Parte 71

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- Sabe o que eu estava pensando? Perguntei depois de um tempo.
Ruggero sorriu largamente, virou-se na cama.
- Não faço ideia! E apoiou a cabeça numa das mãos para me observar.
- Acho que talvez você possa me ajudar a desenvolver um projeto para um banheiro. Você desenha tão bem!
Eu te explico como é e você pode fazer um esboço. Não pode ser tão difícil fazer algo parecido, já que conheço na prática como ele funciona. Talvez possamos encontrar um engenheiro para nos ajudar.
A casinha era a única coisa que me atormentava.
- Podemos ver isso. Disse ele, pegando meu colar e o analisando com curiosidade.
- R? Perguntou, arqueando uma de suas sobrancelhas perfeitas, um meio sorriso no rosto.
- Nina me deu de presente. Tipo um colar de irmandade. Acho que ela pressentiu o que iria acontecer.
- E contou a ela sobre mim? Ruggero parecia não acreditar que eu tivesse
contado sobre minha viagem maluca a mais alguém e ainda estivesse livre.
- É claro que contei! Nina é como minha irmã. Nunca escondi nada dela.
E ela acreditou de primeira! Meus olhos se estreitaram, ele sorriu se desculpando.
- O casamento foi tão bonito, Ruggero! Queria que tivesse visto, Nina estava tão linda, tão feliz!
Ele me olhou por um segundo, seus dedos brincando em minha barriga.
Começava a ficar difícil conversar quando ele me tocava assim.
- Ela parece ser uma boa amiga!
- A melhor de todo o universo. Então me lembrei.
-  E você pode conhecê-la! Quer dizer, por foto. Eu tirei algumas com o celular. Não aquele celular, um normal que só faz o que tem que fazer.
Tá na minha bolsa, acho que a deixei lá na sala.
Sua testa se enrugou.
- Você não sabe o que é uma foto, não é? Deduzi. Ele sacudiu a cabeça.
- É um retrato mais fiel, como a capa do meu livro velho, lembra? Ele assentiu.
- Posso ir buscar minha bolsa, se quiser. O celular só vai funcionar mais alguns dias, depois a bateria vai acabar e não terei como recarregá-la.
Tentei me sentar, mas ele me abraçou, me impedindo.
- Pode me mostrar amanhã. Não vou permitir que saia daqui. E me apertou mais forte.
- Nunca mais! Além disso, posso conhecer Nina através de suas histórias, se quiser me contar.
- Claro que vou contar. Parece que terei muito tempo aqui dessa vez. Sorri.
- Mas agora é sua vez, me conte tudo que eu perdi. O que aconteceu depois que fui embora? Ele ficou sério.
De repente a diversão desapareceu de seu rosto.
- Eu... Creio que nada aconteceu. Resmungou desconfortável.
- Como assim?
- Eu não estava muito atento ao que acontecia por aqui até esta noite. Falou envergonhado. Ele se sentou na cama, abraçou os joelhos e encarou a porta. Observei-o por um segundo, depois prendi o lençol entre os braços e me sentei também, apoiando minha cabeça em seu ombro, acariciando sua nuca com
meus dedos.
- Foi tão ruim assim?
Ele apenas assentiu, ainda olhando para o nada.
- Me desculpe, Ruggero.
Eu tentei encontrar a fada desde o momento que voltei para o meu século, mas ela não estava em parte alguma! Até fui internada na ala psiquiátrica depois de uma pequena confusão numa loja e,
se não fosse o Gaston ter me visto e av...
- Fada? Ele me interrompeu, os olhos descrentes.
- Não me olha assim outra vez! Estou falando a verdade! Ele piscou, parecendo atordoado.
- Fada? Repetiu.
- Ela tinha que ser alguma coisa, não tinha? Fala sério, quantas pessoas você conhece que tem o poder de mandar alguém para uma outra época?
Eu não conhecia nenhuma até pouco tempo atrás!
- Mas... Fada?
- Eu sei. Eu acho que é tipo uma fada madrinha. E não faço ideia de por que eu tenho uma.
Mas agora eu entendo melhor tudo o que aconteceu, como ela agiu, o que ela fez. Ela me disse que você e eu deveríamos nos conhecer e, por um erro de logística, por assim dizer, não havia essa
possibilidade. Como ela me procurou, imagino que fui eu que acabei indo parar no lugar errado.
E se ela tivesse usado uma abordagem mais direta, tipo dizer logo de cara que eu devia vir para cá e conhecer o amor de minha vida, eu tenho certeza que teria dito “vá te catar!” e fugido como uma doida. Eu não pensava em amor, Ruggero, não queria me envolver.
Mas então eu te conheci e me conheci melhor. Descobri que eu queria sim, queria muito estar loucamente apaixonada. Beijei seu ombro. Ele sorriu um pouco.
