Parte 56

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O médico queria internar alguém em crise. Alguém que aparentemente tinha surtado! E Ruggero estava desolado com a descoberta.
Senti que meu coração fora arrancado do peito.
- Você mentiu! Eu disse, escancarando a porta. Ruggero se levantou, assustado com minha entrada tempestuosa.
- Você mentiu pra mim!
Lágrimas encheram meus olhos, uma dor profunda e lancinante dilacerava o local onde deveria estar meu coração.
- Karol, acalme-se, por favor!
Eu não menti. Apenas escute o que o Dr.
Almeida tem a lhe dizer.
As mãos espalmadas numa súplica, seu rosto transformado pela dor.
Não me comovi.
Sua dor não era maior que a minha.
Eu não tinha mais ninguém.
Ninguém que acreditasse em mim.
Ninguém a quem pedir ajuda!
Ninguém!
- Senhorita Karol, o Senhor Pasquarelli me contou o que lhe aconteceu esta noite. Talvez você apenas precise descansar um pouco, minha jovem.
Conheço um lugar muito discreto onde...
- Você vai me jogar num manicômio?
Gritei para Ruggero.
As lágrimas turvavam minha visão, eu respirava com dificuldade, a dor aumentava segundo a segundo.
- Não é isso! Apenas ouça o que o Dr. Almeida tem a lhe dizer.
Ele se aproximou os olhos cheios de piedade, suas mãos ainda abertas com as
palmas para frente.
Desarmado, diziam, assim como disseram a Storm no dia anterior.
E logo em seguida, viria o bote.
- Não toque em mim. Berrei, me afastando dele.
- Karol, amor, você prec...
- Cale a boca, Ruggero! Eu berrava descontroladamente.
Não me ajudava muito, contudo, me descontrolar daquela maneira quando já suspeitavam de minha sanidade, mas não pude conter a raiva.
- Só... cale a boca! Eu me enganei com você. Como eu pude ser tão idiota?
Eu sabia que daria nisso!
Sempre soube que isso aconteceria.
Minha única certeza.
Um coração destroçado no final de tudo. - Pensei que você realmente me amasse!
Pensei que acreditasse em mim!
- Mas eu a amo...
- Ama nada! Se me amasse, confiaria em mim. Você nem ao menos se deu ao trabalho de investigar minha história. Deduziu que eu estava louca e rapidinho arrumou alguém pra te ajudar a se livrar de mim!
- Não é nada disso! Você está...
- Como eu pude cair nessa? Esse tempo todo você só queria me levar para a cama! Como fui burra! Pensar que você pudesse me amar.
Claro que nunca amaria alguém como eu, alguém que não sabe se comportar como as outras garotas, que nem ao menos consegue se expressar de forma clara, alguém usada.
Eu te odeio, Ruggero! ODEIO!
- Está enganada!
Você não está entendendo, ouça-me... Implorou.
- NÃO! Berrei e corri para meu quarto.
Ouvi ele me chamar no corredor e depois me seguir apressado, mas consegui chegar a tempo de passar a chave e a trava de madeira na porta.
Ele não entraria tão rápido dessa vez.
Olhei em volta e juntei minhas coisas. Enfiei tudo que era meu na bolsa.
- Karol, perdoe-me. Eu... Estou confuso. Sua voz abafada, mas cheia de angústia. -Abra, por favor! Vamos conversar.
Não vou deixar que a levem a parte alguma, eu prometo!
Da mesma forma que prometeu que acreditava em mim!
Abri a janela, era ainda mais alta do que eu esperava. As batidas na porta ficaram mais fortes.
- Karol abra, por favor! A urgência em sua voz me fez crer que, mesmo com a trava, ele entraria naquele quarto.
E não levaria muito tempo.
Pulei da janela sem hesitar.
A grama amorteceu um pouco o tombo, ralei apenas um joelho e um pouco do cotovelo.
Estava frio ali fora, o vento gelado trazia a umidade da tempestade que se aproximava.
Não me importei com isso, eu tinha que
sair dali. Precisava sair dali.
Não podia suportar olhar para Ruggero outra vez.
Não podia suportar que ele me olhasse com piedade, depois de tudo o que
vivemos.
Corri o mais rápido que pude, totalmente às cegas. Eu não tinha para onde ir, nem a quem recorrer, mesmo que tivesse que dormir ao relento pelo resto da vida, ainda seria melhor do que ser trancada em um manicômio.

