Parte 55

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Ruggero abriu e fechou a boca várias vezes, quase como um peixe, mas
absolutamente nada saiu de seus lábios. Ele pegou a taça de vinho da minha
mão e a esvaziou.
Esperei nervosa, para que ele pudesse assimilar o que eu havia dito.
Ele tornou a encher a taça e a esvaziá-la rapidamente, não disse uma única palavra, tirei minhas luvas e comecei a retorcê-las freneticamente.
Depois de alguns minutos, a impaciência me venceu.
- Você ouviu o que eu disse? Perguntei. Ruggero piscou e depois sacudiu a cabeça.
- Errr... Eu ... Acho... Que... Sim?
Ele estava muito confuso.
Melhor contar tudo de uma vez!
- Vou te explicar tudo. Preste atenção, é tudo muito maluco! Alertei.
Ele apenas assentiu.
- Como eu te disse, eu vivia no ano de 2010 até sábado passado, tudo isso aconteceu por que, na sexta passada eu saí com a Nina e o Gaston.
Fomos num barzinho que a gente curte. Foi lá que Nina me contou que iria
convidar Gaston para morar com ela e é claro que comemoramos a notícia...
Só que acabei comemorando um pouco demais, exagerando na bebida.
Depois de tanto chope, precisei usar o banheiro e meu celular caiu acidentalmente dentro da privada.
Claro que eu não podia enfiar a mão lá dentro e pegá-lo! Estava todo pifado, de todo jeito. Já era!
Então, no sábado, saí cedo pra comprar um novo.
Eu estranhei que não houvesse mais ninguém dentro da loja e achei a vendedora que me atendeu muito esquisita. Ela meio que me convenceu a comprar este celular estranho, sem me dar outras opções.
Eu devia ter desconfiado disso!
O aparelho está lá no quarto, posso te mostrar, se quiser. Acrescentei.
Ruggeroapenas me observava, os olhos insondáveis.
- Só depois que saí da loja percebi que o aparelho não funcionava, eu já estava voltando para pegar meu dinheiro de volta, quando ele finalmente ligou.
Daí apareceu uma luz tipo... Tipo... Muito forte! Não consegui ver mais nada e quando o clarão desapareceu, eu estava aqui, daí você apareceu e me encontrou. Estava meio sem ar quando terminei.
O rosto de Ruggero estava impassível. -Entendeu agora? Ele sacudiu a cabeça.
- O que você não entendeu? Perguntei desesperada.
- Acho que quase tudo. Celular?
Ah!
- Desculpa, Ruggero. Me esqueci que você não conhece algumas coisas.
Celular é um telefone que pode ser levado para todo lugar.
Os olhos grudados em mim não compreenderam minha brilhante explicação.
- Você sabe o que é um telefone, não sabe? Ruggero sacudiu a cabeça novamente. Eu respirei fundo. Ele devia estar tão confuso quanto eu fiquei logo que cheguei ali.
- Telefone é um aparelho que tem um... fone... que você coloca na orelha e consegue falar com pessoas de lugares distantes. Ou de perto se quiser.
Permite falar com pessoas que não estão presentes.
Pessoas vivas, quero dizer, não vozes do além e essas coisas...
Difícil de explicar!
- Acho que é melhor eu te mostrar o meu, só que o problema é que ele não funciona como um celular comum.
Foi ele que me mandou para cá, tipo
uma máquina do tempo.
- Máquina. Do. Tempo. Ele disse devagar.
- Sim. Seus olhos opacos não permitiram que eu lesse nada neles.
- A tal vendedora me ligou logo depois que você saiu do quarto naquele dia em
que me encontrou.
Nem me pergunte como foi que ele captou o sinal! Deveser coisa dela! Sinistro! Mas ela me disse que eu só voltaria pra casa depois de cumprir uma jornada que eu acho que descobri qual é apenas ontem. Só que, se for o que eu acho que é, Ruggero não faz sentido algum...
Por que se Ruggero era a jornada se eu tinha que realmente encontrá-lo, como poderia deixá-lo se eu o amava tanto?
- E ela também disse que eu não estava nessa sozinha. Vez ou outra, ela me manda uma mensagem, tipo um bilhete, uma carta, através do celular.
A última dizia que passei mais uma etapa e para estar preparada. Daí, eu pensei que talvez Santiago... mas ele...
Sacudi a cabeça, confusa.
Então quem meu Deus? Quem era a tal pessoa? Onde ela estava?
- Entendeu agora? Perguntei angustiada.
- Não sei bem... Você bateu a cabeça ou coisa assim quando...
- Você não acredita em mim? Minha voz subiu vários decibéis.
- Você tem que acreditar em mim! Não estou mentindo! Eu juro, Ruggero!
