- Estou voltando de uma viagem longa.
A desordem em seu rosto era parecida com a que devia estar no meu.
Viajando de cavalo vestido daquele jeito? Ele era louco?
- Não acha que seria melhor uma roupa mais confortável? E porque você foi com o cavalo? A confusão em seu rosto se aprofundou.
- Creio que estou vestido adequadamente, senhorita, e prefiro ir a cavalo, é bem mais rápido que a carruagem. Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios, meu estômago se agitou. -Contudo, sei que é pouco prudente de
minha parte, muitas coisas mudaram nessa última década, acredito que não seja mais seguro, com tantos vândalos e golpistas por aí se aproveitando de viajantes solitários. E me lançou um olhar significativo.
- Ah! Não. Eu não fui atacada por ninguém. Eu não sei o que aconteceu.
Parei quando cheguei perto do cavalo, seu braço ainda em minha cintura.
- Num minuto, eu estava na praça e, segundos depois, estava aqui neste... campo e tudo sumiu.
- Tenho certeza que se lembrará assim que sua cabeça melhorar. Mas penso que foi atacada por ladrões sem escrúpulos. Seria essa a única explicação para terem deixado uma dama nestas condições!
Ele desviou os olhos.
- Que condições? Perguntei confusa pelo tom reprovador de sua voz.
- Suas roupas, senhorita. Ele murmurou. - Mal posso crer na audácia de tais vândalos!
- O que é que tem minhas roupas? Olhei para elas, para ver se ainda existiam ou se, de repente, não tinham desaparecido como todo o resto.
Havia um pouco de grama presa na saia e nos joelhos mas, fora isso, estava
tudo normal. Pelo menos com as roupas.
- As coisas mudaram muito depressa, como eu disse. Não acho prudente que mais alguém a veja praticamente sem... Ele pigarreou e baixou tanto a voz que quase não pude ouvir.
-... roupas.
- Como assim sem roupas? De que raios aquele maluco estava falando.
- Não se preocupe com isso! Elisa lhe arrumará algo para vestir. Ele me empurrou gentilmente para mais perto do cavalo.
Eu recuei, me soltando de seu abraço. -Sabe de uma coisa? Eu tô legal! Eu não sabia que tipo de maluco ele era, mas que não estava em seu juízo perfeito, isso era um fato.
- Vou tentar descobrir como cheguei aqui e depois vou voltar para casa, mas valeu pela ajuda, moço.
Girei para o outro lado, querendo ficar o mais longe possível daquele lunático, quando parei, petrificada.
Uma carruagem surgiu na estrada.
Uma carruagem de verdade, de madeira, com dois cavalos na frente e um carinha sentado quase no teto vestindo roupas engraçadas.
- Está tendo um desfile ou coisa parecida por aqui? Questionei, observando a carruagem se aproximar mais.
- Desfile?
Virei-me para observá-lo, seu rosto ansioso acompanhava o trajeto da
carruagem.
- É, desfile. Onde aquele troço antigo está indo?
- A carruagem? Não é antiga! É da família Albuquerque, eles acabaram de adquiri-la. A antiga estava causando muitos transtornos a eles.
Apenas fiquei olhando para ele, esperando encontrar sentido no que me dizia.
- Nova? Caçoei.
- Aquele troço? Deve ter uns duzentos anos! Sua testa se enrugou, as sobrancelhas arqueadas.
- Garanto-lhe que é nova. Foi construída há apenas alguns meses.
- Ah! Entendi. Ele é tipo um colecionador. A carruagem se aproximava.
- Colecionador? Tipo? Senhorita creio que esteja um pouco desconexa neste momento, ficarei mais aliviado após o Dr. Almeida lhe examinar.
Então...
A carruagem parou na estrada e, através da pequena janela lateral, uma cabeça usando cartola. Cartola! Apareceu.
- Está tudo bem, Senhor Pasquarelli? Algum problema? Perguntou o homem
de rosto gordinho e bigode enorme, me examinando atentamente, os olhos
se arregalaram e, quando olhou para minhas pernas, ruborizou.
O rapaz ao meu lado se colocou na minha frente, me impedindo de ver a
imagem pitoresca.
- Esta jovem foi assaltada, Senhor Albuquerque, vou levá-la para minha casa, a pobre tem um ferimento na cabeça. Ele disse, um pouco ríspido.
- Ah! Esses tempos modernos estão acabando com o sossego das pessoas
de bem. O bigodudo sacudiu a cabeça, exasperado.
Por que ele também vestia roupas estranhas?
- Precisa de ajuda?
