Parte 35

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- Errr... você pode furar este coco para mim, não sei fazer isso.
Me desculpei, estendendo a fruta.
- Só preciso da água.
- Claro. Disse ela, desconfiada.
- Não sabia que a senhorita pretendia
cozinhar!
- Madalena, não vou cozinhar. Eu nem sei como fazer isso, já te falei! Assegurei a ela.
- Mas preciso fazer um pouco de condicionador pro cabelo.
Daqui a pouco, você pode me confundir com um leão e atirar uma panela de água quente em mim.
- Condicionador? Para o cabelo? Sua testa se enrugou. Suspirei.
- Sim, veja como está seco.
Preciso hidratá-lo ou vou acabar parecendo uma vassoura velha.
Enquanto ela abria o coco, adiantei meu trabalho.
Amassei meio abacate e uma banana, misturei bem até virar uma papa grossa. Madalena me passou uma caneca com a água, sob seu olhar curioso, fui adicionando o líquido aos pouquinhos e mexendo até que a consistência ficasse parecida com a de um condicionador de verdade, o cheiro era bom, muito melhor que o xampu com aroma de azeite.
- Pronto! Exclamei quando a meleca estava no ponto certo.
Madalena me olhava de um jeito estranho, parecia não entender o que eu
faria com aquele mingau esverdeado.
- Quer experimentar? Ofereci.
Ela ergueu o dedo timidamente, passou na papa e depois lambeu.
- Não, Madalena, no cabelo.
Quer experimentar para usar no cabelo?
Ela me lançou aquele olhar de “você é doida?” Revirei os olhos.
- Funciona assim, você lava o cabelo com o xampu. Depois de enxaguar, aplica uma quantidade mais ou menos assim... Peguei um punhadinho na mão.
- Espalha no cabelo e enxágua de novo, vai ficar macio e desembaraçado.
Ela não pareceu convencida.
- Eu nunca ouvi falar disso!
- Eu sei! É por isso que eu tive que fazer! Poxa vida! As pessoas podiam se esforçar mais para me entender.
Eu não era louca.
- Vou deixar um pouco para você, fiz o bastante para duas. Você usa e amanhã me conta o que achou, certo?
Coloquei um pouco dentro de uma xícara, ela ainda parecia desconfiada. -Tudo bem, Madalena, se não quiser usar, não tem problema, mas eu realmente preciso tratar esta palha. Toquei meu cabelo ressecado, pensei
que poderia virar pó se o apertasse muito, de tão seco que estava.
- Vou preparar seu banho, senhorita. Disse ela, pegando o balde enorme.
- Obrigada, Madalena. De repente, me lembrei.
- Sabe aquele troço que os homens usam para se barbear?
- A senhorita se refere à navalha? Sua testa se enrugou.
- Isso! Preciso de uma. Pode me arrumar?
- Vou pegar uma do patrão.
A desconfiança em sua voz foi mal
disfarçada.
- A colocarei na mesa de banho.
- Valeu, Madalena. Você é muito bacana! e sai, para não ter que explicar o uso da navalha.
Minhas pernas e minha virilha estão bem, obrigada! Graças ao meu depilador elétrico, mas minhas axilas...
Nunca consegui depilá-las com ele.
Os pelos precisavam ter um certo comprimento e eu não suportava deixar qualquer pelo ali.
Usava lâmina de barbear todos os dias. Assim que os pelinhos começavam a aparecer, coçava e irritava demais a pele delicada das axilas.
E desde sábado, eu não tinha uma gilete a mão. A situação estava crítica!
Me perdi no corredor, outra vez!
E acabei numa sala com alguns
instrumentos, lá estava o piano que Ruggero havia mencionado e uma grande harpa de madeira escura. Curiosa, passei delicadamente os dedos pelas Cordas. O som saiu mais alto do que imaginei que sairia.
Era um som agradável, ainda que não se parecesse com música, vi muitas partituras sobre o piano, daquele sem cauda, que parece uma escrivaninha quando está fechado, pena que eu não soubesse tocar! Um pouco de música me
ajudaria a acalmar os nervos e colocar meus pensamentos em ordem.
Voltei para o corredor e segui em frente até chegar à sala principal.
Estava vazia, Malena e Ana não deviam ter voltado ainda.
Não vi sinal algum de que Ruggero estaria por perto.
