos pertences... Trouxe minha poção... Ainda resta algo para me agarrar e ter um pouco de dignidade nos anos que virão...
 

The boy and the demonOnde histórias criam vida. Descubra agora