Amar

91 17 17
                                    

Parado no centro do círculo negro em seu jardim, Udo relembrava a imagem de sua querida irmã sendo coberta por chamas verdes antes de ser levada por aquele ser cujo as penas pretas e brancas ainda jaziam entre as cinzas do que um dia fora um gramado vivo.

Aqueles olhos negros e vazios estavam gravados em sua retina causando-lhe calafrios. Aquilo não era um anjo, não tinha como ser. E entretanto Gabi parecia tão certa do que dizia... Tão confiante...

Olhou para dentro do quarto da irmã pela janela, ouvindo o som das orações interruptas do padre que seus pais haviam chamado para exorcizar tudo o que um dia fora tocado por ela. Chamavam-na de bruxa e de herege, chegando a mencionar um julgamento inquisitivo e execução na fogueira caso a encontrassem o que apenas o fazia rezar para que, o que quer que fosse aquele ser, não a deixasse cair nas mãos da santa igreja:

- Eu enviarei uma carta ao bispo explicando todos os detalhes do que aconteceu. -a voz do padre soou após o fim das orações- Talvez até mesmo o Papa deseje vê-los então estejam preparados para viajar até Roma caso necessário. Esse é um caso muito delicado e é a primeira vez que o próprio maligno se manifesta para levar uma de suas noivas com ele, até mesmo me faz pensar se não há alguma ligação sanguínea ou oferta da alma dessa garota desde antes de seu nascimento - olhou para a senhora Braun que recuou um passo em espanto e indignação, logo tendo o marido a assumir uma posição e defesa em sua frente.

- Eu e minha família servimos ao Senhor, Vossa Excelência Reverendíssima. Ofende-me que faça esse tipo de insinuação sobre minha esposa - ele pronunciou convicto sob o olhar acusador do religioso.

- Tudo o que sei é que vocês ascenderam socialmente muito rápido e a tempos estavam tentando conquistar mais influência com algum título de nobreza. -limpou os óculos reticente- Não são raros os casos onde garotas virgens são ofertadas à Satanás em troca de prosperidade. A igreja com certeza vai investigar isso, mas se vocês não fizeram nada de errado, então não há nada a se temer - complementou virando-se para a janela e encarando Udo fixamente de tal forma que o fez desviar o olhar e encolher-se.

Haviam mais alguns religiosos no local, ao todo três padres e cinco seminaristas que estavam ali como auxiliares para recolher os depoimentos e exorcizar a casa, ato que havia começado justamente pelo jardim de onde Gabi havia sido levada:

- Isso deve estar sendo difícil para ti... - um dos seminaristas pronunciou aproximando-se do rapaz de cabelos escuros e óculos de leitura.

- P-perdão?

- Udo Braun, o irmão mais velho. Soube que eras o mais próximo da garota levada pelo diabo - bateu com a pena sobre o papel onde transcrevia os relatos de cada um que interrogava.

- Não era... -ele começou por dizer, mas acabou por reformular as palavras- Nunca imaginei que... Deus... Aquela coisa era aterrorizante.

- Tu viste? Todos disseram não ter visto nada além do fogo e penas para todo o lado.

- Tinha um par de asas de duas cores distintas, uma era negra como a noite e a outra tão branca que reluzia com as chamas... -o seminarista começou a anotar, parando por alguns momentos para encarar o rapaz ao seu lado. Aquela era uma descrição estranhamente familiar- Não vi muito, mas... Seus olhos eram vazios e escuros... Eu senti que poderia sugar minha alma se o encarasse.

- Pelo que disseram os outros, parece que esteve com a tua irmã antes do ocorrido... -murmurou pensativo umedecendo os lábios- Ela disse algo que desse a entender que faria o que fez?

- Eu fui ver se estava tudo bem depois de nossa mãe ter brigado com ela e... Ela perguntou o que eu faria se fosse ela e tivesse a oportunidade de escapar do casamento que arranjaram... Ela disse que teria de deixar tudo para trás, mas eu nunca imaginei que... Ela disse que um anjo a viria buscar, mas...

The boy and the demonOnde histórias criam vida. Descubra agora