Parte 26

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Que pensasse que eu era covarde! Melhor assim. Bem melhor que pensar
que eu estava interessada nele ou naqueles braços rígidos e fortes que
pareciam feitos de granito.
E eu realmente não estava interessada!
Definitivamente não estava.

Fiquei fascinada com os livros que encontrei na sala de leitura. Livros de
todos os gêneros, como filosofia, história da humanidade, livros de pesquisas e clássicos, incontáveis clássicos.
É claro que eu sabia que em 1830 diversos livros já haviam sido publicados, mas fiquei realmente impressionada ao encontrar alguns
autores ali. Edgar Alan Poe, Lord Byron, Denis Diderot, Goethe, Shakespeare, Antoine Galland, muitos de Walter Scott e alguns outros que eu não reconheci. Mas um deles atraiu meu interesse assim que passei os olhos. Com os dizeres By a lady, London, 1811 na primeira pagina e uma capa de couro marrom, tilintando de nova. Peguei-o com extremo cuidado,
não que precisasse, só era estranho demais fazer meu cérebro entender que
aquele livro era tão antigo, mas, segundo a primeira página, havia sido publicado há apenas alguns anos, não iria se desfazer quando eu o tocasse. Folheei algumas páginas para ter certeza, e lá estava Elinor Dashwood, Norland Park, Edward Ferrars. Virei o livro em minhas mãos com muito cuidado, como se fosse feito de um fino cristal que pudesse
facilmente estilhaçar-se.
- Não é possível! Exclamei surpresa.
- Algum problema, senhorita Karol? Perguntou Malena alarmada.
- Problema? Não, Malena. respondi sem tirar os olhos do livro.
- Você sabe o que é isto? Ela ficou confusa.
- É um livro. Disse lentamente.
- Um romance, meu irmão o comprou há alguns anos. Veio da Europa.
- Sim. É um romance, o primeiro romance que Jane Austen publicou!
Eu estava maravilhada em poder segurá-lo em minhas mãos.
- É o original! Primeira edição! Veja! Aqui diz que foi publicado pela própria autora!
- Jane Austen?
- Isso. Você tem um verdadeiro tesouro aqui! Pelo menos para alguém apaixonada por livros (e por Jane) como eu era, não conseguia passar uma única semana sem encontrar algum livro novo para ler. Claro que tinha minha autora favorita. Segurava naquele instante uma obra dela em minhas mãos e tinha um outro guardado na bolsa ali no quarto.
- Acho que ainda não ouvi falar dela. Malena estava sentada ao lado da mesa onde diversos livros estavam empilhados.
- Você a conheceu?
- Todo mundo conhece Jane! Então, pela confusão em seu rosto, percebi que nem todo mundo a conhecia. Ainda.
- Você ouvirá falar dela, tenho certeza. Eu adoro os romances dela. Este aqui é um dos melhores!
- Gostei muito desta história também. Entretanto, demorei um pouco para
terminar de lê-lo.
Ela sorriu timidamente.
- Meu inglês não é tão bom quanto o de Ruggero.
Ana parecia entediada, como sempre ficava quando eu estava presente.
Imaginei que este não fosse seu estado natural, pois Malena parecia gostar dela verdadeiramente.
Passei o resto daquela tarde me deleitando com a perfeita escrita de Austen.
Estava tão absorta na leitura que, quando Ruggero irrompeu a sala, tive um pequeno sobressalto, eu sempre me “perdia” em meus livros.
Entrava fundo nas histórias como se eu mesma fosse parte dela, fosse um romance, um policial ou um terror sobre vampiros.
Então lá estava eu, em mil oitocentos e pouco, esperando que Elinor e Edward finalmente se entendessem quando Ruggero entrou na sala me trazendo de volta para mil oitocentos e pouco! Fiquei confusa por um instante.
Era como se ainda estivesse dentro do livro! Eu ri da idiotice da situação.