Eu sei que é difícil acreditar em tanta maluquice, mas eu juro que é tudo verdade!
- Claro que acredito, Karol. Claro que acredito!
Era bom! Porque se ele, que me conhecia mais que qualquer um ali e em meu século também, nem mesmo Nina me reconheceria agora, não acreditasse no que eu dizia, não me sobraria nada. Estaria sozinha, perdida, sem saber como voltar e, provavelmente, na rua. Ruggero não permitiria que Malena convivesse com uma maluca.
- Acalme-se, por favor. Pediu ele, sua voz retorcida com uma emoção nova.
- Você precisa acreditar em mim, Ruggeri. Não estou mentindo, nem
inventado nada, eu juro!
Eu disse, me agarrando a sua camisa.
- Eu sei, amor. Ele segurou minhas mãos geladas, mas, pela primeira vez, suas mãos estavam tão frias quanto as minhas.
- Tudo ficará bem.
Olhei dentro de seus olhos procurando confirmação, mas ainda estavam opacos. Não me diziam nada.
Um arrepio subiu por minha espinha, um daqueles que não eram nada agradáveis.
- Ouça-me. Vou até a sala avisar Malena que estamos aqui, ela pode nos procurar e ficará preocupada se não nos encontrar. Voltarei logo, está bem?
E então você poderá me contar tudo com mais calma.
Não gostei do tom sua voz. Parecia... Pena.
- Tá bem. Concordei fracamente.
Eu ainda tremia um pouco.
- Vou te esperar aqui.
E, depois de beijar minha testa mais uma vez e me olhar daquela forma estranha novamente, ele deixou a sala.
Fiquei ali tentando me acalmar, senti um imenso alívio por ter contado a verdade a Ruggero.
Senti-me muito mais leve por não esconder dele o meu grande segredo. Agora que ele conhecia a história, talvez me ajudasse a encontrar a tal pessoa.
Ou talvez não procurássemos ninguém! Talvez se eu enterrasse o celular em algum lugar, talvez não captasse mais
o sinal “mágico” e eu estaria livre!
Talvez eu pudesse ficar ali.
Eu poderia morar com Ruggero e ajudar na administração dos cavalos ou até mesmo ajudar Gomes a lustrar talheres, não importava.
Poderia cuidar de Malena até que fosse adulta.
Sentiria falta de muitas coisas, claro; meu banheiro ou qualquer banheiro, o computador a cafeteira, os enlatados, a pizza, as lanchonetes, bebidas geladas até do emprego. E sentira falta de Nina. Muita falta! Mas ela estava com Gaston, iriam morar juntos.
Ela seria feliz! Se ao menos eu pudesse avisá-la que estava bem e feliz...
E quanto ao resto...
Eu sobreviveria!
Quem precisava de cafeteira ou micro-ondas quando se tinha uma
Madalena?
Quem precisava de enlatados, quando se tinha legumes frescos todos os dias? Quem precisava de TV quando se tinha Ruggero para conversar?
Quem precisava viver uma vida solitária, quando tinha a chance de viver uma vida plena e feliz ao lado do homem que ama?
Eu sobreviveria!
Sim, eu sobreviveria sem tudo aquilo.
Só não poderia suportar viver sem Ruggero.
Esperei por ele por muito tempo, ansiosa para contar minha súbita descoberta, mas ele não voltava e minha paciência diminuía.
Fiquei meio cismada com a expressão de seu rosto quando deixou a sala.
De algum modo, ele parecia assustado de uma forma que eu nunca tinha visto antes, nem quando caiu do cavalo, nem mesmo quando Santiago me atacou.

Depois de mais de meia hora esperando desisti e resolvi procurar por ele, pra saber se mais alguma coisa havia acontecido naquela noite desastrosa.
Não fui muito longe, porém.
Apenas até o escritório, eu pretendia ir até a sala, ao baile, mas quando passei pelo escritório, vi a porta entreaberta e
ouvi a voz de Ruggero lá dentro, me detive.
- Então, não há outra forma? Seu tom desesperado fez meu coração bater mais rápido. O que era agora?
- Não, Senhor Pasquarelli. Sinto muito, mas não há outra forma.
Espiei pela abertura e vi o médico em pé em frente à mesa, Ruggero estava sentado no sofá de couro escuro, os cotovelos no joelho, a cabeça afundada entre as mãos.
- Pode ser apenas uma crise. Um surto. É normal acontecer isso depois de uma situação traumática. E, pelo que me contou, creio que seja este o caso.
Sei que a estima muito mas, se interná-la agora, antes que piore, talvez dentro de alguns meses ela possa recuperar a sanidade.
Levei pouco tempo para entender o dialogo dos dois.
Um milésimo de segundo apenas.

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