Parte 10

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- E aí, tudo bem? Perguntei, me aproximando um pouco.
Ninguém respondeu, fui ficando cada vez mais constrangida.
- Obrigada pelo vestido. Eu disse a Ruggero, num sussurro.
Ele sorriu delicadamente deixando seu rosto ainda mais lindo.
- Vejo que lhe caiu muito bem. Seus olhos grudados nos meus pés.
- Ficou um pouco curto, mas posso pedir à Senhora Madalena para fazer a bainha e deixá-lo mais longo. Disse-me Malena. -Não sou tão alta! Ela deu um sorriso, como quem se desculpa. Quando sorriu, duas covinhas apareceram em suas bochechas.
- Não precisa se incomodar, não pretendo ficar muito tempo, na verdade, preciso voltar pra casa imediatamente. Mas valeu pela preocupação.
Toda vez que eu abria a boca, parecia ter o poder de arregalar os olhos de quem estivesse ouvindo, assim como Malena fez agora. Eu não tinha dito nem uma asneira. Ou tinha?
- Conseguiu se lembrar de como voltar para casa? A ruiva perguntou.
- Pensei que estivesse sofrendo de um lapso de memória. Não foi isso que nos disse há pouco, Senhor Pasquarelli?
Pasquarelli?
- Sim, senhorita Ana. Foi como eu disse, a pancada na cabeça deixou a senhorita Karol ligeiramente confusa. Ele respondeu, erguendo as sobrancelhas.
Ah! a Ruggero Pasquarelli, a garota estava chamando aquele rapaz, que parecia ser mais jovem que eu, de Senhor Pasquarelli!
Onde foi que eu vim parar!
- Eu não estou confusa. Não com relação ao lugar de onde eu vim.
- Apenas não sei como voltar, é meio complicado. Mas eu juro que descubro
logo! Nem que eu tenha que me enfiar em cada buraco deste lugar.
- Não precisa ter tanta pressa, senhorita Karol. Ruggero se apressou em dizer. Seus olhos me pareceram muito sinceros. - Será um prazer recebê-la aqui pelo tempo que for necessário.
- Nossa, valeu! Nem sei como agradecer tanta hospitalidade, mas eu tenho mesmo que voltar logo.
Tenho muita coisa me esperando.
- É claro. Respondeu quase sorrindo. -Posso lhe mostrar a casa?
Ruggero era bacana.
Quem imaginaria que um homem pudesse ser tão gentil com uma desconhecida? Bem, ser gentil com uma desconhecida sem ter a intenção de levá-la pra cama. Eu não conhecia mais nenhum.
- Pode ser Ruggero. Sorri timidamente.
As garotas se entreolharam mais uma vez. Eu corei sem saber o motivo, mas aparentemente eu havia ofendido alguém de alguma forma.

- Por que toda vez que eu digo alguma coisa sua irmã e Ana parecem tão espantadas? Indaguei, depois que saímos da sala imensa e entramos em outro corredor largo com mais uma dezena de portas, tinha certeza que jamais encontraria cômodo algum naquele labirinto.
- Falei alguma besteira?
- Como já disse antes, seu modo de falar é... peculiar. Ele lutava para não sorrir. -Algumas de suas palavras são um tanto diferentes, mas creio que elas se espantaram pelo fato de chamar-me por meu primeiro nome.
Olhei pra ele. Ele não estava falando sério! Não podia estar falando sério!
- Eu não posso te chamar de Ruggero?
É seu nome, não é?
- Sim, é meu nome. Ele deu um meio sorriso.
- Mas jovens solteiras normalmente devem saudar os cavalheiros por seus sobrenomes, nesta parte do país, ao menos, é assim. Ele estava falando sério! - Se dirigir a alguém por seu primeiro nome denota certa... intimidade.
- Intimidade tipo conhecer há muito tempo ou tipo sexo?
Eu tinha que aprender depressa como não chamar tanta atenção.
Ele parou repentinamente.
Olhei seu rosto e, por um momento, pensei que Ruggero fosse sufocar, por sua expressão, suspeitei que sexo não fosse um dos tópicos mais discutido por ali.
