Parte 25

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Malena escolheu o modelo do meu vestido de baile e eu mal prestei atenção
quando ela me mostrou o tecido, branco, ela insistiu.
Minha cabeça girava violentamente, eu estava certa. Tinha mais alguém ali. Alguém que no momento não estava exatamente ali, não no vilarejo, onde eu poderia facilmente abordá-lo e que, provavelmente, estava em algum outro lugar procurando como sair daquele pesadelo.
- Notei que não usa sua crrinoline, chérrie. Madame Georgette sussurrou quando estávamos de saída.
Crinoline?
- Você está falando daquela coisa que se parece com uma gaiola? de todos os objetos que Madalena me entregou junto com o vestido, a gaiola era a única que eu não sabia o nome.
Ela assentiu, gargalhando.
- E nem vou usar! Não conseguiria nem me sentar usando aquele troço.
Não consigo acreditar que vocês usem de verdade! Madame Georgette explodiu uma estrondosa gargalhada, seu rosto vermelho de tanto rir.
Aos poucos, conseguiu se controlar o suficiente para me dizer:
- Manterrei isso em mente quando estiver trrabalhando no seu vestido.
- Ah! Valeu, madame Georgette seria muito bacana! quem sabe, se minha saia fosse tão imensa quanto as das outras mulheres, as pessoas parariam de me olhar de forma estranha.
Da mesma forma estranha que me
olhava a madame agora.
- Karol tem uma forma de falar um pouco diferente da nossa, madame
Georgette. Ela é de longe! Esclareceu Malena, sorrindo para mim.
- Muito diferrente!
Olha quem está falando!
- Au revour, mademoiselles Vemo-nos em brreve.
- Até. Disse Ana.
- Até logo. Cumprimentou Malena.
Eu não disse mais nada, apenas acenei um tchauzinho bem rápido e sai.
Obriguei Malena e Ana a andarem pela vila até chegar perto da tal pensão.
Um prédio antigo que precisava de uma mão tinta com urgência.
Ficava numa esquina, uma placa de madeira, com o nome da pensão entalhada nela, pendia sobre a porta estreita e alta.
Observei atentamente as pessoas que vi, especialmente os homens, já que agora sabia pelo menos que era um homem, mas, obviamente, ele não estava ali. Ninguém diferente das pessoas que eu conheci até então. Ninguém que se
comportasse como eu.
Fui obrigada a suportar o percurso de quinze minutos dentro da carruagem.
Ana não calou a boca um único minuto.
- Que coisa estranha, não é? Duas pessoas assaltadas e praticamente no mesmo dia! Oh! O que a guarda está esperando? Por que não capturam esses bandoleiros de uma vez? Não posso acreditar que estejam muito longe. Não acha que tenho razão, senhorita Karol? Ela agora olhava para mim.
- Se conseguisse se lembrar ao menos de como eram os rostos dos agressores e relatasse aos guardas, talvez os encontrassem mais depressa. Ela não me deu chance de explicar que eu não poderia ajudar.
Que não vi rostos porque não havia rostos. Apenas um rosto, e eu tinha certeza que ela estava em algum lugar em 2010, curtindo com a minha cara e fazendo vodu para algum outro otário desavisado.
- Vou pedir ao meu pai que contrate mais criados. Deus sabe se não estão atrás de...
Seu tagarelar continuou e tentei me desligar dele, de fato, não ouvia o que
ela estava dizendo, mas aquele zumbido irritante ao fundo me impediu de pensar claramente.
Assim que chegamos, corri até o quarto e, com desânimo, vi meu celular desligado como sempre.
Pensei que haveria alguma coisa ali, uma
mensagem ou outra coisa, afinal, eu estive na vila.
Na mesma vila em que estive na manhã anterior. Então, por que agora não havia nada?
- Malena se importa se eu for visitar Storm? Eu queria vê-lo outra vez.
Na verdade, queria ficar sozinha e pensar.
- É claro que não, senhorita Karol. Estaremos na sala de leitura. Poderá nos encontrar lá mais tarde.
- Beleza. Concordei tentando sorrir.
Desci até os estábulos, distraída.
Eu ainda não entendia o que estava
acontecendo, e precisaria da ajuda de Ruggero, mais uma vez, precisaria que me levasse até a vila no dia seguinte para confirmar se o tal cara já tinha voltado e se tivesse, tentar descobrir o que sabia. Storm estava solto no estábulo, parecendo feliz com a liberdade.
