Toc-toc!
Observei a porta com o telefone ainda pressionado em minha orelha.
Não podia ser real! Aquilo não podia estar acontecendo! Quem era aquela
criatura? O que eu fiz pra merecer isso? Por que eu? Que jornada era essa?
E o que eu tinha que encontrar pra ela? O que eu iria fazer agora?
Eu estava mesmo em 1830? Mas era loucura! Como era possível que eu tivesse viajado no tempo? Não era possível!
As perguntas giravam em minha cabeça, me deixando tonta.
Toc toc!
- Senhorita? Perguntou uma voz masculina.
Guardei o telefone na bolsa e me virei para a porta. Eu tinha a intenção de
ir até ela e abri-la, mas minhas pernas não obedeceram.
- E-Entre. Esforcei-me para que minha voz saísse com um pouco mais de volume.
Ruggero entrou. Tinha nas mãos uma bandeja com alguma coisa fumegante.
- Perdoe-me, senhorita Karol. Disse, assim que pisou no quarto.
- Eu mesmo trouxe seu chá, pensei que já estivesse assustada o bastante para que outro desconhecido o trouxesse. Sente-se um pouco melhor?
- Chá? Indaguei ainda zonza.
- Não tem nada mais forte? Algo com
bastante álcool, de preferência?
Ou talvez éter ou cianureto, meu cérebro já parecia estar derretido mesmo!
Suas sobrancelhas escuras se arquearam.
- Forte? Um vinho talvez?
Vinho? Suspirei. Era melhor que chá!
- Vinho tá bom.
Tanto quanto formicida.
- Esse vinho é muito bom. Vai se sentir melhor rapidamente.
Duvido muito!
Ele deixou a bandeja numa mesinha. Pegou uma garrafa toda trabalhada de
cristal e serviu o vinho numa taça, aproximou-se lentamente de onde eu
estava, ainda grudada no assoalho de madeira como uma árvore, e parou a um passo. Esticou o braço, me oferecendo o vinho.
Fiquei feliz ao notar que meu corpo começava a responder aos comandos
de meu cérebro. Peguei a taça, um pouco hesitante, as mãos ainda tremendo, e virei tudo em um só gole.
Ele me observava atentamente, alguma coisa em seus olhos, castanhos escureceram como uma noite sem lua me deixando inquieta.
- Melhor? Perguntou suavemente.
- Sim. Respondi quase num sussurro.
Não era inteiramente mentira.
Nada faria com que eu me sentisse bem
estando ali, mas o calor do vinho correndo nas veias afugentou o frio e um pouco do tremor.
- Ótimo. Ele sorriu um pouco.
- E agora...
Ah! claro. Ele queria saber o que havia acontecido comigo e, com certeza, que eu desse o fora de sua casa o mais rápido possível.
- Eu... estou... perdida. O que mais eu podia dizer?
Escuta só cara, eu acordei hoje de manhã no ano de 2010 e, depois que tropecei numa pedra e meu celular criou uma coisa tipo uma Surpernova, eu vim parar, sabe-se Deus como, no século dezenove. Que doideira!
- Eu vim de... outro lugar. Não sei bem como aconteceu, mas quando dei por mim, já estava aqui. E não sei como voltar. Era toda a verdade que dava pra contar a ele.
Ruggero continuava a observar meu rosto.
- Então a senhorita está aqui sozinha?
Como olhos tão castanhos podiam brilhar tão intensamente?
- Estou. Sozinha e desesperada, eu quis acrescentar.
- Se me disser como, posso levá-la de volta para sua casa. Sua voz gentil, seu rosto amigável.
- Mas o problema é esse! Nem eu mesma sei como voltar!
Apenas sabia que teria que encontrar uma coisa que eu não fazia ideia do que era.
- Mas eu vou descobrir. Disse mais para mim mesma que para o rapaz gentil que tinha me ajudado gratuitamente até agora.
- Entendo. Disse ele, mas tive a impressão que não entendia nada.
Não o culpei, eu mesma tinha dificuldades para compreender.
