Prestei atenção ao espetáculo depois disso.
Acabei me divertindo.
Para minha surpresa, era uma espécie de comédia. O tal Dom Magnífico era
extremamente burlesco e, depois de meia hora, achei que a história fosse
um pouco familiar.
No intervalo, fiquei exatamente onde estava, assim como todos do meu grupo. Ruggero e Malena conversaram animadamente sobre a música e quão
esplendido compositor o tal Rossini era. Eu apenas concordava, já que não tinha muito conhecimento no assunto.
Ana prestava mais atenção aos vizinhos de balcão e conversava animadamente com uma mulher coberta de jóias.
Recomeçou o segundo e final ato, e então eu descobri o motivo de achar a história tão familiar: duas irmãs invejosas, uma criada num baile luxuoso e, quando o verdadeiro príncipe revelou quem realmente era e a garota fugiu assustada, deixando um bracelete que o príncipe decidira experimentar em todas as moças do reino a fim de encontrar sua amada, tive que rir.
- É a Cinderela! Sussurrei para Malena e Ruggero.
- Sim, La Cenerentola. Ruggero me explicou, sorrindo.
- Você podia ter dito isso logo no começo, não precisava ter se dado ao trabalho de explicar tudo. Tentei parecer ofendida.
Ruggero se inclinou até que seus lábios ficaram a milímetros de minha orelha
novamente.
- E perder a oportunidade de sentir seu delicioso perfume tão de perto? Ele riu baixinho, fazendo todos os pelos de meu corpo se arrepiarem e minha cabeça girar ligeiramente.
Tentei ficar brava com ele, mas não pude fazer a careta de reprovação que pretendia. Eu estava muito zonza para isso.
- Vamos? Perguntou Ruggero, tocando gentilmente meu ombro assim que o
espetáculo terminou.
- Demorou! Respondi. Ruggero me lançou um olhar confuso. Revirei os olhos.
- Vamos, Ruggero.
Ele riu e sacudiu a cabeça, me guiando para o corredor luxuosamente
ornamentado.
Na saída, Ruggero conversou com muitas pessoas, todas vestidas com roupas muito elegantes para a época e fez questão de me apresentar a todas elas.
Segui os conselhos de Malena e me limitei apenas a dizer: prazer em
conhecê-lo. Bem, obrigada. Sim, gostei do espetáculo. Esqueci dos nomes assim que eles foram ditos. Eu não me encontraria com aquelas pessoas novamente. Contudo, notei mais de uma vez que, as mulheres em especial, me observavam curiosamente.
- Ruggero não posso acreditar que tenha se esquecido de entregar as jóias que
deixei para Karol usar esta noite.
Você notou como Lady Catarina Romanov a observou? Malena disse, aborrecida, enquanto esperávamos
pela carruagem.
Havia uma fila delas, todas parecidas umas com as outras, porém, uma delas se destacava, era muito grande e os cavalos usavam um adorno vermelho nas cabeças. A mulher coberta de jóias que Ana passou boa parte da noite paparicando entrou nela.
- Desculpe-me, Malena. Eu me esqueci. Ruggero passou a mão pelos cabelos
escuros, parecendo constrangido.
- Você devia ter se lembrado, as pessoas notaram que ela não tinha nada para destacar a beleza de seu rosto. Malena cruzou os braços sobre o peito.
- Mas ela não precisa! Ele disse simplesmente, me fazendo corar.
- Sim, isso é verdade, mas ainda assim... Malena sorriu pra mim, aparentemente esquecendo a briga com o irmão.
No caminho para casa, Ana estava eufórica por ter conversado com Lady Catarina sei-lá-das-quantas uma senhora muito importante, descendente de uma importante família russa, com um filho em idade adulta procurando por uma esposa. Aparentemente, o tal filho devia ser muito importante na sociedade, pois seu interesse em conhecê-lo era tocante.
Fiquei maravilhada ao passarmos pela vila à noite, já era tarde, talvez perto da meia-noite. Não imaginei que já existisse iluminação pública no século dezenove. Claro que não era luz elétrica, mas um tipo de lanterna ou lamparina pendia como braços do alto das casas.
Iluminava até que bem as ruas e vielas, a pequena lamparina iluminava fracamente o interior da carruagem, mas era o suficiente para que eu pudesse ver que os olhos de Ruggero não me deixaram nem por um momento.
- Gostou do espetáculo, senhorita Karol? Ana perguntou ao meu lado, quando já estávamos na estrada que levava até a casa.
- Foi demais! Não pensei que ópera pudesse ser tão divertida, pensei que
todas fossem melancólicas e enfadonhas. Malena riu.
- Sabe que, às vezes, penso a mesma coisa? Não gosto das melancólicas
também. Confessou ela, eu assenti, sorrindo.
- Realmente gostou, senhorita? Indagou Ruggero, que até então estava calado, apenas me encarando.
- Pra caramba! Foi incrível! Apesar da história ser um pouco diferente da que eu conheço, ainda assim, foi divertido demais! Eu adorava a Cinderela quando era criança. Era minha princesa favorita.
- É mesmo? Perguntou curioso.
- Mesmo! Eu pegava escondido os vestidos da minha mãe quando tinha
uns seis ou sete, vestia um sobre o outro para que ficasse tão volumoso quanto estes. Como a vida podia ser surpreendente!
- Passava horas brincando de princesa, esperando que o príncipe viesse me buscar com o cavalo e...
Parei de falar assim que a lembrança vestido com seu casaco comprido montado em seu cavalo, invadiu minha cabeça. De uma forma estranha, eu estava vendo o meu faz-de-conta.
Sacudi a cabeça, pensando se, de repente, eu não teria uma fada madrinha em algum lugar que poderia ajudar a resolver minha vida.
Mas, como eu bem sabia, na vida real, contos de fadas não se realizam com frequência.
-E? Ruggero instigou.
- E eu cresci! Aprendi que contos de fadas só acabam bem nos livros. Dei de ombros e suspirei.
- Contos de fadas podem se tornar realidade, Karol. Basta que a princesa
não lute contra a própria felicidade.
Sua voz intensa.
Malena e Ana se entreolharam sem entender, mas é claro que eu sabia
bem ao que ele se referia.
- Às vezes, ela não tem outra escolha.
Às vezes, não é possível que ela possa querer ser feliz, porque ela está no lugar errado, ainda que o príncipe...
Pareça ser o certo eu quis acrescentar, mas não fui capaz.
- Talvez ela queira muitas coisas, mas não tenha o livre-arbítrio para poder
decidir nada...
- Então, talvez ela devesse lutar pelo que quer.
Encarei-o por um momento, sem saber bem como responder.
Por que eu queria ficar com ele, mas também queria voltar para minha casa. Então, lutar como? Como conciliar duas coisas tão incompatíveis?
- Talvez ela nem mesmo tenha essa opção. Sussurrei, sentindo meu coração se apertar dentro do peito.
As cabeças das garotas se viravam de um lado para o outro, como num jogo de pingue-pongue.
- Talvez não sozinha, mas talvez o príncipe pudesse se ela o permitisse.
Seus olhos brilhavam, mesmo na luz fraca da lanterna.
- Não dá! Ela tem que resolver sozinha. Tentei ser firme.
- Talvez a princesa esteja sendo muito teimosa! Ele disse sarcasticamente.
- Talvez o príncipe não saiba a história toda para poder julgá-la!
- Como ele pode conhecer a história toda se ela não confia nele o suficiente para contar sua história? Sua sobrancelha se arqueou desafiadoramente.
- Não é falta de confiança, Ruggero. Sacudi a cabeça.
Estava exausta, emocionalmente.
- Eu... Ela não pode contar porque nem ela mesma sabe o que está acontecendo.
- Não acredito nisso!
- Você é tão cabeça dura! Retruquei um pouco irritada.
- Sim, eu sou. Eu luto quando sei o que quero!
- Eu lutaria também, se soubesse o que eu quero! Disse um pouco mais alto do que pretendia.
Ele sorriu, divertido com minha raiva. Cruzou os braços sobre o peito largo
e esticou as pernas no pequeno espaço que restara no interior da carruagem.
A ponta de suas botas se esconderam sob a barra do meu vestido.
- Não acredito nisso também.
- Ah, não?
- Não! Você sabe bem o que quer e está com medo de admitir. Concluiu, muito seguro de si.
Urgh! Ele era tão teimoso!
- Falou o senhor sabe tudo! Rebati acidamente.
- Sabe, senhorita, posso lhe assegurar que conheço seus sentimentos melhor que você mesma.
- Eu devia ter quebrado seu nariz quando tive a chance! Cruzei os braços sobre o peito. Ruggero gargalhou. O som de seu riso fez coisas estranhas em meu corpo.
- Nunca é tarde para reparar um erro.
Acrescentou carinhoso.
- Estou à sua disposição, senhorita.
- Vocês estão brigando! Malena exclamou, assustada.
- Não! Ruggero e eu respondemos ao mesmo tempo.
Olhei para ele, que me encarava com ternura e diversão e fui incapaz de
continuar irritada, rimos juntos e as duas garotas nos olharam como se nós dois fossemos malucos.
- Não estamos brigando, Malena, apenas estamos tentado chegar a um acordo sobre um assunto de mútuo interesse.
Ele disse à irmã, mas seus olhos não deixaram meu rosto, o sorriso ainda em seus lábios.
- Não se preocupe, essa não é a primeira vez que a senhorita Karol ameaça quebrar meu nariz, e ouso dizer que não será a última.
Tentei não rir, mas foi impossível não corresponder ao seu sorriso.
- Não gosto de vê-los discutindo, estimo demais aos dois, não poderia suportar se brigassem. Malena sacudiu a cabeça, aflita.
- Não é uma briga, Malena, de verdade, é que seu irmão sabe como me perturbar como ninguém, é tipo um dom!
Me perturbar de todas as formas possíveis e imagináveis.
- Posso dizer o mesmo sobre você!
O brilho prateado se espreitou em seus olhos. Tentei respirar normalmente.Ana se hospedou mais uma vez na casa de Ruggero e Malena.
Assim que entramos, desejei boa noite e praticamente corri para o quarto, não queria correr o risco de me encontrar com Ruggero pela casa e, de repente... Não queria correr o risco!Quando cheguei ao quarto, corri para meu celular, que estava apagado como quase sempre.
Eu tinha a estúpida ideia de que algo estaria ali, uma mensagem, depois do incidente com Ruggero na carruagem, mas não havia nada.
Minhas suposições estavam falhando, ao que parecia.
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Meu lugar
Fiksi PenggemarA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...