Capitulo 66

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  O meu corpo estava numa luta contra si próprio, parte obrigava-se a continuar caminho para meu próprio bem e a outra parte exigia ao meu corpo parar e pedir explicações, tentar fugir de alguma forma.

  Este trajeto era completamente desconhecido para mim, durava há algum tempo e já nos deslocávamos na parte onde eu pertencia. Apesar disso, ainda não passámos em celas ou algo do género e o ar parece ser inexistente a meu redor, eu pareço até não necessitar dele quando paramos à frente de uma porta e o que eu vejo são duas iniciais. A.D., aquelas iniciais. Nos últimos dias eu não sabia se devia ter medo ou esperança, mas agora era algo que eu nem pensava, o sentimento de receio parecia ter predominado em mim durante toda a minha vida, era como algo que sempre cá esteve e eu nem dou pela sua presença ao chegar realmente. Eu era medo agora, nunca o fui desta maneira. E por algum motivo a minha mãe vem até à minha mente e eu pela primeira vez desde há meses vejo o seu fim com benefícios. Ela não sofreu, não passou por este momento em que eu estou desaparecida e, se eu conseguir fugir desta, o que eu não posso acreditar por mais que queira, ela não vai ter de viver sozinha agora, não vai ter de ficar meses e meses à espera de mim quando o meu corpo pode já estar caído no chão, sem vida. E pela primeira vez, sim, eu posso minimamente aceitar a morte dela, porque só agora eu vi que talvez assim ela não tenha passado por muita coisa dura que veio e certamente virá. Ela foi morta por um homem arrogante e sem coração, por algo com o meu pai, não com ela, talvez se isso não acontecesse ela viesse a sofrer ainda mais porque tal como a última carta dizia, aquele homem era capaz de tudo. Imagens do rosto magro da bela mulher passam na minha mente. O seu sorriso, as palavras antes de eu dormir, a caneca de leite quente que ela sempre tomava antes de se deitar, o que eu vim a descobrir ser uma maneira de a acalmar antigamente, acabando por tornar-se um hábito, quando nos deitávamos no baloiço da parte de trás da casa e olhávamos as estrelas em noites de verão, contemplando a forma como elas brilhavam. Tudo isso renasce na minha cabeça e eu sinto algo como um peso do meu corpo a fugir de mim, a deixar-me e a permitir-me viver com menos algo de perturbador na minha vida. Como se a minha mãe sempre tivesse estado aqui, a apoiar-me e a carregar-me, mas mutuamente a sofrer com o que me tem acontecido, e eu agora a tivesse deixado ir sem eu mesma sofrer e ela possa ajudar-me agora em paz. Sinto um arrepio que há muito não sentia. O fim da minha mãe, eu consegui ver algo de bom nisso. Eu vou sempre sentir uma falta sua tão grande que parece que mais ninguém sofre tanto como eu, sempre vou sentir falta da sua presença ao lado da minha e das suas palavras tão simples mas que conseguiam mexer comigo, era um dom que tinha, mas agora ela estava em paz e eu não podia desejar nada de melhor para ela. Paz, é tudo isso que eu lhe podia desejar agora que sei de coisas que há três meses atrás não sabia. Não sei se aceitei toda esta situação, mas já não a posso ver como antes.

  O homem a meu lado abre-me a porta e eu fecho os olhos. Eu vou ter paz também, um dia eu vou tê-la, nem que seja apenas quando o fim chegar a mim.

  Sou abandonada num hall pequeno, meio escuro, apenas com luzes fracas e amarelas e iluminarem-no e a dar-me a entender que ali o espaço era de um vermelho vinho, as paredes de um preto metálico e espelhos em cada lado de mim. Olho cada um, sentia-me observada pela maneira como tudo isto se concentrava em mim, durante os últimos dias isto não aconteceu assim.

  Uma mulher de vestido justo e preto aparece. Faz-me sinal arrogantemente para a seguir e eu assim o faço. Mas ela, apesar do seu aspeto de desprezo para comigo, não parecia ser violenta, eu podia conseguir alguma coisa.

  "Onde é que vamos?" paro

  O seu olhar dirige-se para o meu e eu tento esconder o arrepio que passa todo o meu corpo, ela parecia algum ser tirado de um filme de terror com aquele olhar. O seu corpo lentamente aproxima-se de mim, eu tento não empurrar a minha cabeça para trás.

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