Capitulo 61

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  Sinto um pequeno metal raspar na minha pele, perto do meu ombro. Todo o meu raciocínio, todo o meu ser, para nesse momento e ouço o barulho da pistola que transportava cair. O meu olhar lança-se lentamente para essa zona do meu corpo. Nada de sangue, apenas o susto.

  O homem larga o meu pescoço e afasta-se.

  "Leva-a" o seu tom antes provocante, ameaçador, é trocado por um ar extremamente zangado

  "Sim" um novo homem vem até mim. O que disparou.

  Os seus braços apanham os meus, atrás das costas, e eu tento lutar contra ele, mas isso é em vão. O som metálico das portas pesadas é ouvido e eu paro de esbracejar. A minha respiração está acelerada e eu ergo a cabeça, com o meu peito a subir e descer freneticamente. Eu estava tão assustada, eu tinha tanto medo do que me podia acontecer agora.

  Vejo-o, então. Os seus longos cachos estavam totalmente bagunçados, como nunca os vira, alguns caindo desordenadamente na sua testa morena. Consigo alcançar um pequeno arranhão na sua sobrancelha e uma pinga de sangue na ponta do lábio inferior, estando este ligeiramente inchado, tom bem avermelhado. Os nossos olhares cruzam-se e eu não sei o que senti aí. Ambos respirávamos apressadamente, como que tentando absorver o máximo de oxigénio do ar, não sabendo quando será o fim dessa nova respiração. Talvez não estivesse assim tão longe. Os meus olhos ficam pesados e eu imploro-me para não chorar. Eu ia ser forte e lutar pela nossa sobrevivência, assim como Harry disse que lutaria por me tirar daqui. Nós íamos fugir, eu nunca tive tanta vontade disso por mais absurdo que possa sê-lo afirmar. Eu tenho de sair daqui, eu vou dar em maluca se isso não acontecer. Eu odeio estes homens sem piedade, odeio estas paredes melancólicas e este espaço abafado mas extremamente gelado, odeio a maneira como nos tratam, como se fossemos seres humanos com necessidades brutalmente diminuídas.

  Sinto o meu corpo ser puxado e é aí que eu decido começar a minha luta. Tentavam-me levar para o meu lado direito, mas eu faço pelo contrário, puxando-me a mim própria para um lado e para o outro. Nós eramos dois contra dois. Uma rapariga e um rapaz, apenas uma arma do nosso lado e o meu corpo preso em desvantagem. Eles eram dois homens robustos, uma arma também mas um deles a prender o meu corpo em sua vantagem. Não, nós íamos conseguir. Dou um grito de frustração. Era como se por mais que tentasse, por mais força que tivesse, eu não fosse alguma vez conseguir libertar-me. Harry começa a correr até mim repentinamente, era pouco o espaço entre nós e a sua velocidade de reação foi rápida. Cada vez mais perto, nós íamos conseguir. Um tiro. Paro por completo. O corpo de Harry cai e tudo para. O homem deixa de fazer força em mim, o outro fica estático, assim como Harry e eu. Ele estava sereno no chão, vestido de preto mas com um ar angelical ao mesmo tempo. A sua respiração não é como antes, o seu peito não desce e sobe pesadamente, mas eu posso jurar vê-lo fazer esse movimento de uma maneira insignificante. Aí eu caio também e já ninguém me prende. Eu não podia alcançar onde é que ele levara o tiro, mas foi claramente no seu tronco. Não, não pode ser. Atiro-me até ele e rapidamente rodeio o seu tronco, deixando as minhas lágrimas caírem sobre a sua camisola. Isto não podia acontecer, eu preciso dele como nunca precisei de ninguém, ele tornou-se a minha vida, ele sempre a foi mesmo sem eu o saber. Aperto o avião de papel num punho. Ambos temos de ser livres, longe deste lugar, mas eu não quero que ele permaneça num lugar assim tão longe, num lugar onde eu não sei onde ou quando o encontrar. Eu menti, eu não quero que ele seja livre mas nunca se esqueça de mim e do nosso amor por mais distância que haja. Eu menti-me a mim mesma porque não é disso que eu preciso. Eu preciso dele. Ou talvez seja eu que não posso ser livre, porque a minha vida tornou-se neste jovem rapaz. Assim como eu fiquei assombrada por ela, eu fiquei também assombrada por ele, porque ele sim era como a minha sombra.

  Alguém me puxa com tanta força que eu não tenho de fazer qualquer esforço para me levantar. Não, é o que eu grito, enquanto luto verdadeiramente por permanência junto do esbelto corpo caído, depois de tiros e sofrimento por me tirar daqui. Foi por minha culpa, mais uma vez foi por minha culpa. Mas eu não podia ir assim, eu tinha de o ver, eu tinha de o ver abrir os olhos, eu acreditava nisso, eu pedia a mim mesma para não ser pessimista, para meu próprio bem. Dou por mim cada vez mais longe e o outro homem aproxima-se de Harry. O que acontece a seguir eu não posso ver, porque dou com a porta cinzenta escura a fechar-se e os meus olhos são incapazes de ver o que um tecido cobre desses.

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