Parte 21

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- Vou tirá-lo dali para que a senhorita possa conhecê-lo melhor.
Ruggero parou ao lado da porta baixa, retirou seu casaco e gravata e os pendurou num prego, em seguida, arregaçou as mangas da camisa branca. Fez tudo isso com tanta naturalidade, como se fizesse isso todos os dias, que não pude desgrudar os olhos dele.
Ele pegou uma corda e entrou na baia. Storm relinchou e recuou um pouco, mas o espaço não era grande o bastante para
que pudesse escapar do laço preciso de Ruggero. Então, ambos, com extrema
elegância, saíram marchando.
Eu recuei um pouco, o quadro não mentia em nem um aspecto, quase dava pra ler “encrenca” escrito nos olhos do
animal.
Ruggero o levou mais ao centro do estábulo, o bicho fez barulho, andou para trás diversas vezes, parecendo não gostar de receber ordens. E era imenso!
Entretanto, Ruggero não se deixou vencer e, depois de um tempo, Storm ficou parado perto, mas não exatamente de onde Ruggero queria.
- Aproxime-se. Disse ele.
- Não tenha medo ee não vai machucá-la.
Não vou permitir que isso aconteça.
Não me movi.
- Não tenha medo, os animais sentem o cheiro do medo, sabia?
- É mais fácil dizer que não estou com medo do que não sentir de verdade. Respondi, encarando o cavalo selvagem.
- Confie em mim. Ruggero me fitou intensamente.
- Acredita que eu permitiria que se aproximasse dele, a qualquer distância que seja, se houvesse a menor chance de que ele pudesse feri-la?
Dei um passo, hesitando. O cavalo não se moveu. Experimentei outro passo.
Ele continuou parado, apenas respirando rapidamente. Lentamente, vacilante, me aproximei de Ruggero mantendo certa distância do cavalo.
Storm era ainda mais incrível de perto! Muito alto, muito negro, o pelo brilhante emanando toda a altivez que o cavalo visivelmente sentia. Era lindo demais! Seus olhos pareciam me avaliar, assim como os meus o avaliavam.
- Ele é incrível. Fiquei hipnotizada por ele. Dei um passo à frente, tentando sentir o calor que a tela tinha me passado e sem pensar ergui a mão exatamente como fiz com o quadro. -Senhorita Karol, não se aproxime mais. Storm não gosta... mas eu já tinha meus dedos cravados no pescoço de Storm.
Era muito quente, seu pelo tão sedoso quanto a própria seda.
- Que o toquem. Ele disse devagar, ligeiramente confuso, fazendo sua frase soar como uma pergunta retórica.
- Você é lindo, cavalinho! Exclamei, não resistindo ao impulso de tocá-lo com ambas as mãos. Ele era muito maior e, ainda assim, eu podia sentir a rígida musculatura sob seu pelo. Toquei sua crina embaraçada, deslizei minha mão e acariciei seu dorso.
Muito prazer, Storm. Me chamo Karol. Vi seu quadro agora há pouco, você é um modelo incrível! Muito especial.
E, para meu espanto, quando minhas mãos voltaram para seu pescoço, ele
inclinou a cabeça ligeiramente, como um cachorrinho, como se gostasse do meu toque. Ruggero arfou, surpreso, me virei para vê-lo. Sua boca estava aberta, os olhos imensos.
- Tá tudo bem? Indaguei preocupada.
- Sim, está. Na verdade estou... Pasmo. Storm nunca deixou ninguém tocá-lo dessa maneira sem recuar ou relinchar ou... empinar. O que você fez? E sua cabeça se inclinou ligeiramente para o lado.
- Eu? Não fiz nada. Ou fiz?
- Fez, sim. Ele sorriu abismado.
- Você o conquistou!
Virei-me para Storm e vi seus grandes olhos me observando, não havia mais fúria ali, a altivez e a zombaria continuavam, mas não a fúria.
Continuei a acariciá-lo um pouco mais. Ele parecia estar gostando de verdade.
O longo rabo balançando pra lá e pra cá.
- Não é estranho. Eu comecei.
- que Storm seja mais gentil comigo que Ana? Claro que ele é muito mais esperto que ela, nota-se de longe! Mas ainda não entendi bem a razão de tanto cinismo.
- Ana não gosta de muitas pessoas, é mais fácil enumerar as que ela admira, do que as que repudia.
Repudiar. Aí estava a palavra certa para o que eu sentia nos rosto dela toda vez que olhava em minha direção.
- Já notei isso. Mas ela parece gostar de Malena. Me virei para encará-lo.
- E parece gostar de você também. Muito, na verdade. Ele sacudiu a cabeça, um pouco constrangido.
- A senhorita Ana e Malena cresceram juntas. A família dela sempre foi vizinha da nossa propriedade, por isso passa tanto tempo conosco. Malena e ela estudaram juntas, vão às compras juntas, fazem quase tudo juntas. À vezes me
pergunto como Malena a tolera por tanto tempo? Não que eu não a estime, mas as vezes ela é um pouco... demais! Ele riu.