- Se puder avisar o Dr. Almeida que precisarei de seus serviços imediatamente, lhe serei muito grato.
- Então irei imediatamente! Avise-me se precisar de alguma ajuda.
O rapaz assentiu, e com um aceno de cabeça do bigodudo para o carinha sentado do lado de fora, a carruagem partiu apressadamente.
Fiquei olhando até que sumisse de vista.
- Podemos ir, senhorita? O rapaz me perguntou com a voz aflita.
- O que está acontecendo aqui? Exigi, desconfiada que ele mentisse sobre o desfile.
- Não tenho certeza se a compreendi.
E seu rosto pareceu sincero.
- Por que você fala desse jeito estranho, tá vestido com estas roupas e tem
carruagens passando pela estrada?
- Senhorita... Disse preocupado.
- Por favor, vamos até minha casa!
Acho que pode ter tido uma lesão.
A pancada que levou deve ter sido muito
forte!
- Não vou pra sua casa, ficou doido? Eu sei lá o que você pretende fazer comigo? Você pode muito bem ser um psicopata que quer me fazer em pedacinhos e me guardar dentro do freezer pra comer aos poucos. Não sabe em que ano estamos? Estava desconfiada que ele fosse maluco, mas ele não parecia ser um psicopata.
Tinha alguma coisa diferente em seu rosto, o brilho em seus olhos castanhos
me parecia familiar, seus traços bonitos e fortes o deixavam parecido com um deus da Grécia Antiga.
E seu tamanho, tão grande e forte, mas não bombado me transmitia segurança. Mas, afinal, quantos psicopatas eu conhecia para poder comparar?
Nenhum. Pelo menos que eu soubesse.
- Estamos no ano de mil oitocentos e trinta e garanto-lhe que sou um
homem de bem, não tenho outra intenção que não seja ajudá-la! Ele
respondeu, ofendido, à minha pergunta retórica.
Ele disse mil oitocentos e trinta?
Explodi num ataque de riso histérico, não pude controlar, e o rapaz pareceu
perturbado.
- Senhorita, vamos...
- Mil... Mil... Oitocentos e trinta! Eu não conseguia me conter. Respirei algumas vezes antes de poder falar.
- Boa piada! Muito engraçada mesmo!
- Não lhe contei piada alguma!
- Então acha que eu tenho cara de idiota! Comecei a rir outra vez.
- É claro que não. Jamais ousaria ofendê-la, mas vejo que está muito
transtornada. Falou, o rosto sério.
- Por isso, vou levá-la para minha casa. Então, suba logo, por favor! Indicou a cela, obstinado.
- Mil oitocentos e trinta! Zombei.
- Não consigo entender o motivo que a diverte tanto. Resmungou baixinho.
- Tá bom, maluco, vamos até sua casa.
Lá no século dezenove!
Aproximei-me do cavalo e parei.
Nunca tinha subido em um antes. Parecia alto demais. O rapaz percebeu meu temor e gentilmente tocou minha
cintura, colocando minha mão em seu ombro para apoio.
De novo aquela sensação estranha de que já o conhecia me perturbou.
Eu não tinha ideia de onde estava, mas ele, aparentemente sabia, mesmo que fosse um maluco, ainda poderia me emprestar o telefone para chamar um táxi ou ligar para Nina.
Subi com muita dificuldade no cavalo, quase caindo do outro lado por
culpa de um impulso mal calculado.
O rapaz rapidamente se esticou e me
pegou pelo braço, impedindo que eu me estatelasse.
- Segure-se. Ele disse enquanto subia, fazendo a cela se movimentar um pouco e eu oscilar.
Uma de suas mãos circulou minha cintura assim que ele se acomodou na
cela.
Fiquei incomodada com a proximidade.
- Você precisa mesmo me apertar tanto? Perguntei asperamente.
- Posso soltá-la, se estiver disposta a cair e bater sua cabeça novamente.
Olhei para o chão. Era alto demais. Segurei firme com as duas mãos o
braço que me rodeava, apertando-o um pouco mais.
Ele riu baixinho.
- Não tente nem uma gracinha. Alertei. -Eu sei alguns golpes de Jiu- Jitsu. Quebro seu nariz em dois tempos!
- Estou, de fato, muito preocupado com sua cabeça, senhorita. Sua voz séria, sem vestígio de humor.
- Não está dizendo palavras coerentes. Você precisa ver o Dr. Almeida.
- É. Concordei, pensando na carruagem e no sumiço repentino da cidade.
- Acho que você tem razão, preciso muito. Muito mesmo!

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Meu lugar
FanfictionA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...