Aproximei-me da cerca e fiquei observando o cavalo correr mais rápido
quanto corriam os meus pensamentos.
Por que eu estava ali afinal?
Qual o motivo real daquela brincadeira de mau gosto? Esse homem também tinha comprado um celular da mesma
vendedora?
Também tinha queencontrar algo? Procurava pela mesma coisa que eu procurava? Seria uma caça ao tesouro e quem o encontrasse primeiro voltaria pra casa? Ele fazia alguma ideia do que seria “essa coisa” pelo menos?
Storm interrompeu minha concentração quando se aproximou.
Chegou tão perto que eu podia tocá-lo.
- E aí cavalinho, curtindo a liberdade? Claro que ele não respondeu. Só estava faltando isso: cavalos começarem a falar. Estiquei meu braço e toquei o pelo brilhante. Ele bufou, mas achei que foi de contentamento.
- Por acaso, você não viu por aí uma máquina do tempo, viu? sussurrei.
- Imaginei que não. Mas, se de repente você encontrar uma, não esquece de me avisar! Continuei a acariciá-lo e sorri.
Eu estava contando meus problemas a um cavalo!
- A vida aqui é bem diferente, não é? Se bem que talvez vida de cavalo seja igual em todo lugar. Você é um cavalo de sorte. Não tem que puxar carroças, nem leva chicotadas. Aposto que até deve ter muitas éguas de olho em você...
- Parece que já são bastante íntimos. Uma voz ao fundo respondeu.
Virei-me bem a tempo de ver Ruggero se aproximando, antes que eu pudesse
fantasiar que tinha sido o cavalo que me respondera.
- Se já estão falando sobre relacionamentos amorosos. Ele sorria.
- Storm é um amigo muito bom. Brinquei. - Fala quase nada e me escuta sem reclamar. Um amigo muito compreensivo. Ele parou ao meu lado e também acariciou o cavalo.
- Storm, creio que você tenha uma fã. falou, me observando, com certeza para ver minha expressão ao ouvi-lo usar a palavra que eu havia ensinado a ele.
E realmente fiquei surpresa. Meu rosto não escondeu isso, Ruggero riu.
- Como foi na vila? Conseguiu encontrar algum vestido? Perguntou, ainda alisando o pelo de Storm.
- Encontrei. Valeu, Ruggero, não precisava fazer isso. Eu disse, um pouco
desconfortável.
- Não precisava! Eu quis fazer.
Ele parecia muito satisfeito por eu ter
aceitado seu presente.
- Como foram seus negócios? Inquiri tentando puxar conversa.
- Excelentes. Entendemo-nos rapidamente. Parei de alisar o pescoço do cavalo por um instante. Storm sacudiu um pouco a crina quando parei, como se dissesse: Continue, não pare!
- Encontrei mais coisa lá na vila. Voltei a acariciar Storm, mas olhava para Ruggero de esguelha.
- Não me diga que encontrou a tal pessoa que está procurando! Ele não gostou da notícia.
- Mais ou menos. sussurrei.
- Tem um cara que diz ter sido assaltado
e está numa pensão. Ele não estava lá hoje, saiu cedo para fazer alguma coisa importante. Arqueei uma sobrancelha sugestivamente.
- Que coisa é essa? Ele também sussurrou.
- Não sei. Mas acho que talvez esteja tentando encontrar uma forma de
voltar pra casa.
- Acredita que ele saiba como fazer isso, senhorita? Seus olhos intensos me observaram atentamente.
- Talvez sim, talvez não. Mas ele deve estar tentando. É o que eu estou fazendo, não é? Tentando encontrar um jeito de voltar.
- Certamente. Depois de alguns segundos acrescentou: - Posso perguntar por que estamos sussurrando? Endireitei-me na cerca.
- Não sei! Eu ri, Ruggero também.   -Pretendo ir até lá amanhã para ver se
ele já voltou de viagem.
- Irei até a vila amanhã, se quiser me acompanhar será...
- Eu quero! Interrompi, tirando as mãos do cavalo e agarrando seus braços numa euforia desenfreada.
Nossa! Quem poderia imaginar que Ruggero teria os braços tão definidos e
fortes e...
Tirei as mãos dele rapidamente e recuei. Fiquei constrangida por tê-lo tocado daquela maneira e ainda mais constrangida por ficar fantasiando sobre seus bíceps expostos numa camisa de mangas curtas.
- Desculpa, Ruggero. Eu me empolguei. Não consegui olhar para ele, fitei o
chão.
- Não se desculpe, senhorita.
Sua voz estava mais alta que o normal.
- Já percebi que seus costumes são diferentes, não há razão para se desculpar.
Não pude ver sua reação, mas sua voz parecia perturbada, tive medo que ele pensasse que eu estava me insinuando para ele, ainda mais depois da conversa que tivemos sobre casamento.
Tentei me recompor, afinal, eu era uma garota do século vinte e um, pelo amor de Deus!
- Você... hã... Tem muitos arrendatários? Perguntei a primeira coisa que me veio à cabeça.
- Não muitos. Sua voz mais composta agora. - Apenas alguns em pequenas propriedades
- É disso que você vive? Sua renda, quero dizer.
- Disso também. Meu pai nos deixou um patrimônio bastante generoso.
Mas me dedico mais aos cavalos. É o que eu gosto de fazer.
- Você vende os cavalos?
- A maioria deles. Criamos cavalos muito bons aqui. A família real já comprou diversos deles, aliás. Disse orgulhoso, cruzando os braços sobre o peito e atraindo meus olhos novamente para seus bíceps. Mesmo sob o casaco, eram bastante generosos. Como não notei isso antes?
- Então é por isso que tem tantos deles. Eu fiquei pensando o porquê de tantos músculos. err... cavalos se você só tem uma carruagem... Meu rosto ardeu.
- Nós criamos e treinamos até que eles estejam prontos, depois os vendemos.
É um ramo muito lucrativo e extremamente prazeroso
- Eu imagino que sim. Espiei pelo canto do olho e vi que ele tentava não olhar em minha direção, sem muito sucesso. Fiquei ainda mais nervosa. Minhas mãos começaram a suar.
O que estava acontecendo com meu corpo?
- Eu gosto disso, senhorita Karol. Gosto de criar animais.
É muito maisgratificante que uma plantação de café. Ruggero se aproximou mais de onde eu estava.
- Não imagina como fico feliz em poder dizer que meu estábulo está cheio de potrinhos e que logo se transformarão em garanhões puro sangue que servirão a muitas famílias.
- Ga-garanhões? Gaguejei estupidamente, recuando, um passo. A palavra não tinha a mesma conotação para ele que para minha mente suja.
- É claro que também criamos éguas, não dá para escolher. Sorriu.
Seu sorriso tão lindo me deixou sem equilíbrio.
- Mas os garanhões são os mais procurados.
- Ah! São mesmo! Concordei.
Tentei me acalmar e continuar conversando com ele normalmente.
O problema era que eu não conseguia me concentrar em nada, a rigidez de seus braços não me permitia pensar em mais nada que não fosse arrancar sua camisa, deslizar meus dedos nas curvas de seus músculos...
- Acho que vou entrar, Ruggero se não se importar. Malena está me esperando na
sala de leitura. Eu disse apressada.
- Eu a acompanho até lá. Ofereceu educadamente.
- Não! Gritei. - Não precisa. Eu sei chegar lá. Fica aí com Storm, ele deve estar precisando de... de... alguma coisa de cavalo.
Ótimo. Meu cérebro virou geléia!
- Tudo bem. Respondeu lentamente.
- Me permite lhe fazer uma pergunta?
- Manda. Eu estava perturbada.
Minha cabeça girava com a confusão
de sentimentos que eu sentia. Ruggero ficou confuso também.
- Faz a tal pergunta. Expliquei.
Já estava ficando cansativo ter que explicar todas as palavras que saiam de
minha boca.
- Fiz alguma coisa que lhe desagradou? Perguntou ansioso.
- Não. Assegurei a ele, nervosa.
- Então, por que está fugindo? Ai, droga!
- Eu? Fugindo? Que ideia! Ele tinha notado. Claro que tinha notado.
Será que notou meu constrangimento depois que o toquei?
Pior! Será que notou a... curiosidade que surgiu em meu rosto quando o toquei?
Ainda pior! Será que as fantasias em minha cabeça estavam nítidas também
em meus olhos? ARGH!
- Eu mal cheguei aqui e você se apressa em voltar para a casa. Pareceu- me que estava se divertindo com Storm e, de repente, ficou tão nervosa!
Por que não fica um pouco mais Podemos conhecer o resto da propriedade, acredito que irá gostar muito e o passeio nem é tão longo...
- Não dá. Eu tenho mesmo que voltar. Prometi a Malena. Quem sabe outra
hora? E sai apressada, sem me importar com o que ele iria pensar disso.

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