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Quando se quer bem a uma pessoa, a presença dela conforta. Só a presença, não é necessário mais nada — Graciliano Ramos

Victor

Eu não sei o que estava esperando quando decidi vir aqui. Na verdade, a convicção me deixou confortável. Eu sinceramente acreditei que seria fácil, uma conversa rápida. Uma transação com uma resposta positiva.

Mas, assim que minha visão foi preenchida com toda a totalidade dela, com cada detalhe do quebra-cabeça que faltava; me vi perdido. Perdido na imensidão do olhar zangado da menina. Sim, agora eu tenho certeza. Ayleen é uma menina.

O rosto na indecisão de ser menina ou mulher. Olhos amendoados suaves e ferozes ao mesmo tempo. Cabelos longos e escuros ainda úmidos. Os lábios carnudos pressionados em uma fina linha. O nariz enrugado como de uma adolescente pertinente.

Céus, ela me odeia.

Observo e absorvo tudo. O impacto faz de mim uma chacota. Um homem de 35 anos à beira de implorar por algo. Por ela. Uma menina com os pés descalços.

No entanto, a misturada da inocência com a maturidade me deixa ainda mais intrigado. Agora, segurando sua cintura, impedindo a queda iminente; vejo uma criança assustada. Seu corpo treme incontrolavelmente e eu me sinto perdido.

Que porra tá acontecendo aqui?

Ayleen não se importa de ter um "estranho" a amparando. No momento, creio que nem se dá conta de minha presença. A curiosidade atiça os meus sentidos.

Alguém morreu? Uma amiga? Algum parente?

Eu não tenho certeza de que seja adequado perguntar qual é o problema. Não depois da nossa troca acalorada. O que foi aquilo mesmo? Victor Agostini perdendo o controle por causa de uma mulher? É possível algo assim?

Me tirando dos meus devaneios inapropriados para o momento, Ayleen balbucia algo ininteligível. Um sussurro tão baixo e dolorido que preciso me esforçar para entender.

— O quê? — sondo, com sutileza. Ou é o que acho.

— Minha mãe... — ela não completa a frase pois o choro angustiado não permite.

Não me diga... a mãe dela... Caralho!

Eu realmente não tenho a mínima noção do que fazer. Não costumo precisar consolar as pessoas, no máximo minha mãe. Porém, é algo inato, bem natural.

Aqui, neste exato momento, não tenho a total liberdade. Mal a conheço e não temos nenhuma intimidade para tal.

Mas é a mãe dela, porra!

Quando um soluço alto, carregado de dor e fragilidade, escapa de seus lábios úmidos deixo de lado todas as regalias da sutileza.

Tomando por atitudes primitivas que nunca perpassaram por mim, giro o seu corpo e escondo o rosto manchado de lágrimas no meu peito coberto pelo mais fino terno. Ela vem sem questionamentos.

É que quando estamos machucados, tendemos a nos agarrar ao primeiro remédio disponível; só queremos nos aliviar.

Mantenho uma mão firme em sua coluna e a outra sobre sua cabeça, sentindo os fios molhados de seu cabelo. O silêncio é molestado pelos soluços incontroláveis da menina.

Eu me faço de suporte para esta estranha conhecida.

Alguns minutos se passam e Ayleen se afasta de mim. Tento ignorar a sensação de perda que isso me provoca. Eu sou um adulto racional, não tenho tempo pra isso.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora