Parte 32

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- Aposto que brincou bastante neste rio quando era criança. Falei abraçando os joelhos. Ele sorriu timidamente, mas acabou me respondendo.
- Um pouco, brincava escondido de minha mãe. Ela achava que esse tipo
de brincadeira era coisa para os filhos dos criados. Um sorriso torto.
Meu coração reagiu.
- Mas você gostava. Deduzi.
- Muito. Não há muitas coisas que um moleque possa fazer por aqui, se excluir nadar no riacho e atormentar os criados.
Eu ri.
- Mas não posso me queixar, minha infância foi boa. Continuou.
- Muito diferente da que Malena teve. Nossa mãe morreu quando ela tinha
apenas nove anos, foi uma época muito difícil para ela.
Ele arrancou o caule de uma plantinha ao seu lado e começou a retorcer nos dedos sem perceber.
- Eu sinto muito. Sabia na pele o quanto era difícil perder os pais.
- Passei o resto da minha adolescência tentado ajudar Malena, era mais fácil
quando ela ainda era criança, agora, já não consigo ser útil em muitos aspectos.
- Mas ela te adora! Qualquer um pode ver isso! Assegurei a ele.
- Sei disso. Malena já sofreu muito, senhorita Karol.
Primeiro nossa mãe, mais tarde nosso pai. Sou tudo que sobrou da família dela. E ela da minha.
Por isso farei o que for preciso para vê-ia feliz! Ruggero remexia o talinho com raiva, como se seus problemas pudessem ser enrolados e depois descartados como a planta.
- Ainda bem que vocês tinham um ao outro. Quando meus pais se foram, fiquei sem ninguém. Se não fosse a Nina, eu nem sei o que teria acontecido comigo. Fiquei tão sem rumo! Tão sozinha!
- Sinto muito. Sua voz grave, intensa. -Deve ter sido muito ruim não ter ninguém.
- Foi muito... péssimo! Teria sido bacana ter um irmão. Tentei sorrir, mas não o enganei.
Ele ficou em silêncio por um tempo, seus olhos apenas analisavam meu rosto.
- Quando aconteceu? Indagou em voz baixa.
- Foi em dois mil e... Há... Foi há cinco anos atrás. Eu tinha dezenove na época, já era uma mulher. Imagino que foi menos... Ruim do que foi para Malena, que ainda era uma criança.
- Não acredito nisso. Não é uma situação fácil para ninguém, senhorita. É uma pena que eu ainda não a conhecesse na época, gostaria de ter feito algo para ampará-la.
- Ruggero, você é a pessoa mais incrível que já conheci. Tentei sorrir para aliviar o clima.
- E olha que já conheci cada figura! Mas obrigada por estar aqui agora. Depois da morte de meus pais, esta é, com certeza, a situação mais difícil que já enfrentei.
E desta vez você está aqui!
Ele sorriu um pouco. Mas seus olhos ainda estavam tristes.
- Não fique assim, Ruggero Se saiu muito bem com Malena e logo você terá uma
nova família e tudo ficará bem...
Um nó no meu estômago me fez parar.
- Não, senhorita Karol, não ficará bem.
Ele baixou a cabeça e apoiou os braços no joelho.
- Claro que ficará. Se você quiser, posso te ajudar a encontrar uma garota bacana. Meu estômago se revirou como se eu estivesse em uma montanha russa. - Você me diz do que gosta e eu te ajudo. De repente, você encontra alguém que gosta de verdade e acaba sendo muito mais feliz do que imagina ser possível.
Ele ficou ainda mais triste.
- Mas eu já encontrei, senhorita.
- Já?
- Sim. Mas não pode dar certo. Seu rosto desolado.
- E por que não? Murmurei, ainda assim, minha voz tremeu.
- Por que ela não pode ficar. E me lançou um sorriso triste.
E como dois imãs poderosos, seus olhos capturaram os meus, a intensidade deles fez meu coração voar.
Minha cabeça girava como um liquidificador na potencia máxima, e respirar se tornou impossível.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, minha atenção foi desviada para o barulho de patas pesadas. Procurei ver o que era ao mesmo tempo em que Ruggero se colocava de pé. Levantei-me também e corri para seu lado.
+ O que foi? Perguntei, quando vi a expressão preocupada em seu
rosto.
Seus braços se estenderam em minha frente protetoramente, me empurrando um pouco para trás.
Então eu vi Storm cavalgando feito louco
em nossa direção.
- O que esta acontecendo? Perguntei, enquanto Ruggero abaixava os braços
lentamente.
- Parece que deixaram o estábulo aberto mais uma vez. Ele bufou.
- Mas é a primeira vez que não tenta encontrar a estrada.
- Ele se perdeu?
- Não. Já perdi as contas de quantas vezes o capturei perto da vila. Ele conhece o caminho. Ele encarava o cavalo com curiosidade.
Storm parecia prestar atenção em todos os movimentos de Ruggero.
Como se entendesse o que ele dizia.
Ruggero deu um passo à frente com as mãos erguidas, o cavalo recuou um pouco.
Então tentou alcançá-lo pela lateral, mas Storm não era bobo e se afastou um pouco mais, bufando.
- Calma, cavalinho. O Ruggero só vai te levar pra casa. Tentei distrair o cavalo para que Ruggero pudesse pegar a ponta da corda que estava amarrada em seu pescoço.
Deu certo. Storm ficou quieto alguns segundos e Ruggero conseguiu pegá-la.
