Parte 19

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Precisei de alguns minutos para sair da casinha. Não que fosse agradável estar lá dentro, não era! mas eu precisava pensar no significado daquela mensagem.
De alguma forma, eu havia acertado o alvo, sem nem ao menos vê-lo.
Então, talvez eu estivesse certa, havia mais alguém ali, ou a coisa que eu tinha que encontrar estava na vila.
De toda forma, eu estava no caminho
certo.
Tinha que ser isso, porque a única coisa que eu havia feito naquele dia foi ir até a vila e brigar com Ruggero, mas isso, com certeza, a briga, não tinha relevância alguma, já que não me levaria de volta para casa.
Respirei fundo, não foi uma boa ideia, tendo em vista onde eu me encontrava. Sai da casinha, encontrei Ruggero me esperando nas escadas em frente à casa. O rosto preocupado.
- Está tudo bem, senhorita Karol? Precisa de alguma coisa? Quer que eu chame o médico? Ele disse, correndo com as palavras.
- Por que eu iria precisar de um médico? Só por que tinha saído correndo e me trancado na... Oh!
- Não, não. Eu tô bem. Tudo em ordem.
Não preciso de nada, não.
Ele concordou com a cabeça, me observando atentamente.
Não pareceu muito convencido que eu estivesse realmente bem, e eu não podia culpá-lo, meu rosto devia estar branco feito um papel, ainda estava assustada com o novo contato.
- Então, vamos entrar. Malena já deve estar de volta. Ruggero indicou a porta
para que eu entrasse.
Encontramos Malena e Ana na sala de artes. Malena pintava um tecido e Ana não fazia nada além de caminhar entediada pela sala. Aproximei-me um pouco para ver melhor o desenho de Malena. Flores de todos os tamanhos e cores. Era muito bom!
- É lindo, Malena! Você é muito talentosa! Exclamei, incapaz de conter minha admiração.
- Obrigada, senhorita Karol. Mas eu apenas desenho razoavelmente bem.
O artista da família é meu irmão. Ela me mostrou as adoráveis covinhas
- É mesmo? Perguntei surpresa. Não que não achasse Ruggero capaz de fazer tal coisa, com seu modo gentil e educado, só que suas mãos, e todo o resto, eram muito grandes. Pelo menos onde se podia ver...
- Não é de todo verdade. Malena me enaltece demais. Ruggero falou sem jeito.
- Você pinta? De verdade? Tipo quadros? Inquiri, me aproximando dele.
- Sim, eu pinto... Tipo quadros. É apenas um passatempo, aliás. Nem todos os dias são tão tumultuados por aqui.
Apenas uma sobrancelha se ergueu, um convite a contradizê-lo, não o fiz, estava curiosa demais.
- Posso ver algum? Seriam os que estavam pendurados por toda casa?
Por que eram muito bonitos.
- Basta olhar em volta, senhorita Karol. Disse Ana, com a voz afetada.
- Todos estes quadros foram feitos pelo Senhor Pasquarelli. Ele é um grande pintor, mas nunca permite que estranhos vejam suas obras. Ele é muito modesto!
Ruggero disse alguma coisa a ela, mas não prestei atenção, estava maravilhada demais com suas telas, mal pude conter a excitação, não sabia para qual deles olhar primeiro.
Havia muitos quadros, uns dez ou doze, de tamanhos variados: uma casinha na montanha, paisagens naturais ao pôr-do-sol, um cachorro marrom, que parecia muito dócil no quadro, apesar de seu tamanho... Diversos quadros, todos muito bonitos e extremamente reais.
Aproximei-me de um deles, um dos maiores, de um realismo impressionante. Um cavalo negro empinando contra a paisagem rural ao entardecer. Mas o que chamou minha atenção foram os detalhes da tela.
Dava pra ver na expressão do animal toda sua fúria, toda sua teimosia, sua
altivez, aquele cavalo não se deixaria ser domado.
Selvagem, foi a palavra que pensei para expressá-lo, estiquei meu braço timidamente, querendo acariciar seu dorso pra ter certeza se o pelo brilhante e liso era tão macio quanto parecia. Entretanto, não toquei a tela acompanhei os contornos das costas até chegar aos quadris do animal.
- Você desenhou isso? Sussurrei, Ruggero  me ouviu. Deixou sua irmã na companhia de Ana e veio se colocar ao meu lado.
- Pintei este quadro há algum tempo. Comprei este cavalo quando meu antigo adoeceu, pretendia que fosse minha montaria, mas nunca consegui domá-lo. Exatamente como o quadro demonstrava.