Daquela sala, ficava mais fácil encontrar meu quarto, já tinha feito o percurso várias vezes.
A banheira já estava quase cheia quando cheguei. Esperei que os empregados terminassem de arrumar tudo e os agradeci fervorosamente, agora eu sabia o quanto custava tomar banho.
Meus braços ainda doíam um pouco. Depois de lavar os cabelos, peguei meu condicionador caseiro e espalhei a
gosma esverdeada por todo o comprimento, exagerando um pouco.
Caprichei principalmente nas pontas ressecadas, enrolei os cabelos
empapados num coque meio solto enquanto usava a navalha afiadíssima.
Com muito cuidado, deslizei a lâmina sobre o local já ensaboado e uma pequena linha lisa apareceu.
Redobrei o cuidado nas curvas, não queria me machucar, principalmente porque não tinha certeza se o pronto-socorro já existia.
Terminei de usar a lâmina e a coloquei de volta na mesa.
Encostei-me na banheira e deixei meus pensamentos voarem, enquanto esperava que o condicionador fizesse milagres no meu cabelo, não tinha
desistido ainda de resolver o mistério livro-Ruggero-Santiago-celular.
Entretanto, não tive tempo de começar uma única linha de raciocínio, pois a porta de repente se escancarou, fazendo muito barulho e Ruggero irrompeu o
quarto como um touro bravo.
- O que está fazendo? Perguntou, me procurando com os olhos por todo o cômodo, quando me encontrou na banheira parou imediatamente.
- O que acha que estou fazendo? Estou tomando banho! Cobri os seios com as mãos, não conseguiria pegar a toalha sem me expor ainda mais.
Ruggero me encarou por um segundo, depois seus olhos desceram um pouco até onde estavam minhas mãos, sua boca se abriu e ele corou violentamente.
- O que você está fazendo aqui? Inquiri furiosa e constrangida ao mesmo tempo. Tentei me afundar mais na água esbranquiçada, mas não consegui descer muito.
- Eu... Ele olhava para os próprios pés agora o vermelho não havia deixado seu rosto.
- A Senhora Madalena... Disse-me que a senhorita pediu uma navalha e eu pensei... Pensei que depois do que lhe fiz esta tarde... Seu constrangimento o impedia de falar claramente, levei alguns
segundos para entender sua quase explicação.
Oh!
- Você pensou que eu tinha a intenção de... Me machucar só porque você me beijou?
- Bem... Ainda olhando para o chão.
- Perdoe-me, senhorita Karol, é que já ouvi falar sobre jovens que...
- Pois eu não sou desse tipo. Nem sou covarde! Se bem que naquela mesma tarde, eu agi como uma.
- De toda forma, eu precisava da navalha
para... assuntos particulares, e agora, se me der licença...
- C-claro, senhorita. Ele olhou rapidamente para meu rosto, voltou a
olhar para o chão e depois de volta para mim, seus olhos analisavam minha cabeça curiosamente.
- Por que seu cabelo está verde?
Por puro reflexo, levantei a mão e toquei meu cabelo cheio de gosma verde.Ai! Droga!
Com a confusão, acabei me esquecendo do condicionador.
Claro que as heroínas dos meus romances, quando eram surpreendidas por seus... Amores, amantes, cachos, ficantes ou o que fosse, sempre estavam
naturalmente deslumbrantes e gloriosamente vestidas.
E lá estava eu, ensopada, nua e com o cabelo verde e gosmento.
Minha mão ainda estava em meu cabelo, quando vi Ruggero ruborizar ainda mais e arregalar os olhos, os baixando logo em seguida.
Percebi que a parte do corpo que minha mão cobria até segundos antes estava totalmente exposta.
- Fora! Gritei ultrajada.
Ainda olhando para o chão, ele se inclinou e, sem dizer uma palavra, deixou meu quarto.
Meu rosto ardia de humilhação, porque sempre que era importante, eu acabava numa situação embaraçosa?
Terminei o banho, furiosa e mortificada. Não só havia beijado Ruggero, como
depois chorado, fugido e agora ele havia me visto nua, realmente nua, não com as roupas que insistia que não cobriam nada, e pra piorar, com o cabelo coberto de meleca verde.
Poderia ficar pior?
Descobri que sim, podia ficar pior!
Logo que cheguei à sala percebi que podia ficar muito pior.

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