Opa!
- Senhorita Karol, por favor, peço que compreenda que, nesta parte do país, as... hã... certas coisas continuam como sempre foram. Conservadoras!
Esse lugar de onde a senhorita vem parece ter sido... modernizado rápido demais. Mas gostaria que não falasse de certos assuntos em minha casa.
- Ah! Desculpa. Eu não sabia que não devia falar, quer dizer, eu devia ter
imaginado. Já li tantos livros sobre esta épo... Err... e nunca ninguém mencionou nada sobre se... Coisas assim. Já entendi. Não vou esquecer.
Prometo, Ruggero. Ele suspirou.
- Ai, caramba! Prometo, Senhor Pasquarelli, é que é tão estranho te chamar de senhor! Você deve ter quase a minha idade.
Talvez tivesse vinte e três ou vinte e quatro. Eu estava habituada a chamar homens bem mais velhos de senhor,
mas um cara bonito e tão jovem e que não era meu superior...
- Na verdade, eu não me importo com isso. Pode me chamar de Ruggero, se quiser. Um sorriso apareceu em seus lábios, ele baixou um pouco a voz, num tom conspiratório.
- Mas se mais alguém ouvir, terá uma reação parecida com a de Ana.
- Eu não me importo também, mas vou tentar me lembrar da próxima vez.
Não quero te deixar numa saia justa. Você tem sido muito bacana comigo.
Era o mínimo que eu podia fazer para retribuir sua ajuda espontânea.
- Saia justa? Perguntou confuso.
Ô, meu Pai! O dia seria longo!
- É tipo uma situação embaraçosa. Constrangedora. Expliquei.
- Oh! Não me importo com isso também. Mas você, senhorita, tem uma reputação a zelar.
- Olha Ruggero, estou com tantos problemas que não dou mínima pra isso. Além disso, se tudo der certo, me mando logo daqui, então não importa.
Suas sobrancelhas arquearam novamente, apressei-me para explicar.
- Caio fora. Dou no pé. Pico a mula.
A incompreensão ainda tingia seu
rosto.
-Vou embora, sacou, digo, entendeu?
A incompreensão deu lugar a outra coisa. Parece me ser... Desapontamento?
- Você está sendo super bacana comigo, Ruggero. Tentei correr com as palavras. Não queria que ele me achasse uma ingrata.
- Mas é que eu realmente preciso descobrir uma forma de voltar, minha vida está lá me esperando.
Meu emprego, minha casa e Nina, que devia estar me procurando como uma alucinada por eu não ter aparecido ainda em seu apartamento para saber como o Gaston havia reagido diante de seu pedido.
- Posso imaginar, senhorita Karol.
Ele me encarou por um longo minuto, depois recomeçou a andar.
- Posso imaginar! Eu o segui.
- Ruggero será que posso te pedir outro favor?
- Certamente, senhorita. Seu rosto ficou sério, ele me observou com
curiosidade.
- Dá pra me chamar só de Karol? Sem o senhorita? Apenas Karol? Já está me dando nos nervos! Ele riu, um pouco surpreso com meu pedido.
- Posso tentar. Ele disse.
- Não sei se consigo ser tão espontâneo
quanto você.
- Claro que consegue! Ele riu.
- Vou tentar. Agora venha, vou lhe mostrar minha casa.
Disse, apontando para uma das portas.
Pensei que precisaria desenhar um mapa se quisesse realmente encontrar os
cômodos outra vez.
Eram tantas as salas, de leitura, de pintura, de estudos, escritório e tantos os quartos, de dormir, de costura, de vestir e apenas quatro deles estavam, de fato, sendo ocupados.
Ruggero me guiou pelo labirinto até chegarmos à cozinha.
- Senhora Madalena, creio que já conheceu a senhorita Karol. Ele disse,
formalmente.
Meus olhos se estreitaram ao constatar que ele ainda não colocara em prática a promessa de me chamar apenas por meu nome.
A mulher baixinha secou as mãos no avental amarrado na cintura e se
aproximou.