- Tentei diversos treinadores, mas esse bicho é muito arredio! Acabei desistindo e comprei um outro mais dócil.
- O que fez com ele? Eu não conseguia desviar os olhos do cavalo.
- Nada. Ele está em meu estábulo, junto com os demais, não pude vendê-lo. Tem alguma coisa nele... Ele é diferente! Resolvi pintá-lo da forma como eu o via. Talvez tenha exagerado.
- Você fez um trabalho e tanto, Ruggero. Discordei. - Parece tão real! Quase sinto o calor transbordando dele, você é um artista! É o primeiro que eu conheço pessoalmente.
- Obrigado, senhorita. Mas não mereço elogios. Apenas tive bons professores.
Tirei os olhos do quadro e o encarei, minha expressão séria.
- Ah! Não mesmo! Eu tive bons professores, e nem ao menos sei desenhar um pônei! a não ser que alguns riscos, duas bola e dois triângulos pudessem ser considerado um cavalo expressionista.
- Você é talentoso. Muito talentoso! Não discuta isso comigo!
- Está bem. Sorriu. - Então apenas agradeço tão adorável elogio.
Desviei os olhos para os outros quadros. Todos tão diferentes uns dos outros, mas com algo em comum.
- Você não retrata pessoas. Constatei.
- Eu não ach...
- O Senhor Pasquarelli não gosta de retratar pessoas. Interrompeu Ana.
- Diz que não tem habilidade para traços tão delicados, não é mesmo, Senhor Pasquarelli?
- Sim, senhorita Ana. Eu não gosto de retratar pessoas, não acho que seja capaz de capturar a essência da pessoa retratada, o que seria imperdoável de minha parte. Ele parecia convencido de sua incapacidade.
Olhei de volta para o cavalo na tela.
- Não acredito nisso! Se você conseguiu captar a essência daquele cavalo, pode pintar qualquer pessoa que quiser. Pensei um pouco e depois completei.
- Será que você não pinta pessoas porque talvez tenha medo de que elas não gostem de se ver na visão de um artista tão sensível? Ele não me respondeu, apenas me encarou por um tempo.
Pela expressão de seu rosto, pensei ter chegado bem perto.
Então, Ana cansada de não ser o centro da conversa de não ser incluída nela, resolveu exigir a atenção do seu querido Senhor Pasquarelli.
- Senhor Pasquarelli, Malena e eu conversávamos há pouco sobre o baile de sábado. Ela se levantou para se aproximar mais dele.
- Oh, meu caro, será o baile mais importante deste ano, toda a sociedade estará presente. Estou tão ansiosa que mal posso esperar!
- Bem lembrado, senhorita Ana. Os seus planos ainda são os mesmos para sábado, Malena? Encontrei-me com a senhorita Valentina hoje de manhã e ela me perguntou sobre o baile.
- Claro que não mudei de ideia, ainda mais agora que a senhorita Karol está aqui conosco! Ela sorriu pra mim.
Eu estava gostando cada vez mais de Malena.
- Será um prazer poder apresentá-la a nossos amigos, irmão. Ela causará boa impressão a todos, tenho certeza, ainda que precise usar um dos meus vestidos. Acredito que a Senhora Madalena poderá acertar o comprimento, mas nossos conhecidos certamente reconhecerão.
- Olha só, Malena, valeu mesmo pela preocupação. Suas sobrancelhas arquearam da mesma forma que as de Ana. Dessa vez, as de Ruggero não.
- Mas talvez eu nem esteja aqui no sábado. Talvez já tenha voltado pra
casa. E eu esperava já estar em casa até lá. Senhor Gary soltaria fogo pelas ventas
se eu não aparecesse no escritório a semana toda sem dar explicação alguma.
- Pensei que ainda não tivesse nenhuma informação de como fazer isso. Ruggero disse, incisivo.
- Pensei que as buscas de hoje não tivessem dado bons resultados.
Pensei que tínhamos feito um acordo hoje de manhã e que passaria um pouco mais de tempo aqui conosco.
Fiquei ligeiramente confusa com seu tom ríspido, Ruggero não costumava, pelo menos desde que o conheci, que no caso era pouco mais de vinte e quatro horas, ser tão rude com as pessoas.
- Mas eu não prometi nada, lembra? Disse que veria isso depois, e eu não
tenho nenhuma informação.
Não era uma informação, apenas uma
confirmação de que estava no caminho certo.
- Só que eu realmente preciso voltar. Toda minha vida está de pernas pro ar. Eu nem sei o que me espera quando chegar lá. Talvez tenha que entrar na fila do desemprego.

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