Parte 3

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- Você as encontraria se as dobrasse ao invés de jogar tudo de qualquer jeito. Fiz uma careta.
- Mas não foi isso que eu perguntei.
Eu sabia disso. Sabia que perguntava sobre eles dois morarem juntos.
Não queria magoá-la e dizer que realmente achava uma péssima ideia, que toda essa baboseira de amor acaba assim que a rotina aparece. Que só servia pra vender revistas e livros e que na vida real, você sempre acabava sozinha com um buraco no lugar onde costumava ficar seu coração.
- Eu acho... Comecei cautelosa.
- Eu acho que se você vai ficar feliz...
Se vai te fazer feliz, eu também fico.
Ela pulou da cadeira e me abraçou forte.
- Obrigada, Karol! Você sabe o quanto é importante para mim que você goste da ideia. Você é a única que não detesta o Gaston.
Nina tinha brigado com seus pais logo depois que se envolveu com Gaston.
Obviamente, eles também não tiveram uma boa impressão dele e Nina se recusou a terminar o namoro, rompeu relações com os pais na mesma época em que perdi os meus, num acidente de carro fatal. Foi um período muito... Ruim. Nós nos apoiamos uma na outra e seguimos em frente.
Sendo justa, Gaston também me ajudou naquela época, nem sei o que teria acontecido se eu não tivesse os dois ao meu lado...
- Deixa disso!
Eu disse, tentando aliviar o clima, que subitamente ficou mais pesado.
- Vamos comemorar! Não é todo dia que uma amiga vai passar para o lado das seriamente comprometidas.
Ela me soltou e revirou os olhos.
- Ai, Karol! Às vezes, você fala como se casamento fosse uma sentença de morte.
E não era?
Viver em função de uma só pessoa, como se sua vida apenas tivesse sentido se ela estivesse por perto? Acordar e olhar para a mesma pessoa todo santo dia!
Sexo com uma única pessoa pelo resto da vida! Ter que cuidar da casa, do marido, dos filhos, do cachorro, trabalhar... Não era um tipo de sentença de escravidão, pelo menos?
Eu não entendia o que levava uma pessoa lúcida a se casar. Se bem que a
maioria delas não parecia gozar de sua plena sanidade quando estavam
apaixonadas.
- Não é! Ela afirmou, provavelmente vendo a descrença estampada em
meu rosto.
- Tenho esperanças de que você encontre o cara certo um dia desses, sabia? Já está na hora de viver uma história de amor de verdade e esquecer as dos livros. Acho que vai ser divertido ver como você vai se sair quando se apaixonar pela primeira vez.
- Eu já me apaixonei uma vez! E não tem nada de errado em gostar de ler histórias de amor, pelo menos nos livros elas tem finais felizes! Não machucam ninguém. Não gostei do rumo que a conversa tomava.
- Ah! Não! Você não se apaixonou, não!
- Claro que me apaixonei! Você sabe disso.
Estávamos na faculdade. Já éramos amigas na época. Ela esteve do meu
lado quando me envolvi com Michel.
Um desses idiotas que sabe-se-lá-por-
quê acabei me apaixonando.
- Você não se apaixonou por Michel. Você gostava dele, sentia atração por ele, mas não amor. Ela pegou um amendoim e mastigou.
- Se você o amasse de verdade, não teria ficado tão tranquila como ficou quando o
flagramos aos beijos com a Denise.
Ela se recostou na cadeira, o rosto
triunfante.
- Só porque não fiquei chorando pelos cantos por décadas não significa que não estivesse apaixonada! Eu fiquei arrasada sim! O que você queria que eu fizesse? Que me atirasse da ponte? Se ele quis outra garota, paciência. A fila anda! Levei o copo a boca, mas estava vazio.
Droga!
- Exatamente! Se realmente estivesse apaixonada, a fila demoraria um pouco mais para começar a andar. E você ficou arrasada por que foi trocada por outra, não por perdê-lo. Desista, Kah. Não vai conseguir me convencer, quando se, apaixonar de verdade, me dará razão.
Não fazia sentindo começar uma discussão com Nina, ela não cederia.
E nem eu. Suspirei derrotada.
- Preciso ir a o banheiro.
O chope precisava sair! E eu queria que o
assunto morresse.
- Pede mais uma rodada pra gente comemorar.
Eu não estava bêbada, não muito, dei algumas tropeçadas no caminho, mas isso até era meio normal pra mim.
Eu apenas estava um pouquinho mais devagar que o normal, tipo em câmera lenta.
Entrei no banheiro lotado e esperei minha vez.
Praticamente me joguei dentro do banheiro quando a porta se abriu. Desabotoei rapidamente a calça, me equilibrei meio em pé, meio agachada, não havia condições técnicas pra me sentar ali! E... Ah! O alívio!
Foi então que ouvi um “ploct”.
Olhei para baixo bem a tempo de ver meu celular, com todos os meus contatos, minha agenda, minhas músicas, cair do bolso da calça, boiar por dois segundos e depois mergulhar dentro do vaso sanitário.

A luz do sol batendo em meu rosto me acordou.
Levei alguns segundos para entender onde eu estava.
Ai, minha cabeça! Quanto eu bebi ontem?
Olhei em volta com os olhos serrados, o sol fazendo minha cabeça latejar ainda mais. Ah! Meu sofá. Minha sala. Meu apartamento.
Fiquei deitada por mais um tempinho tentando, sem sucesso, fazer desaparecer a sensação horrível em meu estômago. Ainda estava com as mesmas roupas da noite passada, porém, sem os sapatos. Sentei-me lentamente, sentindo que talvez minha cabeça pudesse explodir em milhares de pedaços.
Fui até a cozinha e tomei dois copos grandes cheios de água e um analgésico talvez isso limpasse meu organismo e
diminuísse o barulho dentro da minha cabeça.
Deixei a água quente do meu super chuveiro cair em meu rosto, enquanto a
memória da noite anterior enchia minha cabeça latejante. Evidentemente, a
comemoração da qual o Gaston não tinha ideia do que fosse, ainda, mas que comemorou com muito entusiasmo mesmo assim tinha saído do controle.
Eu, claramente, tinha exagerado um pouco. Um pouco demais!
Mas não era todo dia que sua melhor amiga resolve ser a namorida de alguém, exatamente na mesma noite em que seu celular se afoga numa privada imunda.

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