Não. Não estava exatamente tudo igual. Vários quadros haviam sido adicionados ao cômodo.
Por um momento, não pude me mover. Senti que meus pulmões não mais sabiam o que fazer.
Eu não conseguia respirar.
Quando finalmente consegui levar um pouco de ar para dentro, me aproximei da parede.
Eu estava no quadro, com o vestido rosa de Malena, uma flor presa no cabelo
trançado. Hesitante, levantei a mão, que tremia muito, para tocá-lo, exatamente como fiz na noite em que o vi primeira vez. Nenhuma voz pediu para que eu não tocasse a tela porque borraria.
O rasgo em meu peito sangrou.
Então, ele terminou o quadro que vi em seu quarto na noite em que fizemos amor.
A noite mais mágica de minha vida.
Toquei a tela, tentando sentir com as pontas dos meus dedos os lugares exatos onde os seus haviam estado.
O quadro era lindo.
Ele me retratou de forma deslumbrante. Muito mais do que eu era na realidade.
O melhor Photoshop que já vi.
Lágrimas inundaram meus olhos, pisquei diversas vezes para que desobstruíssem minha visão e eu pudesse admirar as outras telas.
Meus olhos seguiram a sequência de retratos.
Eu estava em todos eles.
Eu na cama com o cabelo bagunçado e o lençol branco preso entre os
braços: a noite em que fizemos amor.
Eu na sala de música, com o vestido
de baile e olhos assustados: depois que contei a verdade a ele.
Meus tênis vermelhos num quadro pequeno onde apenas meus joelhos cobertos pelo vestido azul apareciam: o vestido era curto e os deixou à mostra. Eu com as costas nuas brincando na água fria do riacho: quase pude sentir os calafrios outra vez.
Muitos quadros.
A memória de Ruggero gravada nas telas. Ele se lembrou de cada detalhe meu, cada traço, cada curva, cada expressão.
Meu coração se espremeu ainda mais, até o ponto de latejar.
- Estes quadros foram feitos por meu tio-avô. Tataravô, Eles estão na família há sete gerações. O rapaz disse.
Não pude vê-lo, meus olhos não conseguiam parar de olhar tantas provas
do amor de Ruggero por mim.
- O que sabe sobre ele? Sussurrei.
- O que sabe sobre Ruggero?
- Bem... Ele não se espantou quando usei seu primeiro nome.
- O que meus pais me contaram, que souberam através dos seus, e assim por
diante...
Ruggero Pasquarelli se apaixonou por esta mulher, Karol Sevilla, e a retratou até o fim da vida, numa tentativa de não esquecê-la, eu acho.
Até o fim da vida.
Não pude conter o soluço.
- Ele tinha vinte um quando pintou este. Me virei para acompanhá-lo.
Eu sabia qual era o quadro.
- Ela estava lá. Minha tataravó a conheceu. Sua testa se enrugou.
- Mas ela desapareceu depois de alguns dias e Ruggeronão se recuperou.
- Não!
Não era um lamento, nem uma pergunta, era desespero e dor misturados com raiva, agonia e medo.
Nina me amparou.
- Respire, Karol. Apenas respire.
Ela pediu. Tentei obedecer, mas não
obtive muito êxito.
- Ele ficou obcecado por ela, a retratou até este aqui, quando tinha trinta e um. Continuou o rapaz, apontando para a outra parede.
Era um quadro branco, muito branco, apenas a silhueta escura de uma mulher envolta na luz branca.
Sua última lembrança. Nosso último
momento.
- Depois disso, adoeceu. E, como estava fraco demais por culpa de todo o álcool que ingeria, não conseguiu reagir e acabou...
- NÃO! Isso não podia estar acontecendo. Eu precisava acordar daquele pesadelo.
Tentei engolir e não consegui.
Senti meus joelhos faltarem. Nina me
segurou antes que eu caísse.
O rapaz a ajudou a me levar até a cama.
Respirei várias vezes. Eu não queria ouvir mais nada.
- Malena ficou arrasada com... Depois que o irmão se foi...
Meu corpo tremia muito, como se eu fosse partir ao meio.
- Ela viveu com o marido e os filhos nesta casa até o fim. Este quarto se tornou um tipo de herança, que o herdeiro se comprometia a não modificar, Malena dizia que um dia a garota voltaria, seu irmão insistia nisso.
Que um dia ela voltaria à esta casa.
A mão de Nina subia e descia por minhas costas.
- Ela foi feliz? Malena foi feliz? Sussurrei. Não tinha forças para nada.
- Sim. Muito feliz. Mesmo depois da m... Ela se casou com meu tataravô aos vinte anos. Eles se conheceram num baile.
Foi amor à primeira vista.
- Lucas? Mal pude ouvir o som de minha voz.
Mas o rapaz ouviu, sorriu e balançou a cabeça. Tentei sorrir também, mas acho que não consegui.
- Veja. Ele pegou um papel na mesinha de cabeceira, o livro de capa de couro ainda sobre ela.
- Esta é a carta que Ruggero deixou para a garota. Malena a guardava como um tesouro.
Olhei para o papel em sua mão e demorei pra entender que deveria pegá-lo.
Estava totalmente anestesiada.
Nina percebeu isso e pegou o papel,
colocando-o em minhas mãos logo em seguida.
Fechei os olhos e respirei algumas vezes. Meus dedos tremiam muito.
Desdobrei o papel antigo e manchado com dificuldade.
Sorri tristemente ao ver sua caligrafia perfeita escrita com minha caneta barata.
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Meu lugar
FanfictionA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...