Parte 37

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- Sim. Eu e você. Disse lentamente.
-Ana e Malena certamente também irão. É uma peça muito aclamada.
La Cenerentola, de um jovem músico, Rossini. Já ouviu falar dele?
- Acho que não. Não sou muito de ópera. Ele já sabia disso.
Ele esperou. Depois de um tempo desistiu.
- Tem certeza que não prefere convidar Valentina? Ela com certeza saberá quem é esse tal Rossili.
- Rossini. Corrigiu, tentando não sorrir e não obtendo sucesso.
- Apesar de suas negativas, senhorita tenho a impressão de que está com ciúmes da senhorita Valentina.
Ele ergueu a mão quando tentei protestar, dando um passo a frente para se aproximar outra vez e colocou um dedo sobre meus lábios.
- Não precisa se dar ao trabalho de negar, acho que já a conheço bastante
bem para saber que jamais admitiria tal coisa. E não há motivo para se sentir enciumada, posso lhe garantir!
Meu corpo reagiu imediatamente ao seu toque, e, pelo que vi em seus olhos, o dele reagia igualmente.
Totalmente sem controle.
Eu quis dizer a ele pra ir embora.
Eu quis! Mas meus lábios não responderam ao comando, não porque o dedo sobre eles me impedisse, mal me tocava, exercia uma suave pressão, mas porque eu simplesmente não era capaz de falar coisa alguma.
E não pude dizer mais nada, pois uma grande parte de mim queria mandar tudo pro inferno e se agarrar a ele.
Instantes depois, Ruggero delicadamente acompanhou o desenho de meu lábio
inferior com o dedo.
Pequenos tremores abalaram minha estrutura, e então, de repente, sem mais nem menos, se afastou novamente. Fiquei desnorteada, sem equilíbrio.
- Desculpe-me. Isso não irá se repetir.
Eu prometo. Afirmou constrangido.
Eu não sabia se ria da situação ou se chorava em desespero, ele estava me
dando o que eu pedi.
Estava mantendo distância.
- Ótimo! Menti, ainda ofegante.
Ruggero colocou as mãos no bolso da calça e, depois de hesitar, falou novamente.
- Então, me acompanhará amanhã?
A insegurança em sua voz me desarmou completamente.
- Se mantiver suas mãos longe de mim... Dei de ombros, para que soubesse que eu não me importava que não quisesse me tocar outra vez!
- Tudo bem. Já lhe prometi isso antes. Serei mais cuidadoso daqui em diante, lhe asseguro.
Vi seu rosto escurecer como uma nuvem de chuva através da fraca luz das velas.
A obstinação que vi nele não deixava dúvidas de que cumpriria sua promessa.
Assenti, frustrada. Eu não sabia mais o que queria...
- Boa noite, então. E peguei as maçanetas, começando a fechar a porta lentamente.
- Até amanhã, Karol. Ele sussurrou e, enquanto eu observava sua figura
desaparecer no corredor, senti que meu mundo, de pernas pro ar há alguns dias, desmoronava de vez.

