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Algumas quedas servem para que levantemos mais felizes — William Shakespeare

Ayleen

O desespero te faz ficar cego. Te deixa à mercê de escolhas que você não tem a mínima capacidade de decidir. A viagem até a clínica é rápida, eu sei, mas para mim pareceu uma eternidade.

O carro mal para no meio-fio e eu já desço em um pulo. Não quero perder nenhum segundo. No entanto, antes que eu faça algo mais estúpido do que aceitar a carona de um Agostini, encaro Victor que também saiu do veículo.

— Não — balanço a cabeça.

— Não o quê? — ele parece confuso.

Mas não é o único. Não estou raciocinando direito. Nem tenho condições pra isso.

— Obrigada por me trazer... não precisa entrar. Eu posso me virar daqui — tento ser sutil.

Não espero uma resposta, não tenho tempo para aguardar. Por isso, giro os calcanhares e corro rumo à entrada. Faz poucos minutos que parei de chorar, mas a ferida dentro de mim continua pulsando e jorrando sangue vivo.

Eu quero acreditar que tudo vai ficar bem, que daqui a pouco minha mãe estará melhor. Eu quero muito acreditar nisso.

Eu não tenho forças pra te perder... por favor.

Eu corro, corro, corro... porém, meus pés não parecem sair do lugar. Estou no limbo, chegando ao inferno e nem sei se terei tempo de caminhar até o purgatório e quem sabe adentrar ao paraíso.

Para a minha sorte, o médio Mariano está na recepção. Ele sabia que eu viria.

— Ayleen... eu sinto muito — é a primeira coisa que diz assim que me vê.

Desculpa, doutor. Não quero as suas condolências.

— Cadê ela? — o choro volta a me ameaçar.

— Ayleen, me escute primeiro.

Eu não quero te escutar! Só quero ver a minha mãe!

— Não! Eu não vou ouvir nada! Eu só quero saber em qual quarto ela tá. Pelo amor de Deus! — a comporta se abre e as lágrimas inundam minha visão.

— Ayleen...

— Mariano! Por favor! Eu só tenho ela. Só isso e já é muito. Quero vê-la, me deixa olhar para o rosto da minha mãe... mesmo que seja uma última vez...

Me sinto derrotada. Lutando uma batalha perdida.

— Tudo bem. Me acompanhe — o médico me leva em direção aos elevadores. Lá dentro, clica no botão com o número 3 aceso. Mariano não diz mais nenhuma palavra.

Ninguém gosta do 3º andar. Todos temem o momento de serem transferidos para lá. O pior de tudo é que a grande maioria sabe que não haverá escapatória. Não achei que esse dia chegaria tão cedo.

Uma pontada acerta o meu peito e, por um segundo, acho que vou morrer. Massageio o local por um tempo, mas a dor permanece ali com uma intensidade mais branda.

Enxugo o meu rosto com as costas da mão ao mesmo tempo em que a caixa metálica se abre revelando o longo corredor claro e silencioso.

As paredes brancas chegam a ser fantasmagóricas. O bip dos aparelhos trazem um ar ainda mais assustador.

— Ayleen — Mariano começa.

Abro a boca para falar, mas ele ergue uma mão, me cortando.

— Escute, eu preciso que você me ouça atentamente — fita-me.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora