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Me manterei de olhos fechados; a penumbra me consumirá. Meu peito ainda doerá com todos os machucados — Allimidul Seohlub

Ayleen

Chove dentro de mim uma chuva constante e tempestiva. Os ventos fortes que a acompanha, destroem tudo. Não sobra nada de pé. Um dia se passou e eu não sei o que fazer. Estou do lado dela — não saio nem por um segundo —, como eu poderia?

Algumas enfermeiras tentaram me convencer a comer, mas não tenho fome. É impossível ter. Eu só consigo chorar e lamentar. Mariano aguarda uma resposta minha. Não quero matar minha mãe...

Há uma leve batida na porta, como não respondo nada, a pessoa entra. Os passos ecoam no cômodo silencioso. Os bipes não são capazes de amenizar o som. Sinto uma mão cálida em meu ombro esquerdo.

— Eu tenho algo para te dar — a voz mansa e serena da enfermeira é um perfeito contraste com toda a loucura que corre dentro de mim.

— Eu não tô com fome — não olho em sua direção.

— Não é isso. São duas cartas... — faz uma pausa — ...da sua mãe.

Ela consegue ter minha atenção. Como um animal sedento que encontra uma fonte de água cristalina, me coloco de pé em busca das cartas. Uma tábua de salvação.

— Ela queria que eu te entregasse caso algo drástico acontecesse. Eu sinto muito, Ayleen. Eu queria que as coisas fossem diferentes, que vocês pudessem ser felizes juntas. Mas saiba que você era a felicidade de sua mãe. Bom — me entrega os dois envelopes —, vou te deixar à vontade.

Eu queria não ter que chorar, mas as minhas lágrimas sempre encontram um caminho de volta.

Os envelopes pesam em minha mão. O que você queria que eu soubesse, mãe? Já estava preparada pra este momento?

A enfermeira vai embora e eu não consigo me sentar. O belo envelope branco com detalhes dourados tem o meu nome em caneta preta. O outro segue o mesmo padrão, porém, está escrito: "para o amor de Ayleen".

Ela e os seus sonhos românticos...

Abro a carta direcionada a mim e deixo a outra em cima da minha poltrona de acompanhante. Meus dedos tremem ao segurar o papel pardo.

"Ayleen, minha doce menina, o bebê dos meus sonhos,

Eu te amo mais do que a minha própria vida. Te amei desde o primeiro instante em que soube de sua existência. Você me tornou mais forte, mais corajosa e me deu esperança. Bastava ver o seu sorriso de bebê que o meu dia melhorava. 

Não vou mentir, não foi fácil e tinha dias que eu só queria chorar num canto. Mas eu consegui, nós conseguimos. Eu sinto tanto, minha filha, nunca quis ficar doente, não imaginei que isso pudesse acontecer. 

Mas a vida tem dessas coisas, devemos sempre estar preparadas para o imprevisível, não é? Porém, descobrir com 35 anos que pode morrer a qualquer momento, é uma grande merda. Você só tinha 15 anos, deveria estar aprontando e fazendo memórias, no entanto, eu roubei isso de você. 

Sua vida se resumia a várias horas no hospital acompanhando as minhas quimioterapias. Mesmo que eu falasse que estava tudo bem e te enxotasse — me imagine rindo —, você não desgrudava de mim. 

Eu fui abençoada com a melhor filha do mundo. Ayleen, eu sempre soube que morreria. Eu superei às expectativas, vivi por mais 5 anos. Escrevo esta carta pra te tranquilizar. Eu não tenho medo da morte, meu bebê; tenho medo de te deixar e de como você vai ficar com a minha partida. Você viveu só por mim e mais nada. 

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora