Demorei a pegar no sono naquela noite, em parte por que Ruggero não saia da
minha cabeça, ainda sentia meu corpo se arrepiar apenas com a lembrança do cheiro de sua pele, e em parte porque não tinha tomado banho.
Fiz uso da água do jarro para lavar apenas o essencial e mais nada.
Custei a dormir.
Entretanto, meu sonho foi muito real naquela noite.
Ruggero e eu estávamos em casa, na minha casa, ele sentado no sofá e eu deitada, minha cabeça em seu colo. Conversamos sobre coisas banais e sua mão brincava em meus cabelos.
Uma música suave coloria a cena, foi tudo tão real que eu podia dizer até o nome da música que ouvi em meu sonho.Acordei cedo outra vez, não sei se devido ao sonho estranho ou se pelo incômodo. Mas, já que estava desperta e o sol havia nascido, decidi sair da cama.
Juntei os apetrechos de banho e minhas roupas, minha saia e regata, e saí sorrateiramente.
Não encontrei ninguém na cozinha ou nos corredores, imaginei que ainda fosse muito cedo para que os empregados estivessem por ali.
Segui o caminho que Ruggero e eu fizemos no passeio do outro dia e assim que cheguei ao rio procurei em todas as direções por algum olho curioso, mas eu estava sozinha.
Deixei a trouxinha perto da margem do rio e me despi, pensei em entrar na água aos poucos, mas imaginei que ainda estaria um pouco fria, o sol ainda era fraco.
Então dei um impulso e mergulhei na água cristalina.
Caramba!
Gelada! Gelada! Gelada!
Minha respiração se acelerou e me arrepiei inteira, batendo os dentes, alcancei a trouxinha e comecei meu banho, quanto mais rápida eu fosse,
mais rapidamente sairia da água fria. Contudo, depois de alguns minutos, meu corpo foi se habituando com a temperatura da água e pude aproveitar
melhor meu banho.
Não me lembrava da última vez que tinha tomado banho de rio, talvez quando ainda era criança, a suave correnteza brincava em minha pele e, depois de me sentir limpa, realmente desfrutei o rio.
Tanto que realmente estava brincando exatamente como uma criança jogando água pra cima e tudo!
Quando Ruggero me encontrou.
- Você é impossível! Censurou, me assustando.
- Ruggerooo. Gritei, afundando na água o mais rápido que pude, mas pela sua
cara constrangida, tive plena certeza de que ele tinha visto bem mais que meus belos olhos verdes.
Era a segunda vez que ele me via tomar banho.
Pelo menos dessa vez meu cabelo não estava verde, me consolei.
- O que está fazendo aqui?
- Pretendia lhe fazer a mesma pergunta. O que faz aqui tão cedo,
desacompanhada e...
Ele olhou o vestido jogado no chão.
- Sem seu vestido?
- O que parece? Estou tomando banho, não deu pra notar?
- Notei sim. Lá da estrada! Seu sorriso me perturbou, não sabia se era irônico ou desgostoso. Mas, com certeza, não era um sorriso feliz.
Ai, droga!
- Você devia ter pedido aos criados para que lhe preparasse o banho.
Não é seguro, tampouco apropriado, que esteja aqui nestas condições.
- Acontece que dá muito trabalho tomar banho por aqui, sabia? Já tentou preparar seu próprio banho alguma vez? Sua testa se enrugou.
Claro que ele nunca tinha feito isso.
- E pare de chamar seus empregados de criados, é irritante, grosseiro e ofensivo!
- Perdoe-me, senhorita, mas acho que não a compreendi.
- Você me entendeu sim! Pare de dizer que são seus criados.
São seus empregados. Seus funcionários. É tão ridículo se referir a eles dessa forma!
Ruggero não sabia se ria ou se ficava irritado.
- Por que se importa com isso? Questionou.
- Por que eu também trabalho! Se meu chefe se referisse a mim como sua criada, eu te juro que arrancaria as tripas dele pela orelha! Ruggero tentou não rir do meu pequeno discurso trabalhista, mas acabou gargalhando alto. Só então me dei conta que Storm estava ali também.
- Ele fugiu outra vez? Perguntei sem pensar.
- Não. Estamos tentando uma caminhada amistosa. Ele passou a mão no pescoço do cavalo.
- Estou tentando me tornar seu amigo.
- Ruggero, olha só, eu preciso sair daqui antes que minha plateia aumente.
Ergui apenas uma sobrancelha.
- Será que poderia se virar, por favor?