As nuvens encobriam a lua e a noite escura não permitia ver para qual direção eu seguia, mas continuei em frente.
Corri sem destino, na ânsia de me afastar de Ruggero o máximo possível.
Eu queria fugir até mesmo das lembranças, que agora me dilaceravam.
A chuva fina começou a cair e deixou a grama escorregadia, caí muitas vezes, mas não parei.
Os raios e trovões iluminavam o céu vez ou outra.
Agradeci por eles. Clareavam a noite sombria.
O vestido encharcado ficou pesado demais e correr se tornou impossível
quando a chuva torrencial desabou de uma vez.
Andei sem rumo por muito tempo. Acabei tropeçando e caindo novamente no mesmo instante em que um raio cruzou o céu. Reconheci onde estava. Reconheci em que tinha tropeçado.
Não era a primeira vez que eu tropeçava naquela pedra.
Peguei o celular na bolsa e apertei a tela freneticamente.
- Por favor. Chorei, mas nada aconteceu.
Encolhi-me, tentando suportar a dor. Abracei os joelhos e deixei minha cabeça tombar sobre eles.
Rezei muito para que a vendedora pudesse me ver naquele instante e acabasse com a brincadeira,
- Me leva pra casa, por favor. Rezei baixinho.
- Eu não quero mais ficar aqui! Me leva pra casa!
Eu não poderia ficar naquele lugar. Nunca seria a minha casa.
Nunca seria o meu lar. Não sem Ruggero.
Eu não podia suportar que ele me internasse num hospício.
Não podia suportar que me visse como uma louca. Não poderia viver ali! Jamais!
E não queria acreditar que ele me usou.
Uma noite apenas!
Eu tinha que voltar para casa pra ficar sozinha, como sempre foi.
Voltar para a vida vazia de sempre.
Sem amor, mas sem dor.
Rezei para que, quando eu voltasse acontecesse um milagre e, como nos
filmes, eu simplesmente esqueceria tudo que vivi ali.
Porque eu queria esquecer o que vivi com Ruggero, esquecer suas falsas juras de amor, esquecer seus sorrisos, seu cheiro, nossas conversas, o que vivemos... esquecer tudo!

Fiquei ali sentada, encolhida como uma criança assustada, por muito tempo.
Eu tremia muito, convulsivamente, cada parte de meu corpo se transformou numa pedra de gelo, mas eu não sabia se era de frio ou de medo.
Eu não tinha para onde ir.
Não sabia o que fazer. Jamais me senti tão sozinha!
- Por favor, me leva pra casa!
Estava tão gelada que não sentia nem mesmo o calor das lágrimas que rolavam incessantemente por meu rosto. Abracei-me mais, tentando me aquecer de alguma forma, mas a chuva gélida e pesada caía impetuosamente.
A consciência começou a me escapar.

Não sei por quanto tempo fiquei ali, mas me pareceu uma eternidade.
Como imagens fotográficas, um quadro por vez, vi algo se movimentar na
escuridão.
Não pude me mover, meus músculos pareciam estar congelados.
A coisa se aproximava a cada vez que eu abria meus olhos.
Meu corpo estava fraco e dolorido, como se milhões de agulhas estivessem enterradas nos músculos.
Pisquei algumas vezes e a coisa estava bem perto agora.
A coisa bufou e uma nuvem de vapor se fez visível na penumbra.

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