Encontrei-me com Ruggero no estábulo, Storm já estava selado e pronto para o
passeio. De repente, minha coragem vacilou. Storm era grande e assustador
demais.
Vi um sorriso desafiador se espalhar nos lábios de Ruggero. E então, me apoiei
em seu ombro e subi colocando um pé no estribo, toda desajeitada.
Ruggero montou com a elegância de quem montava desde os dois anos de idade. Storm se comportou como um verdadeiro cavalheiro, trotando suavemente, me deixando mais à vontade depois de alguns minutos, e os braços de Ruggero firmes em minha cintura me mantiveram no lugar.
- Para onde estamos indo? Perguntei, quando não podia mais ver a casa, apenas mata e árvores.
- Não sei bem. Por ora, Storm apenas me permite montá-lo, mas ainda é ele quem decide para onde ir.
Eu ri.
- Muito útil ter um cavalo que não obedece aos comandos.
- Foi muito útil na noite de sábado. Ele não sorriu. Não achava engraçado.
Alisei a crina de Storm.
- Valeu pela ajuda, amigão. Sussurrei para o cavalo.
- E obrigada por não ter derrubado Ruggero.Dessa vez, ele riu.
Depois de um tempo, comecei a reconhecer o caminho, e soube para onde Storm estava me levando. Exatamente para o mesmo lugar onde me encontrou no sábado.
Para minha pedra.
Paramos um pouco mais adiante,
debaixo da árvore.
- Acho que aqui é de alguma forma, o nosso lugar. Disse, depois que Ruggero soltou a rédea e Storm saiu trotando feliz.
- De alguma forma. Concordou.
Ele apoiou as costas na árvore e eu me sentei ao seu lado.
- Sabia que gosto muito deste vestido? Ele disse, me encarando com um sorriso no rosto. Eu vestia o vestido, vinho que tinha a cicatriz das linhas de Madalena na bainha fechando o buraco que abri quando tentei sair do estábulo há alguns dias atrás.
- Obrigada. Eu disse, numa mistura de embaraço e prazer.
Ele tocou minha testa, depois suspirou aliviado.
- Eu estou bem, Ruggero. Pode parar de se preocupar, por favor? Resmunguei.
- Desculpe-me, mas não posso!
E me lançou um olhar que implorava
compreensão. Eu ri.
Peguei minha bolsa e mostrei a ele as coisas que tinha comigo, algumas delas Ruggero já tinha visto naquele dia em que lhe dei a caneta, mas dessa vez
expliquei para o que serviam: maquiagem, as chaves de casa, e o maldito sachê de ketchup! Rasguei a embalagem, coloquei um pouco no dedo e ofereci.
- Prove. Estiquei o dedo. Ele não hesitou. Rapidamente, pegou minha mão e levou meu dedo a boca.
Claro que todo meu corpo acordou imediatamente com o contato.
- Hum! É meio doce e... azedo!
- É. Fica gostoso em sanduíches e eu amo com batata frita.
- Ficou gostoso com dedo também.
Disse ele, brincalhão.
Eu ainda ria quando peguei o celular.
Era isso que eu queria mostrar a ele mais que qualquer outra coisa.
- Meu celular. Estiquei a mão.
Ele pegou o pequeno retângulo reluzente.
Seu rosto ficou muito sério. Ruggero virou o aparelho muitas vezes nas mãos, analisando cada linha, cada detalhe.
- Foi isto que a trouxe aqui? Esta coisa minúscula? Assenti ainda o encarando.
Ele me devolveu o aparelho com cuidado.
- Serei eternamente grato a ele, então.
E, de repente, me dei conta de que eu também! Também estava agradecida a ele, agradecida pela confusão que tinha me metido, agradecida por tudo que passei ali por sua culpa.
Ele me trouxe até Ruggero!
- Eu não sei mais o que esperar, Ruggero. A última mensagem dizia para que eu ficasse preparada. Acho que estou perto. Terminei sussurrando.
Ele entendeu o que eu quis dizer imediatamente.
- Talvez signifique outra coisa.
Talvez seja... Ele se interrompeu, os
olhos brilhando de ansiedade, tentando encontrar uma explicação lógica e
miraculosa, qualquer explicação que não fosse “você está voltando pra casa”.
- Seja... Instiguei desanimada.
- Você não encontrou o que procurava! Ele disse firme
- Não encontrei a outra pessoa!
É diferente. Retruquei,
- O que quer dizer?
- Quando ela me ligou, disse que eu teria que encontrar o que procurava e me conhecer de verdade para poder voltar. E acredito que as duas coisas já aconteceram. Eu baixei os olhos, não queria pensar em ir embora. Não agora! Nem nunca!
- E o que você procurava? Perguntou.
Levantei os olhos e o encarei por um tempo. Como demorei tanto para perceber que aqueles olhos eram a porta de entrada para minha felicidade?
Porque não vi logo de cara que Ruggero era... meu?
- Você! Eu disse e voltei a olhar para o aparelho.
- Parece maluco, mas eu procurava por você sem saber disso.
