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O destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho — Machado de Assis

Ayleen

— Era uma vez, uma super mãe. Ela cuidava de sua filha com muito zelo e amor. Todos os dias, a mulher, mesmo cansada, se deitava do lado da filhinha e contava diversas histórias mágicas e cheias de emoção, só pra ver os olhinhos brilhantes da garotinha repousarem sobre suas bochechas e entrarem em um sono profundo. Essa era a parte favorita do dia da criança: ouvir a voz calma e doce de sua mãe ao contar as mais incríveis histórias — aliso o rosto da mulher ao meu lado.

— Hoje é a garotinha quem conta historinhas mágicas para a mãe dormir — minha mãe suspira com dificuldade, mas tem um sorriso pequeno nos lábios.

Estou deitada do seu lado na maca. Não é permitido, porém, as enfermeiras e os médicos fingem não ver. Afinal, passo mais tempo aqui do que em minha própria casa. Encaro minha mãe e vejo o seu rosto se contrair. Me levanto e busco o remédio. Já tá na hora.

— Mãe, abre a boca — coloco o comprimido cuidadosamente em seus lábios ressecados.

Ela se ajeita com dificuldade e aperta o botão do controle da maca. Em poucos segundos, Cristina está em uma posição sentada graças ao equipamento. Entrego o copo descartável meio cheio e aguardo até que tenha terminado.

Não era assim que eu queria que ela estivesse quando completasse 40 anos. Minha mãe foi diagnosticada com um tumor no sistema nervoso central quando eu tinha 15. Tudo começou com dores de cabeça constantes, sonolência em excesso até evoluir para convulsões.

Desde então, temos lutado a cada dia contra essa doença maldita. Eu tento ser otimista e acreditar que um dia ela poderá ser curada. Não me importo de trabalhar em vários turnos para poder pagar pelo tratamento. Já são cinco anos assim.

Têm os dias bons e têm os dias que são dilacerantes: convulsões e mais convulsões; dores de cabeça que beiram à loucura e, é claro, a sessão vômitos. É horrível, simplesmente horrível, eu não ser capaz de fazer nada.

— Isso aí, dona Cristina — levanto o polegar —, vamos vencer juntas! — tento animá-la.

— Eu já venci na vida tendo você como filha. Ayleen, você deveria arrumar um namorado e parar de se preocupar comigo — sorri, no entanto, eu entendo as entrelinhas.

Ela basicamente está me pedindo para arranjar alguém em quem me apoiar quando ela partir. Como eu poderia pensar nisso?

— Mãe, você sabe que homem dá trabalho — desconverso —, tô muito nova ainda, não tenho tempo pra pensar nessas coisas.

Pego o copo de sua mão e dou alguns passos até a lixeira. Engulo o nó em minha garganta e boto um sorriso na cara para ela não perceber minha tristeza. Viro-me e volto para perto dela, mas dona Cristina sabe de tudo, é impossível esconder algo dela.

— Ayleen — dá palmadinhas na maca — sente aqui.

Encaro-a, seus olhos cansados rodeados por olheiras, o rosto fino por conta da perda de peso. Hoje, em particular, decidi colocar um lenço vermelho em sua cabeça com poucos fios. Quis dar um ar de Femme Fatale.

Me aconchego no lugar em que ela indicou e aguardo, eu já sei o que ela vai dizer e não quero ouvir.

— Minha filha, eu quero que você seja feliz mesmo que eu não esteja mais aqui — abro a boca para protestar, mas minha mãe põe o dedo fino sobre os meus lábios —, me escute e deixe pra protestar depois.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora