Assim que me vesti adequadamente voei para a cozinha, estava com muita fome e pensei que talvez Ruggero pudesse estar na sala de jantar.
Não queria me encontrar com ele.
Meu coração agia sem controle quando ele estava por perto, o que não era bom racionalmente.
Encontrei Madalena com a barriga colada no fogão de lenha preparando alguma coisa com o cheiro muito bom.
- Vou querer um pouco disso. Disse, para anunciar minha presença.
- Oh! Bom dia, senhorita Karol. Como foi seu passeio ontem? Perguntou ela, sorrindo.
- Foi muito legal. Posso comer alguma coisa? Estou com fome.
- Claro que sim. Levarei seu café em um minuto. Pode esperar na sala...
- Não posso comer aqui? A interrompi. Sua testa se enrugou.
- Aqui?
- Tem algum problema? Não quero metê-la em encrenca.
- Problema? Não, senhorita. Claro que não tem problema, mas é que os patrões não comem aqui. Explicou.
- Ótimo, então! Eu não sou patroa de ninguém mesmo! Ri e puxei a cadeira, pegando um pedaço do bolo que estava num prato grande sobre a mesa.
- Humm! Murmurei com a boca cheia de bolo. Madalena me passou uma xícara e depois me serviu o café fumegante.
- Deseja comer alguma coisa em especial? Me olhou curiosamente.
- Hum-hum. Engoli.
- Não. Só o bolo e café tá bom.
Na verdade, tá ótimo! Mordi o bolo, derrubando um pouco de farelo.
Madalena riu e sacudiu a cabeça.
- Sabia que a Senhora Pasquarelli também gostava disso? Bolo com café,
quero dizer. E, muitas vezes, quando o marido viajava e seus filhos ainda eram pequenos, ela tomava o café aqui na cozinha, não gostava de comer sozinha, pobrezinha. Seus olhos ficaram vazios, distantes, com a lembrança.
- Era uma boa patroa. Muito boa mesmo!
- Você gostava dela, Madalena? Perguntei curiosa.
- E quem não gostaria? Ela disse, como se qualquer um soubesse disso.
- Era muito atenciosa, muito educada. Nunca destratou ninguém nessa vida!
- Posso acreditar nisso. Conhecendo Ruggero e Malena, sua mãe tinha que ter
sido uma mulher extraordinária, assim como eram os filhos.
- Como ela era?
- Malena se parece muito com ela, exceto pelo cabelo, o da Senhora Laura era muito loiro. Isso me surpreendeu.
Tanto Ruggero quanto Malena tinham cabelo escuro. Madalena notou minha surpresa.
- O Senhor Bruno Pasquarelli tinha os cabelos escuros como os filhos, mas os
olhos castanhos são herança da mãe.
Ela era uma mulher muito bonita.
- Pelos filhos que teve, acredito que foi mesmo!
Enquanto eu terminava meu café, Madalena remexia numa pilha de roupas.
Ela ergueu uma peça e a examinou por um segundo, em seguida sacudiu a cabeça.
- Outra camisa perdida! Falou desgostosa.
Olhei para a camisa nas mãos dela, grandes manchas coloridas cobriam a
frente e parte das mangas.
- Toda vez que o Senhor Pasquarelli resolve pintar à noite é a mesma coisa!
Reclamou desanimada.
- Já perdi as contas de quantas camisas ele estragou.
- Ruggero está pintando? Minha voz soou mais interessada do que eu pretendia. -Sim, mas dessa vez no quarto de dormir! Disse ela, escandalizada.
- Não sei o que deu no patrão! Hoje de manhã, quando fui arrumar seu quarto, me deparei com a bagunça de tintas e uma tela coberta. Sua testa franziu.
- Ele não quer que ninguém veja a tela. Achei estranho. Ele nunca fez isso!
Ali estava uma coisa que eu queria ver: Ruggero pintando.
Mas, se ele não deixou sua governanta ver, imaginei que eu não teria chance.
- O Senhor Pasquarelli está muito diferente esses dias. Pergunto-me o que
pode ter mudado para que ele esteja agindo de forma tão inconstante...
E me lançou um olhar que me disse o nome e sobrenome da tal mudança.
Limpei a garganta.
- Deve ser... Uma fase. Um cara jovem como ele sempre entra numas de vez em quando. Passa logo! Dei de ombros.
Vi a incompreensão no rosto redondo de Madalena e desisti de explicar.
- O que vai fazer com ela? Perguntei apontando a camisa.
- Acho que está perdida! Nem posso mandá-la para a paróquia como doação. Estas manchas não sairão daqui. Mostrava as grandes bolas coloridas.
- Será que posso ficar com ela então?
- Ficar com a camisa do Senhor Pasquarelli? Suas sobrancelhas se
ergueram, três grandes vincos surgiram em sua testa,
- Madalena, não me olha assim! Eu tô meio sem roupas, lembra? Essa camisa seria perfeita para eu usar como pijama, Ou será que não se importa se eu dormir sem roupa alguma?
Ela corou pensando no assunto.
Depois, voltou a colocar a camisa na pilha de roupas sujas.
- Vou lavá-la e depois a deixarei em seu quarto, senhorita.
- Valeu, Madalena. E obrigada pelo café. Estava maravilhoso, como sempre.
Do corredor, ouvi uma melodia muito agradável e, hipnotizada, segui o som até chegar à sala de música.
Malena tocava harpa. Assim que me viu,
parou de tocar e começou a se levantar. -Por favor, não pare! Toque mais um pouco, Malena. Sinto tanta falta da música! Ela sorriu.
