- Amanhã você vai sair! A voz se tornou mais ameaçadora.
-Nem que eu mesma tenha que te buscar à força! Ou posso pedir para o Gaston e os amigos dele passarem aí pra...
- Calma, Nina. Tá certo. Não precisa ameaçar. Não queria nem imaginar Gaston e seus amigos trogloditas no meu apartamento minúsculo.
Tremi só de pensar.
- Tô mesmo precisando sair e beber alguma coisa. Essa semana foi um inferno!
Ela respirou fundo do outro lado da linha. Quase conseguia ver o bico que
ela devia estar fazendo.
- Nem me fale! Outro suspiro.
- Por isso mesmo preciso que você
saia com a gente amanhã. Quero te contar uma coisa.
Ai, Senhor! De novo?
- Brigou com o Gaston outra vez, Nina? honestamente, isso já estava passando dos limites.
- Não, não. Quer dizer, não muito. Mas não é sobre o Gaston. Ouvi barulho de buzina ao fundo seguido de um grito abafado de Nina: Passa por cima, imbecil!
- Não é só sobre o Gaston que eu quero conversar. Olha, preciso desligar agora. A gente se vê amanhã lá no Toca, está bem? Mais barulho de buzinas.
- Beleza. Fiquei curiosa com o assunto misterioso da Nina.
Normalmente, ela desatava a falar, mesmo quando eu explicava que não
podia conversar por que tinha prazos a cumprir ou por que simplesmente estava no meio de um banho. O que aquela maluca estaria aprontando dessa
vez?Acordei na hora certa, pra variar. Graças a Deus era sexta-feira! Cheguei as oito em ponto ao escritório, sem manchas de lama, com a roupa perfeitamente limpa e passada, e quase gritei de alegria quando vi minha CPU no lugar de costume.
Corri até minha mesa e me abracei ao monitor.
- Não me abandone nunca mais! Murmurei aliviada por não precisar
mais da máquina torturadora de dedos.
- Tendo um caso com o computador, Karol? Olha, você precisa usar alguma proteção, garota! Sabe como é! Pode acabar pegando um vírus!
era Michael, o engraçadinho, é claro, gargalhando até perder o fôlego.
- Rá-rá. Foi tudo o que eu disse a ele.O dia no escritório transcorreu como sempre, sem um único minuto pra pensar em como eu arrumaria uma faxineira e como ganharia mais dinheiro
para poder pagar por ela.
Meu salário era digno de pena e o trabalho parecia nunca ter fim. Eu tinha que arrumar tempo pra fazer um bico... Só não tinha tempo pra arrumar mais tempo!Saí do escritório, peguei meu carro no estacionamento e fui direto para o bar.
O Toca ficava a três quadras do escritório.
Um oi meio demorado encontrar uma vaga, parecia que quase todo mundo tinha resolvido sair do escritório e dar uma esticadinha em algum bar ali perto.
O telhado em um grande arco escuro, com pequenas janelas na fachada e uma grande porta em forma de U, deixava o bar parecido com uma toca indígena. Leo‟s Bar era o nome oficial, mas todo mundo o conhecia como Toca.
Era bem rústico, até mesmo em seu interior, as mesas e cadeiras de madeira rústica e sem verniz, com exceção dos clientes, sempre descolados.
Contudo, eu não estava muito descolada. Ainda estava vestida com as roupas de escritório: jeans escuros e camisa branca de mangas curtas, os cabelos presos num rabo de cavalo. Nem muito profissional, nem muito descolada, mas eu não podia furar com Nina outra vez e não daria tempo de ir até em casa para me arrumar de forma mais casual.
E eu queria sair e me divertir um pouco. Estava ficando esgotada e minhas férias estavam muito, muito longe para que eu pudesse sequer começar a planejá-las.
- Nossa! Vai cair um pé d‟água! Olha só quem resolveu se juntar aos vivos! Gaston (sempre tão agradável!) praticamente gritou quando me viu,
fazendo com que muitas outras pessoas no bar parassem o que estavam fazendo só pra me observar.
- Eu estou viva, Gaston! Falei asperamente.
- Só não tenho tempo pra sair quando eu bem entender. Eu trabalho, sabia? Você já deve ter ouvido falar a respeito. Algumas pessoas não nascem com a vida toda garantida e precisam ganhar seu próprio dinheiro.
- Hei! Foi só uma brincadeira. Dá um tempo! Não precisa me passar um sermão. Reclamou, levantando as duas mãos grandes com as palmas pra frente, como que se rendendo.
Eu realmente precisava beber alguma coisa, estava começando a ficar implicante e mal-humorada.
Depois de mais ou menos uma hora, e quatro chopes, talvez?
Nina aproveitou que Gaston tinha ido até a mesa de sinuca (para uma partida
rápida, ele disse) pra começar a falar.
- Quero sua ajuda. Sua opinião, na verdade. Seus olhos castanhos inquietos. - Tudo bem. Desembucha aí! Eu estava mais relaxada, o chope começando a agir no meu organismo.