Ruggero levantou a mão, se aproximou de Storm um pouco mais e, num único
movimento, retirou a corda de seu pescoço, o libertando.
O cavalo rapidamente saiu trotando.
- Vamos deixá-lo correr um pouco. É uma das coisas que ele parece gostar de fazer. Só é difícil fazê-lo parar depois.
Eu o segui para fora do estábulo e apoiei meus cotovelos na cerca, assim como ele.
- Ana me disse uma coisa... eu comecei e depois parei.
Não queria ser indelicada nem parecer abelhuda. Afinal, o conhecia há apenas um dia, não tinha direito de exigir maiores explicações. Mas a verdade é que eu queria saber mais sobre ele.
Ruggero tirou os olhos da corrida em círculo que Storm fazia e se voltou para
mim.
- E o que a senhorita Ana disse que a deixou... Que a deixou curiosa? ele não pareceu satisfeito com a palavra, que escolheu.
- Eu não quero ser indelicada nem nada disso, mas... era melhor perguntar de uma vez. Tipo arrancar um band-aid. -Ana disse que você está procurando uma esposa. Lancei um olhar furtivo em sua direção e, depois de notar o espanto estampado em seu rosto, voltei encarar
Storm, que agora fazia meios círculos, mudando de direção a toda hora
como um ziguezague.
- Fiquei pensando o porquê disso.
Por que não dá pra se obrigar a gostar de alguém, não é?
Não ousei olhar para ele, tentei ao máximo ouvir cada barulho que ele fazia. Ouvi um suave pigarrear e barulho de tecido se movendo.
- Eu preciso me casar logo, minha irmã precisa de uma influência... ele disse a palavra influência com amargura.
- Feminina. Eu preciso encontrar alguém que seja adequada. Disse, por fim.
- Engraçado. Falei, ainda observando Storm.
- Pensei que se procurasse amor num casamento.
- O amor pode vir depois. O respeito, a admiração comum tanto quanto o amor, neste caso. E se calou.
Não consegui mais me segurar, tive que me virar para ele.
- Você se preocupa com a castidade e não dá a mínima para o amor? Sabia que casamento é uma coisa muito séria e que deve ser tratado com respeito?
Um casamento já é difícil se os dois estiverem apaixonados, sem amor então, já começará fadado ao fracasso.
Você devia ser mais responsável!
Senti a raiva crescendo dentro de mim e fiquei ainda mais furiosa por estar sentido aquilo.
- Estou sendo responsável, senhorita Karol, estou tendo o cuidado de escolher uma jovem decente e de boa família.
Seu rosto sério, sem aquele brilho nos olhos.
- Alguém que possa ocupar uma parte do lugar deixado por nossa mãe tantos anos atrás. Estou pensando no bem estar de Malena.
- Escolher? Você fala como se estivesse comprando uma esposa! Retruquei secamente.
- Está a tratando como um bem a ser adquirido. Uma mercadoria. Isso é repulsivo!
- E acha que eu não sei disso? Sua voz diminuiu, praticamente um sussurro. Havia um tipo de amargura em seus olhos.
- Mas prometi ao meu pai que cuidaria de Malena. E vou cumprir esta promessa. Mesmo que, ao cumpri-la, esteja condenando minha própria felicidade.
Sua voz baixa e um pouco rouca e o tom melancólico me desarmaram.
- Me desculpe, Ruggero, eu não queria chateá-lo com assuntos desagradáveis.
Só pense bem no que está fazendo. Continuei, louca para que a tristeza
abandonasse seu rosto, e não entendendo o motivo de me sentir tão triste por vê-lo triste.
- Você ainda é muito jovem. Não precisa se casar agora.
Espere um pouco mais, talvez acabe encontrando amor e... Adequação numa só pessoa. Dá um tempo. Pense melhor. Meu pé batia repetidamente numa tábua da cerca.
- Eu gostaria que pudesse ser assim. Que pudesse ir ao meu ritmo. Mas Malena vai completar dezesseis anos em breve e precisará de uma mulher para ensiná-la certas coisas.
- Mas, se o problema é esse, então está resolvido. Eu posso ensiná-la!
Posso explicar tudo que eu sei sobre como se fazem os bebês e como não
cair na conversa de espertinhos e...
- Senhorita Karol! Ele me interrompeu, o tom reprovador me fez recuar.
- Por favor, pare! Não é a isso que me refiro. Refiro-me a como ser uma boa esposa cuidar da casa, dos criados, essas coisas. Nenhum assunto sobre bebês ou coisa do gênero.
Minha testa se enrugou.
- Você acha que ela precisa saber sobre como comandar os empregados e que não precisa saber o que seu marido espera que ela faça no quarto?
Que lugar era esse, afinal?
- Sabe, Ruggero, você é muito estranho!
- Sem querer ofendê-la, senhorita, o mesmo se aplica a você!
Mas seus olhos me fitavam com certa doçura.

Touche!

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