- Como está, senhorita? O vestido lhe caiu muito bem. Ela me examinou de cima a baixo, seus olhos se detiveram em meus pés. Sua testa se enrugou.
- Os sapatos não eram de seu agrado?
Olhei para meus pés, assim como fez Ruggero. Eu realmente havia me esquecido dos tênis, e tinha certeza de que eles atrairiam olhares curiosos, ainda que não fossem vermelhos.
- Na verdade, ficaram pequenos.
Eu disse, me desculpando, como se
fosse culpa minha ter pés maiores que o sapato; não pés grandes demais, mas decididamente não eram pequenos.
E eu gosto destes aqui, são mais confortáveis.
Ruggero sorriu. Além de lhe cair bem, o sorriso vinha facilmente aos seus lábios. Gostei disso. Gostava de pessoas bem humoradas que sorriam mais do que
faziam caretas.
- Este é o Senhor Gomes, meu mordomo Disse ele, ainda sorrindo.
- Encantado em conhecê-la, senhorita Karol. O homem de meia idade se inclinou de forma exagerada.
Precisava daquilo tudo?
- Errr... O prazer é meu, Seu Gomes.
Ruggero sacudiu a cabeça, rindo baixinho, e continuou me guiando de volta por um dos corredores, que eu não fazia ideia de onde iria dar. Depois de um tempo, porém reconheci um dos quadros na parede do corredor. Já tinha visto aquele quadro mais cedo. Estávamos voltando para a sala onde
Ana e Malena deveriam estar.
- Acabou? Você me mostrou tudo Perguntei aflita.
- Sim. Mostrei toda casa. Há algo errado, senhorita Karol?
É claro que havia! Uma casa com uma dezena de salas, a cozinha gigantesca uma dúzia ou mais de quartos e só isso. Nada mais.
Oh, Deus, por favor! Permita que eles já existam, por favor!
- Senhorita? Ruggero me lançou um olhar preocupado.
- Está se sentindo bem?
- Cadê os banheiros? Perguntei em pânico.
- Banheiros?
Ah, Não! Não! Não! Não!
- Sim. Banheiros. Onde se toma banho... Por favor, me diga que você tem pelo menos um nesta casa! Por favor!
Ruggero ficou confuso. Muito confuso. Então eu soube a resposta.
Nada de banheiros!
Eu não queria pensar nas opções. Recusei-me a pensar nisso.
- Imagino que tenha notado a banheira em seu quarto. Ele disse, inclinando a cabeça levemente para o lado, ainda desnorteado.
- Sim. Acho que vi.
Não tinha visto, realmente, mas se ele disse que havia uma... Não dava mais pra confiar no que apenas eu via.
Banheira era bom. Acalmava. Relaxava. Mas não resolvia todos os meus problemas.
Eu ainda olhava pra ele com um horror crescente, totalmente desesperada, na verdade.
- A banheira, beleza. Mas e quanto ao resto?
- O resto? Repetiu.
Ele estava tentando me irritar?
Por que, nervosa como eu estava, nem
precisava se dar ao trabalho.
- É, Ruggero, o resto? E pare de repetir tudo o que eu digo, está me deixando
nervosa.
Não entre em pânico! Não entre em pânico!
- Perdoe-me, a que resto, exatamente, a senhorita se refere? Ruggero parecia verdadeiramente confuso.
Respirei fundo, tentando me acalmar e pensando que, se ele não sabia o que era um banheiro, então não saberia qual era sua finalidade também.
Isso não pode estar acontecendo!
Fechei meus olhos bem apertados, tentando acordar mais uma vez. Quando voltei a abri-los, Ruggero ainda estava ali, me observando curiosamente.
Respirei fundo outra vez.
- O resto! As palavras saíram sem controle.
- O resto. As necessidades fisiológicas, o xi...
- Ah! Entendo. Ele me interrompeu assim que compreendeu sobre o que eu perguntava.
- Você deve estar falando da casinha!
Não gostei da forma como ele disse “casinha”.
Não gostei nada!
- Fica do lado de fora. Vou lhe mostrar.

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