- E voltar para o meu tempo também foi muito... Esclarecedor. Eu poderia ter seguido com minha vida se eu quisesse. A dor teria que diminuir depois de um tempo, ou eu me tornaria mais forte a ela, ou essas baboseiras que as pessoas dizem pra animar quem está sofrendo.
Só que eu não queria seguir em frente. Ficar longe de você me fez ter ainda
mais certeza de onde eu realmente queria estar.
Você não pode imaginar o estado em que eu fiquei quando vim até esta casa e a encontrei mudada, envelhecida, vazia, o Jonas me mostrou sua carta e os quadros, mas eu...
- Minha carta? Inquiriu, tão surpreso, que eu tive que rir.
- Você escreveu uma carta pra mim. Acho que quando tinha trinta anos.
- Escrevi? E o que eu escrevi nela? Indagou surpreso.
- Pensei que fosse morrer de tristeza naquele dia. Eu disse, sacudindo a
cabeça.
- Você escreveu que ainda me amava, que ainda me esperava, que estava tentando fazer uma máquina do tempo! Depois, Jonas me contou o que tinha acontecido com você. Foi o pior dia da minha vida, juro que desejei estar morta pra não ter que ouvir aquilo!
Sacudi a cabeça, a lembrança ainda fazia meu peito doer.
- Nunca mais diga isso! Não posso sequer imaginar que você... Nunca mais repita isso! Ralhou, o rosto sério. Então, uma pequena ruga surgiu em seu cenho.
- O que foi que aconteceu comigo?
- Não importa mais! Não vai mais acontecer. Eu nunca mais vou sair do
seu lado! Ele beijou minha testa.
Tentei distraí-lo com assuntos mais leves.
- Sabia que eu conheci o seu sobrinho-neto. Sobrinho -tataraneto.
- Meu sobrinho?
- Ele é um cara muito bacana. Tem o sorriso de Malena.
- Você conheceu... O neto... De Malena? Perguntou descrente.
- Tataraneto. Maluco, né? Ri.
- Ela se casará, então? Também sorriu.
- Sim. Eles se apaixonaram no... Quer saber? Acho melhor as coisas seguirem seu rumo. Não quero interferir em mais nada. Ela será feliz, é o que importa certo? Ele assentiu e depois voltou a ficar sério.
- O que foi? Perguntei tocando seu rosto.
- Lembra-se da última vez que dançamos? Me observou com olhos
intensos.
- Claro que sim. Me lembrava de absolutamente tudo, até mesmo da
cor rosada do pôr-do-sol.
Não entendi a expressão de seu rosto. Era uma lembrança feliz.
- Lembra-se que lhe fiz uma pergunta? Seus olhos fulguraram nos meus.
Ah! Isso!
- Lembro. Murmurei incapaz de desviar meus olhos.
- Não podemos viver dessa forma, Karol! Não posso viver sob o mesmo teto que você desse jeito. Não é honrado de minha parte. Arruinaria a sua reputação e a de Malena.
- Oh! murmurei. Meio insegura.
Não tinha pensado nisso.
- Posso... viver na pensão por um tempo até conseguir um trab...
- Não foi isso que eu disse.
Ele me interrompeu, sacudindo a cabeça.
- Você não entendeu! Não quero que seja minha amante.
Meu coração se transformou numa britadeira assim que entendi o que ele me dizia.
- Quero que seja a dona desta casa, assim como já é de meu coração.
Quero que seja oficialmente minha e que todos saibam que existe uma nova
Senhora Pasquarelli.
- Ah, pelo amor de Deus! É mesmo necessário me chamar de Senhora Pasquarelli? Me faz parecer uma velha de sessenta anos! E nem pense que vou
chamar o meu marido de Senhor Pasquarelli! Acaba com o tesão de qualquer uma!
Ele arqueou as sobrancelhas.
- Se você está pensando em me pedir em casamento, acho melhor excluir essa coisa de senhor e senhora do acordo.
- Não quer ser minha esposa, então? Vi a dor cruzar seu rosto.
- Não! Quero dizer, sim! Ele piscou confuso. Tentei ser mais clara.
- Claro que eu quero ser sua esposa, Ruggero! Mas não vão me chamar por aí de Senhora Pasquarelli. Não vão mesmo! Já vou ter que usar aqueles vestidos
gigantes e me virar até que você me ajude com o projeto do banheiro, então, vê se não complica ainda mais as coisas pra mim. Acho justo que você também sacrifique alguma coisa.
De jeito algum eu iria me transformar na Senhora Pasquarelli! Depois o quê, me
preocupar se a fita combinava com o vestido? Nem pensar!
- Entendo. Então, supondo que eu consiga fazer com que as pessoas não
lhe chamem de Senhora Pasquarelli, aceitaria se casar comigo, senhorita?
Ele tentou bravamente não sorrir. Parecia estar se divertindo muito.
Pensei por um segundo.
- E se você me ajudar a construir o banheiro! Esclareci meus termos.
Ele deliberou por um momento, tentando manter a fachada de negociante, mas os cantos de sua boca teimavam em subir.
- Muito justo!

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