- Certamente, senhorita. Eu a deixaria sozinha se tivesse certeza de que nenhum rapazote fosse aparecer por aqui e... Ele se virou e terminou com a voz mais baixa.
- Imaginar tolices.
- Engraçado. Eu disse, me erguendo na margem e me embrulhando com o pano-toalha.
- Não é que você tem razão! Tem mesmo um rapazote que insiste em me ver tomando banho! Já fez isso duas vezes!
- Não era minha intenção... Ele começou e depois se virou rapidamente para me olhar nos olhos.
- Quem é um rapazote?
Seu rosto indignado. Ele estava ofendido.
- Você, quem mais? Apertei mais firme o pano-toalha, mas senti que se grudava em cada curva de meu corpo conforme absorvia a água, rezei para que não revelasse nada mais.
- Sou homem há muito tempo! E, se não estou enganado, até já lhe provei isso.
Eu corei. Lembrei-me com muita clareza de seus beijos na carruagem, das carícias, da rigidez...
- Obrigada por lembrar. Agora, vire-se para que eu possa me vestir.
Ele fez o que eu pedi e se calou.
Vesti minhas roupas mesmo ainda estando muito molhada.
Não me importei.
Passei o pano nos cabelos e os desembaracei com os dedos, juntei minhas coisas na beira no rio.
- Desculpe-me, senhorita, eu não tinha a intenção de ofendê-la. Disse ele, ainda de costas.
- Tudo bem. Retruquei, sentindo exatamente o oposto.
Caminhei até ele e atirei minhas coisas com pouco cuidado.
- Já que está aqui, então seja útil, pelo menos.
Ruggero me deixava muito perturbada, às vezes, eu queria beijá-lo e nunca mais
parar e às vezes, queria esganá-lo!
Seus olhos arregalados me examinaram minuciosamente.
- Por que não está vestida?
- Mas eu estou vestida. Abri os braços para que visse
- Não está, não? Coloque o vestido de volta. Ele ordenou.
- Não quero que algum moleque mal intencionado te veja vestida dessa forma.
Tirou o vestido da pilha que eu havia lhe entregado e o estendeu para que eu
o pegasse.
- Eu. Estou. Vestida! Além do mais, tenho certeza de se você me viu da estrada, sabe muito bem diferenciar quando estou nua e quando estou vestida, não sabe?
Ele corou, confirmando minhas suspeitas.
Respirei fundo e comecei a andar. Brinquei com o cavalo quando passei por ele. Ruggero me seguiu.
- Não quero que ninguém a veja vestida assim. Por favor, senhorita?
Ele me estendeu o vestido outra vez, seu rosto suplicante.
- Não se preocupe, Ruggero.
Assim que eu entrar em casa, colocarei um vestido limpo, não o trouxe porque achei que acabaria cheio de lama, já
que se arrasta no chão.
Não precisa ficar preocupado, não vou envergonhá- lo! Assegurei a ele.
Ele sacudiu a cabeça.
- Não é com isso que estou preocupado. Só não quero que outro homem...
Ele parou, parecia que iria sufocar se não dissesse as palavras.
- O que? Incitei.
- Não quero que outro homem possa vê-la usando estas roupas, elas deixam muito pouco para a imaginação! Falou, olhando para os próprios pés.
- Você não quer... Lentamente, meu cérebro juntou suas palavras e as associou de forma engraçada.
- Você está com ciúmes?
- Na verdade, estou sim. A voz baixa e acanhada deixou ainda mais irresistível. - Creio que já sabe que eu a estimo muito.
Mesmo sabendo que era errado de muitas formas, não pude deixar de
sorrir, aproximei-me dele com cautela, pronta para fugir caso seus braços
começassem a me rodear e beijei sua bochecha delicadamente.
- Também gosto de você, Ruggero.
E assim como eu sabia que faria, seus braços encontraram o caminho em minha cintura, mas dessa vez fui mais rápida e disparei correndo para a casa. No entanto, depois de ter corrido apenas alguns metros, me virei para vê-lo, ainda parado no mesmo lugar, feito uma estaca. Seu rosto desconcertado.
- Você nem faz ideia do quanto!
Eu disse, sem conseguir me conter, e ele sorriu em resposta, recomeçou a andar e eu me pus a correr outra vez.
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Meu lugar
FanfictionA garota da cidade grande, independente que gosta de praticidade, tudo para ela tem que ser moderno e que não dê trabalho. Mas vê sua vida virar de ponta a cabeça e embarcar em uma grande batalha para alcançar sua liberdade o que ela não sabia é que...