Fiquei deitada na cama por um tempo, observando os desenhos da luz clara
da manhã, um gracioso balé de luzes brancas e quentes.
Meus olhos ainda ardiam um pouco, mesmo depois de ter dormido.
Engraçado que eu nunca fui esse tipo de garota, que chorava por qualquer coisa, mas era a primeira vez que eu me apaixonava de verdade.
Não sabia bem o que estava fazendo.
Eu queria muito sair da cama e encontrar Ruggero. E também não queria.
Sentimentos novos e contraditórios me deixaram tão desnorteada que eu nem me toquei que já era quarta-feira.
Isso significava apenas mais três dias até Santiago voltar com alguma notícia.
Só mais três dias.
Entretanto, não me animei muito com isso, na verdade, se deu justamente o
oposto, fiquei irritada e inquieta.
Sai da cama e me vesti apressadamente.
Olhei no espelho e vi que meu cabelo estava um pouco mais domado.
Fiz um rabo de cavalo e, depois de jogar água no rosto, saí dali com muita pressa. Não tinha tempo a perder, talvez fossem meus últimos três dias.
Estranho que certos desejos tivessem mudado tão depressa, no domingo passado, estava desesperada para sair dali o mais rápido possível, nem que fosse numa mula voadora.
E agora estava angustiada por ter tão pouco tempo para ficar.
- Senhorita Sofia, bom dia! O mordomo me interceptou no corredor, uma pilha de lençóis dobrados nas mãos e, ainda assim, conseguiu se inclinar exageradamente.
- Espero que esteja se sentindo bem hoje.
- Bom dia... Puxa, esqueci seu nome me desculpe. Fiquei constrangida.
Era muita falta de educação de minha parte esquecer o nome dele, mas eu
conheci tanta gente em tão pouco tempo e ainda tinha que assimilar toda essa nova situação com Ruggero...
- Gomes, senhorita, a seu dispor. Ele se inclinou novamente.
- Gomes. Repeti para tentar fixar na memória.
- Sabe se Malena já acordou?
- Sim, ela está na sala de jantar acompanhada pelo Senhor Pasquarelli.
- Valeu Gomes, vou até lá, tô varada de fome. Acabei dormindo sem comer nada ontem.
Ele apenas sorriu confuso.
Encontrei Ruggero e Malena à mesa, conversando animadamente.
- Bom dia, Karol! Está se sentindo melhor? Malena perguntou, preocupada.
Eu me senti mal por ter mentido para ela. Mas o que eu podia dizer? Malena,
tô saindo fora porque cansei de ver esta piriguete dar em cima do seu irmão.
Já te contei que estou apaixonada por Ruggero? Claro que não podia dizer isso. E Valentina não era realmente uma piriguete.
- Bom dia, Malena. Estou bem, obrigada. Olhei furtivamente para Ruggero
aparentemente minha presença não o importunou.
- Oi, Ruggero.
- Bom dia, senhorita.
Ele disse simplesmente, o rosto impassível.
- Onde está Ana? Perguntei a Malena.
- Voltou para casa para preparar o vestido para hoje à noite. Ah! Karol, que bom que está melhor! Assim, poderemos todos nos divertir hoje à noite.
Faz muito tempo que não vamos à ópera, não é, Ruggero?
Ele assentiu, os olhos em Malena.
- Acho que gostarão desta, ouvi falar muito bem dela, parece que fez muito sucesso na Europa há alguns anos.
Ruggero parecia o mesmo de sempre: educado, a voz calma, o sorriso no rosto.
Apenas os olhos estavam diferentes. Pareciam tristes, mesmo quando sorria.
- Está com fome, Karol? Malena esticou o braço, indicando a cadeira.
- A senhorita Karol está sempre com fome. Ruggero respondeu sem tirar os
olhos de sua xícara.
Um sorriso involuntário apareceu em meu rosto, ele estava realmente prestando atenção nas coisas que eu dizia.
- Na verdade, estou faminta! Concordei ainda sorrindo.
- Ainda bem que Ana não está aqui pra me encher o saco. Sou capaz de devorar um boi hoje!
Malena sorriu abertamente, exibindo as adoráveis covinhas, Ruggero tentou esconder o sorriso atrás da xícara, mas vi quando seus olhos se enrugaram nos cantos.
Servi-me de bolo, leite, café, um pão escuro e meio duro, mas muito saboroso e algumas frutas.
- Por que Ana precisa preparar o vestido? Não tinha entendido essa parte.
- É que ela não terá tempo para comprar um novo tão em cima da hora, então voltou para casa para que sua criada faça algumas alterações em um vestido.
Acho que ela o usou apenas uma vez.
Minha boca cheia de comida me impediu de perguntar imediatamente.
Engoli e, depois de tomar um pouco do leite, indaguei:
- Mas pra que tudo isso?
Quem se importava que o vestido já tinha sido usado. E apenas uma vez?
- Ora, senhorita Karol.
Apenas os mais nobres da sociedade vão à ópera. Penso que é a única maneira de mostrarem o quanto são ricos e importantes uns para os outros. Ela fez uma careta, isso a divertia.
- É o que penso!
E creio que já notou o quanto Ana adora uma desculpa para comprar um novo vestido!
- Isso eu notei!
Uma vez ou outra eu olhava furtivamente para Ruggero, que sempre estava olhando para qualquer outra coisa, menos em minha direção.
- Então, eu já entreguei meu vestido para Madalena engomar e um outro para que ela possa soltar a bainha e deixá-lo mais longo. O brilho em seus olhos me deixou inquieta.
- Você vai usar dois vestidos, Malena?
- Não. Apenas um. O outro você usará.
Seu sorriso se alargou.
- Ah! Não! Não mesmo! Minha voz alterada.
- Não vou acabar com seus vestidos e, além disso, Ruggero me comprou dois vestidos novos. E ainda tem aquele do baile! Não vou pegar outro vestido emprestado de jeito nenhum, ainda mais agora que estou tão perto de ir embora.
Duas cabeças se levantaram abruptamente.
- Perto? Ruggero indagou, sua testa vincada e seus olhos faiscando, a voz
apenas um sussurro.
- Bom... ainda não tenho certeza mas, se minhas suspeitas estiverem certas, acho que pode ser neste sábado, talvez domingo. Vi a tristeza invadir seus olhos. Seu rosto se retorcer em angústia.
Meu coração bateu dolorosamente mais rápido quando percebi quanto o magoou saber disso.
Ruggero sacudiu a cabeça lentamente, respirou fundo e, de repente, parecia não saber o que fazer.
- Eu... Hã... Perdoem-me, preciso... Preciso... Ele não terminou, apenas se levantou e saiu apressado.
Fiquei olhando até suas costas desaparecerem no corredor.
Eu queria correr atrás dele, abraçá-lo e dizer que tudo ficaria bem, e desejei muito, muito mesmo, que isso pudesse ser possível, que no final tudo ficaria bem de alguma forma, mas, apesar da estranha situação em que eu me encontrava, ainda era vida real e não um faz-de-conta. As histórias nunca terminam bem na vida real.
- Ele a estima muito... Falou Malena, também triste.
- Assim como eu... Queria que ficasse mais um pouco. Seu rosto delicado também estava infeliz, e eu detestava cada vez mais a bruxa vendedora por permitir que pessoas como eles dois ficassem tristes.
- Também gosto muito de vocês, Malena. Demais, na verdade, mas não posso ficar. Eu nem deveria estar aqui, pra começo de conversa. Minha voz baixa e sufocada pela tristeza que me invadiu.
- Queria poder dizer que nos veremos de novo, mas nem isso será possível.
Será adeus pra valer.
Seus olhos brilharam e notei, com horror, que os meus também estavam
úmidos.
- Bem. Eu disse, fungando.
- Não vamos perder tempo chorando! Se
vamos ter apenas mais alguns dias, vamos aproveitar.
- Certo. Ela disse, com algum esforço para soar segura.
- Então, que tal começar pelo vestido?
- Ah, Malena! Teimosia devia ser herança de família por ali.
- Eu já te expliquei! Você me magoaria se não aceitasse usá-lo. É apenas um empréstimo, depois, peço a Madalena para subir a bainha outra vez. Seus olhos
grandes e brilhantes pelas lágrimas.

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