Ouvi Ruggero suspirar ao meu lado.
- Deve estar enganada, se você precisa encontrar algo para poder voltar para o seu tempo, como eu posso ser a sua resposta? Não há sentido em me encontrar para depois me deixar.
Sua voz profunda e melancólica cravara uma estaca em meu peito.
Ele sofreria muito se isso acontecesse.
Eu simplesmente tinha que ficar ali de alguma forma, nem que eu tivesse que esganar pessoalmente aquela vendedora.
É claro, que para isso eu teria que encontrá-la primeiro.
- Já pensei nisso também. E também acho que não faz sentido, mas eu sei, eu sinto, nem sei te explicar como, que é por você que eu procurava. Não agora, não apenas aqui, Ruggero, mas sempre. E eu nunca encontrei nada porque você estava um pouquinho fora de alcance. Brinquei, querendo tirar a tristeza de seus olhos.
Quase deu certo, ele tentou sorrir um pouco.
- É engraçado. Eu sinto o mesmo, que a esperava. Naquele sábado, quando eu voltava de viagem, me sentia tão nervoso!
Pensei que fosse por ter deixado Malena por tanto tempo sozinha, mas, então, eu a encontrei e, quando a vi pela primeira vez... minhas mãos começaram a suar e eu não conseguia pensar com clareza.
- Eu sabia que não fui a única a me sentir estranha naquele dia. Foi como se eu já te conhecesse! Não é estranho? Eu disse sorrindo.
- E você ainda estava usando estas roupas antigas e carruagens passavam pela rua...
Se você tentasse me jogar num manicômio naquele dia, acho que eu te
apoiaria! Estava tão desnorteada que me perguntei muitas vezes se não tinha perdido o juízo.
O quase-sorriso aumentou um pouco, ainda não dava pra dizer que era um
sorriso, mas era um começo.
- Mas as minhas roupas eram apropriadas, senhorita! E eu também me
senti estranho. Assim que desci do cavalo para ajudá-la e vi seus olhos pela primeira vez, eu soube que estaria perdido se permanecesse ao seu lado por
muito tempo. E, quando finalmente consegui persuadi-la a aceitar minha
ajuda, você ameaçou quebrar meu nariz... O sorriso que eu estava
esperando finalmente deu as caras...
- Naquele instante, eu soube que estava preso a você, que não haveria retorno, e eu nem mesmo sabia o seu nome!
- Bem que eu desconfiei que não havia necessidade de me apertar daquela
forma! Tentei parecer furiosa, mas não fui capaz. Ouvi-lo dizer que me queria desde que nos conhecemos me lançou numa espiral de êxtase e felicidade quase tão prazerosa quanto sexo.
Bem, talvez seja um pouco exagerado comparar com sexo, mas foi uma sensação boa pra caramba!
Ruggero riu.
- Perdoe-me por isso, mas minhas mãos teimavam em me desobedecer.
- Vou pensar nisso. Eu disse brincando. - Eu queria te mostrar como funciona um celular. Não este, mas um celular normal. Sabia que se pode armazenar livros dentro deles?
- Livros? Mas é tão pequeno!
- Eu sei. É incrível tudo que esses monstrinhos são capazes de fazer.
Eu ainda prefiro ler o livro de papel, mas é pratico ter um à mão numa fila, num consultório médico ou no ônibus.
Mas o que eu realmente queria te mostrar são as músicas de que gosto. Tenho centenas delas! Tenho certeza
que você gostaria de algumas também... Parei de falar no momento em que a tela do celular se acendeu. Ruggero se assustou e recuou um pouco.
Não era uma mensagem dessa vez.
Ir para música em reprodução?
Apertei a tela sem entender.
- Calma, Ruggero. Não se assuste, ele só... A pasta de música se abriu e só havia uma música na lista.
- Está me deixando te mostrar uma música? Isso não aconteceu antes.
O que estava acontecendo agora?
Apertei o play. Mal a música começou e Ruggero se encolheu. Pausei.
- Ruggero não se assuste. É apenas uma gravação. Existe como gravar o som de um show... Ou de uma ópera igual aquela que você me levou! Assim, se pode ouvir a música sempre que tiver vontade.
Não posso te explicar como funciona o mecanismo da coisa, mas não tenha medo, é apenas um som.
Confie em mim!
Ele me encarou por um momento e depois relaxou, só um pouco.
- Lembra-se da música que tentei cantar pra você depois que nós...
- Com muita clareza! Claro que ele se lembraria. Os momentos perfeitos que passamos juntos não eram importantes apenas para mim. Ele relaxou um pouco mais.
- Estive pensando muito nela, principalmente enquanto esteve doente. Não me lembro de todos os versos, mas acho que me lembro de grande parte.
- Pois é aquela música que está aqui. É a única que posso acessar. Levantei o celular.
- E queria muito que você ouvisse como ela realmente é. Posso te mostrar?
Ele continuou me encarando, mas assentiu lentamente.

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Meu lugar
FanfictionA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...