- Bom dia, Karol. Alguma música em especial? Malena perguntou me mostrando suas covinhas.
- Não. Sacudi a cabeça.
- Toque as que você mais gostar.
Eu não conhecia muita música clássica de toda forma.
Ela começou uma melodia animada, as notas doces da harpa faziam a música parecer algo celestial, delicado e puro.
Sentei-me na cadeira perto de Ana. Pensei que seria rude de minha parte me sentar do outro lado da sala.
- Bom dia, senhorita Karol. Ela disse.
- Bom dia, Ana. Como está?
- Estou muito bem, senhorita. Ainda mais agora que o baile se aproxima!
Estou tão ansiosa para conhecer o filho de Lady Catarina! Seu sorriso enorme.
- Legal! Concordei.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas ouvindo a melodia que enchia
toda a sala.
- Posso lhe fazer uma pergunta, senhorita? Ela parecia insegura.
- Claro, Ana.
O que ela queria?
Ela titubeou um pouco, e depois começou.
- Gosta dele, não é? Eu sabia a quem ela se referia.
- É claro que eu gosto. Gosto de todos aqui. Ela sacudiu a cabeça.
- Não, senhorita Karol. Refiro-me a outro tipo de afeto, de gostar romanticamente. Você gosta dele dessa forma, não é?
- Eu... Por que quer saber?
- Por que estimo muito a família Pasquarelli. Não quero vê-los magoados. Seus olhos pareceram sinceros.
- Nem eu, Ana. Suspirei.
- Nem eu.
- Mas eu notei como ele olha para você.
E depois do que vi ontem na carruagem... Ele a estima de uma forma única.
O conheço há muito tempo para saber que está encantado com sua pessoa. Apaixonado, talvez.
Não respondi. Remexi nervosamente na saia do vestido.
- Sei que pretende ir embora logo e ele sofrerá muito com isso. Ana concluiu.
Eu sabia disso. Sabia muito bem! Apenas assenti sem ter nenhuma outra resposta para ela.
- Então, eu queria lhe pedir que não o engane. Sua voz estava muito séria, sem aquele tom cínico que ela usava frequentemente quando falava comigo.
- Não vou! Jamais poderia enganá-lo. Apressei-me.
- Eu queria muito que as coisas fossem diferentes. Como no sonho daquela noite, talvez.
- Mas não posso controlar nada. Acredite! E ele sabe que partirei logo, de toda forma. Não estou enganando ninguém.
Ela assentiu também, os olhos em Malena.
- Se não precisasse partir, você ficaria aqui? Ela indagou.
- Eu.. Eu...
Ficaria? Abriria mão de tudo para ficar presa ali?
Não podia responder a isso.
Eu tinha minha vida, meus amigos, meu
emprego, não podia largar tudo e simplesmente viver no passado, ainda
que isso fosse possível.
Mas pensar em ir embora e nunca mais ver Ruggero era doloroso demais, impossível.
Perder Ruggero seria insuportavelmente
excruciante
- Eu não sei dizer.
Respondi com sinceridade, ela viu a tristeza em meus olhos, ouviu o pesar em minha voz. E me surpreendeu novamente tocando minha mão com a sua.
- Desculpe-me. Não queria aborrecê-la. Apenas queria me certificar de que meus amigos tão queridos não estavam sendo enganados. Você realmente os estima.
Ela sorriu, suas sobrancelhas arquearam, a testa se enrugando.
- Parece que me enganei!
- Eu realmente gosto deles, Ana.
- Posso ver isso em seus olhos agora. Espero que tudo se resolva para o melhor.
Ele seria feliz com você, nunca o vi tão animado como agora. Ela sorriu.
- Parece que você o enfeitiçou!
Eu ri nervosa.
- Acho que não dá pra dizer que virar a vida dele de pernas pro ar seja um feitiço! É mais uma praga.
E ele deve estar interessado pelo novo, daqui a pouco a novidade acaba e ele nem me notará mais. Engoli seco quando
terminei. Seria assim?
- Duvido muito. Ele não é volúvel. Rebateu enfaticamente.
Malena parou de tocar quando o mordomo apareceu na porta, trazia uma
carta em uma bandeja. Malena a leu e depois sorriu.
- Esplêndido! Nossos vestidos estão prontos. Madame Georgette pede para irmos buscá-los ainda hoje. Levantou-se do banquinho, incapaz de conter sua excitação.
- Você ficará linda com seu vestido, Ana. Ela exclamou contente.
- Eu espero que sim. Madame Georgette é uma artista! E eu preciso estar majestosa para o baile!
- E o seu também será deslumbrante, Karol. Malena estava tão empolgada que parecia quicar no chão de madeira.
- Um vestido tão delicado que combinará perfeitamente com sua pessoa.
Eu? Delicada? Rá!
- Sabe que nem prestei muita atenção no modelo? Não tenho certeza se me lembro do desenho que você escolheu...
Não tinha certeza nem se era um vestido de mangas ou alças, acabei me distraindo com as novidades que a costureira tinha para contar. Mas a cor eu sabia: era branco.
- Tanto melhor! Assim, não poderá reclamar depois que estiver pronto.
Malena disse, me deixando apreensiva. -Não que você reclame, mas já notei que não gosta de vestidos muito grandes.
Ela fez um gesto passando as mãos em torno dos quadris para demonstrar.
- Acertou na mosca. Ela fez aquela cara de “hein?” e eu me expliquei melhor. -Você tem razão. Não gosto de me sentir um balão. E, para minha surpresa, dessa vez, Ana também riu.
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Meu lugar
FanfictionA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...