- Você tem muito jeito com cavalos, senhorita. Especialmente com este aqui. Ele passou a corda de uma forma que prendesse o focinho de Storm.
- E eu nunca vi este cavalo dar ouvidos a ninguém!
- Mas eu não sou ninguém. Brinquei. -Somos amigos. Ele sabe disso.
Quando eu disse isso, o cavalo ergueu a cabeça e olhou direto para mim.
Senti um arrepio se espalhar por meu corpo, era como se me entendesse e
quisesse me mostrar isso.
Muito estranho!
- Acho melhor voltarmos... Ruggero começou a conduzir Storm para o caminho que levava até a casa.
- Antes que ele resolva fugir outra vez.
Sozinho, não serei capaz de detê-lo.
- Tudo bem. Concordei.
Andamos em silêncio por um tempo, sua voz dizendo que já tinha encontrado a garota certa ainda ecoava em minha cabeça.
Eu não queria que fosse outra garota, mas também não queria que fosse eu. Ruggero estava certo e eu não poderia ficar, mesmo que quisesse, e eu não queria! e ele se magoaria quando eu voltasse pra casa.
- Você disse que sente falta de música, não foi? Perguntou ele, me arrancando do conflito interno.
- Disse. Uma das coisas que mais sinto falta. Eu meio que sou movida à música.
Seu rosto ficou confuso.
- Música é como o combustível da minha alma... Peraí, se não tinha carro, não tinha combustível, certo?
- A música é como o alimento da minha alma, dá pra entender?
- Sim, dá! Que música prefere? Ele me observava com curiosidade.
- Ah! Eu gosto de quase tudo, mas minhas favoritas são as de rock, pop rock, rock alternativo... enfim, qualquer tipo de rock. É que o grito da guitarra me arrepia e... Deixa pra lá Ruggero, não vou conseguir te explicar isso.
Se eu ainda tivesse meu antigo celular, poderia mostrar a ele uma das centenas de músicas armazenadas.
Contudo, se eu ainda tivesse meu antigo
celular, jamais teria comprado aquela porcaria e nunca teria conhecido Ruggero.
Eu estava muito confusa.
Minhas emoções e minha cabeça estavam em conflito constantemente.
- Temos um piano em casa, pode usá-lo quando quiser. Sorriu.
- Adoraria ouvi-la tocar.
- Não, eu não toco nada não!
A não ser que campainha contasse como
instrumento.
- Gosto de ouvir música, mas não sei tocar nada.
- Talvez... Ele hesitou.
- Talvez gostasse de ir à ópera! Sei de uma que estreou na cidade há algumas semanas. Fica há uns cinquenta quilômetros daqui. Se sairmos no início da tarde, poderemos assisti-la.
- Eu nunca fui a uma ópera, sabia? e havia muitas em cartaz na minha
cidade.
- Não posso acreditar que nunca tenha assistido um concerto! Ruggero não
sabia se ria ou se ficava espantado.
- Tenho que retificar isso. Como pode
dizer que aprecia música e nunca ter apreciado uma ária?
- Ruggero, eu gosto de outro tipo de... Epa! Tropecei em alguma coisa, não
deu pra ver no que foi com todo o volume daquele vestido idiota, e quase
cai de cara no chão.
No entanto, Ruggero foi mais rápido e agarrou meus pulsos antes que eu me
estatelasse na estrada de terra.
O problema foi que Storm se assustou com os movimentos bruscos e acabou recuando vários passos e como Ruggero ainda segurava a corda, se desequilibrou também e acabou caindo de costas no
chão, me levando junto com ele.
A principio, pensei que o chão de terra não fosse tão duro quanto eu havia
imaginado, mas depois de tirar as mechas de cabelo que atacavam furiosamente meu rosto, entendi o porquê. Eu não tinha caído no chão, mas
sim bem em cima de Ruggero.
- Ruggero? Ai, meu Deus! Você está bem? Eu te machuquei? Corri as mãos em seu peito procurando por algo quebrado ou sangue, mas não encontrei nada.
- Ruggero?
- Estou bem, senhorita Karol. Ele disse um pouco sem ar.
- Não me machuquei, não fique preocupada, não é a primeira vez que Storm me derruba e posso lhe assegurar que não será a última.
Levantei a cabeça para ver se ainda podia ver o cavalo fugindo, mas, para
minha surpresa, ele estava bem ali! Storm estava parado, comendo grama
tranquilamente, como se não tivesse aprontado nada.
- Ele não fugiu! Olhei abismada para Ruggero, ainda embaixo de mim, ainda
me segurando.
Uma de suas mãos soltou meu pulso e, com um movimento muito lento, tocou uma mecha do meu cabelo e depois a colocou atrás da orelha.
Meu coração, já acelerado com o susto, batia rápido demais.
Ruggero me encarava com olhos impossivelmente mais escuros, exercendo a mesma atração de uma barra de chocolate tamanho família para uma garota em TPM: impossível resistir! Minhas mãos ainda abertas sobre o peito largo que agora subia e descia tão rápido quanto o meu, por conta própria se
enroscaram em sua camisa.
Senti, através do tecido grosso do meu vestido o calor que irradiava de seu corpo se espalhar para o meu rapidamente. Aproximei meu rosto ainda mais, ainda presa pela intensidade de seu olhar e, quando meus lábios se aproximaram tanto dos dele que pude sentir seu cheiro invadindo meus sentidos, turvando minha mente alguém gritou seu nome.

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