Ela olhou rapidamente para Gaston e depois de volta pra mim.
- Eu acho que... Acho que eu... Seus olhos estavam ansiosos, meio inseguros, ela parecia assustada. Oh- Oh!
- Meu Deus, Nina! Você está grávida, não está? Fiquei gelada. Nina cuidando de um bebê! Um bebê que chora e vaza meleca por vários orifícios diferentes.
O tempo todo! Se bem que, se ela era capaz de suportar o Gaston com seus quase dois metros resmungando e pedindo coisas o tempo todo, seria capaz de cuidar de um bebê de cinquenta centímetros e que, certamente, reclamaria muito menos.
- Não! Sua voz horrorizada.
- Karol você ficou doida? Eu não estou
grávida. Seus olhos correram em direção ao Gaston para se certificar de que ele não tinha ouvido, e aparentemente ele não ouviu.
- É que você... Eu pensei... Que... Que... Esquece o que eu pensei! Me desculpe, Nina. Conta logo o que tá te deixando tão apreensiva.
Nina baixou a cabeça por um instante, observando seu copo quase vazio e depois, com aquele sorriso que dizia aprontei-outra-vez nos lábios, se
voltou para mim.
- Acho que vou convidar o Gaston pra morar comigo! Ela disse, quicando na cadeira. Seus olhos brilhantes de ansiedade e excitação.
- Ah! Levei meu copo à boca e tomei um grande gole. Rã... Seu rosto delicado murchou um pouquinho.
- Eu sabia que você não ia gostar. Murmurou, baixando os olhos e sacudindo levemente a cabeça, fazendo seus cabelos negros caírem por sob o ombro um pouco.
Olhei pra ela, pra minha amiga, minha melhor amiga, que muitas vezes foi
minha irmã mais velha.
Eu sabia que minha aprovação era importante pra ela, tentei parecer menos tensa do que na verdade estava.
- Não é isso. É claro que é... legal. Muito legal. tomei outro gole de chope.
- É só que... Você tem certeza, Nina? Tem certeza que ele é o cara certo pra você? -Tenho! Sua voz estava firme e seu rosto sério, mas os cantos de seus lábios cheios teimavam em subir um pouco.
- Mas vocês dois vivem brigando Constatei o óbvio.
- Feito cão e gato! Já perdi as contas de quantas vezes você apareceu lá em casa
chorando por causa dele.
- Eu sei Karol. Mas eu estou apaixonada por ele! Não quero ficar longe dele um minuto sequer! Não pode ver isso?
Claro que eu podia, desde que o conheceu, Nina ficou maluca por ele.
No começo, achei que ela tinha tirado a sorte grande agarrando um cara como
Gaston grande, forte, com olhos rápidos e brilhantes e um sorriso debochado, mas assim que engataram um relacionamento mais sério e ele começou agir de forma infantil e às vezes até rude, mudei de ideia rapidamente.
- Eu sei o quanto você gosta dele. Todo mundo sabe! Mas tem certeza que isso vai dar certo? Tentei falar de forma gentil. Não queria magoá-la dando minha verdadeira opinião sobre ele.
- Não. Nina sorriu.
- Não tenho certeza. É claro que não! Não se tem certeza de nada quando se esta apaixonada, Karol!
- Ah, se tem sim! Dá pra ter certeza que seu coração será estilhaçado em um milhão de pedaços no final.
Tomei outro gole. Meu copo ficou vazio.
- Karol! Não acontece sempre assim com todo mundo. Ela viu meu olhar cético e continuou.
- Não acontece! Existem pessoas que passam a vida toda juntas.
- A-hã!
- Existe sim. Além do mais, nós ficamos juntos o tempo todo, exceto quando estou trabalhando. Metade das minhas coisas estão na casa dele.
Facilitaria muito se morássemos debaixo do mesmo teto, e meu apartamento é maior...
- E a outra metade das suas coisas está na minha casa, eu acho...
Humm. Me esqueci de devolver a blusa verde, que ela me emprestou para ir naquele fórum, e a saia. E os sapatos também.
Era uma sorte Nina ter quase o meu tamanho, apenas centímetros mais baixa, porém, era mais curvilínea que eu, fazia o tipo boazuda. Isso pra não
falar de sua pele branquinha, linda e lisa, contrastando com seus olhos castanhos que a deixava parecida com uma deusa grega, enquanto eu tinha olhos verdes não tão comuns, pele meio branca e sem
graça, sem nenhum atrativo exuberante e cabelos ondulados e indomáveis.
- Eu sabia que aquela blusa não tinha fugido da minha gaveta! Nina era um amor. Sempre me socorria nas mais diversas emergências. As de moda inclusas.
- Mas o que você acha?
- O que? Sobre roupas fugindo de casa? Acho que faz todo o sentido.
Tenho várias delas desaparecidas.
Ela bufou estreitando os olhos.
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Meu lugar
أدب الهواةA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...