- Pensei que tivesse dito que vinha da cidade.
- E eu vim da cidade! Mas tenho certeza absoluta que não é a mesma cidade a que você se refere. Eu vim... De um lugar distante. Não gostei de dizer meias verdades a ele.
Que estranho!
- Então não há lugar algum aonde eu possa levá-la? Constatou.
Para onde eu iria naquele fim de mundo?
- Acho que poderia me indicar uma pensão ou um hotel, não conheço nada aqui. Dei de ombros, imaginando se as pensões já existiam e se aceitariam um cheque pré-datado para 65.475 dias.
- Pensão? Jovens solteiras e desacompanhadas não se hospedam em pensões. Ele me censurou.
- Além disso, seria um imenso prazer poder hospedá-la em minha casa enquanto descobre como voltar para a sua.
Olhei pra Ruggero chocada.
Chocada e desconfiada.
Ele me conhecia há menos de uma hora e me oferecia sua casa como hospedagem! Estranhos não ajudam pessoas que acabaram de conhecer. Não no século vinte e um.
- Eu... Não posso ficar aqui. Você nem me conhece! E eu... Mas pra onde eu iria?
Ruggero ficou muito sério.
- Eu não a conheço, realmente, mas... Fiz algo que a desagradou, senhorita Karol? Pelo que pude entender, a senhorita não tem conexões aqui, ninguém a quem recorrer. No entanto, parece relutante em aceitar minha ajuda.
- Não. Não é isso. Agradeço muito por sua ajuda! Você foi ótimo! É só que, de onde eu venho, estranhos não ajudam pessoas que não conhecem sem ganhar nada em troca. Soltei e observei sua reação.
Ele me olhou com alguma coisa parecida com indignação.
- Lugar estranho, esse de onde você vem. No entanto, eu ficarei feliz em ajudá-la, sem receber nada em troca.
Ele enfatizou.
- Apenas quero ampará-la.
- E por quê? É claro que eu estava desconfiada. Quem não estaria?
Eu cresci ouvindo “nunca aceite nada de estranhos!” Mas, naquele caso em particular, eu não tinha outra alternativa. Ele abriu um sorriso.
Uau!
- Eu tenho uma irmã caçula, senhorita Karol, não gostaria de vê-la numa situação parecida com a sua, e ficaria imensamente grato se alguém a ajudasse em uma hora de dificuldade.
Sem saber o que fazer e o que pensar apenas respondi:
- Então, aceito sua ajuda, pelo menos até eu ter uma ideia de como voltar pra casa.
- Excelente! Um sorriso enorme se espalhou em seu rosto, meu estômago se agitou. Talvez fosse culpa do vinho.
Ruggero me deu uma rápida olhada e desviou os olhos, parecendo constrangido outra vez.
- Hã... Pedirei à senhora Madalena que traga algumas roupas.
Você parece ser um pouco maior que minha irmã, mas, ainda assim, será melhor que ficar... vestida dessa forma. Seus olhos caíram no chão.
- Eu não estou sem roupa! As pessoas se vestem assim de onde eu venho.
Pare de dizer que estou pelada!
Era constrangedor ver que minhas roupas, ou a falta delas o deixavam tão perturbado.
Ruggero arregalou os olhos quando eu disse pelada e depois corou.
Nunca tinha visto um homem corar tantas vezes em toda minha vida, não até hoje de manhã.
- Compreendo. Ruggero disse cauteloso. - Mas veja, aqui não estamos... habituados a esse tipo de traje, então, seria mais apropriado se a senhorita pudesse...
Se pudesse se vestir de forma mais... Tradicional. Ele não me olhou enquanto falava.
- Eu... hã.... Talvez minhas roupas fossem mais estranhas pra ele que as dele eram para mim. Homens usavam ternos em escritórios, em casamentos e festas, não para cavalgar, claro, mas eu já tinha visto homens em trajes formais milhares de vezes. Ele, no entanto, não estava habituado a ver pernas, ao que parecia.
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Meu lugar
FanfictionA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...