- Senhoritas, teremos um convidado para o jantar desta noite, pensei que as damas gostariam de ser alertadas com antecedência. Ruggero falou apressado. -Um convidado? Indagou Ana se levantando.
- Algum conhecido, Senhor Pasquarelli?
- Sim. Pode-se dizer que agora é um conhecido, então, se me derem licença, tenho algumas tarefas para terminar antes do jantar. Ele se inclinou e saiu rapidamente sem ao menos dar chance a Ana de fazer mais perguntas, o que ela claramente pretendia, saiu sem nem mesmo me dirigir um olhar.
Não que eu me importasse com isso.
- Oh! Senhorita Malena, devemos nos apressar! O sol já está se pondo e, em
breve, o convidado de seu irmão estará aqui! Não podemos recebê-lo vestidas desta forma! Ana andava de um lado para outro enquanto falava, acabei ficando meio tonta.
Ela estava totalmente vestida.
Vestida e maquiada e o cabelo ruivo arrumado num penteado complicado cheio de cachos, ela pretendia se
enfeitar ainda mais?
- Sim. Precisamos nos apressar. Concordou Malena, também agitada.
- Você também, Karol! Seria indelicado se o convidado de Ruggero chegasse e não estivéssemos prontas para recebê-lo.
Eu tinha que me arrumar porque alguém vinha jantar? Pela expressão ansiosa de Malena, ela não estava aberta a discussões, então deixei essa passar e, suspirando, fui para a cozinha.
Havia três empregados ali, parecendo muito ocupada correndo de um lado para o outro para ajudar Madalena nos preparativos do jantar.
Observei o quadro por um tempo, pensando se o tal convidado não seria o rei ou coisa parecida. Ninguém notou minha presença.
Andei na direção da porta da cozinha e, lá fora, havia mais empregados correndo aparvalhados.
- Hei, moço? Onde eu pego água por aqui? Perguntei a um deles que passava com os braços cheios de pequenos tocos de madeira.
- Perdão, senhorita. Como disse?
Seu rosto suado e brilhante, ele mal me olhou.
- Onde eu pego água?
Sua testa enrugou, mas ele não me respondeu.
- Você entendeu o que eu disse? Quero saber onde eu posso encher o balde?
Será que ele não falava a mesma língua que eu?
- Ah... É ali, senhorita.
Finalmente respondeu, indicando o local com a cabeça, depois se inclinou e correu apressado para a cozinha.
Virei-me para onde ele havia apontado. Um cano de ferro com quase um
metro de altura se erguia do chão. Embaixo dele, uma espécie de cocho de
pedra e uma grande alavanca de madeira na ponta, como se fosse um “L” de ponta cabeça.
Voltei para a cozinha e encontrei um balde perto do fogão de lenha, ninguém se incomodou em me perguntar nada.
Fiquei olhando para a engenhoca por algum tempo, toquei a alavanca suavemente.
Nada aconteceu, empurrei com um pouco mais de força e um fio de água surgiu no pequeno orifício, tentei com mais vontade, bombeando para cima e para baixo, e a água começou a jorrar. Arrumei o balde na posição correta e voltei a bombear, meus braços começaram a doer depois de um tempo, mas continuei sem parar até o balde transbordar um pouquinho.
Passei as costas das mãos em minha testa e tomei um pouco de fôlego.
As empregadas não precisariam se preocupar em dar tchauzinho por ali,
pensei, ofegante. Meus tríceps pulsavam pelo esforço, mais doloridos que depois de puxar ferro na academia!
Peguei a alça larga feita de couro e tentei levantá-lo.
Caramba! Que peso!
O balde de ferro já era um pouco pesado por seu tamanho, cheio de água, como estava, parecia pesar uma tonelada.
Que saudade do meu banheiro!
Levantei o balde desajeitadamente e entrei cambaleante na cozinha, deixando um pequeno rastro de água pelo caminho.
Quando alcancei o corredor, meus braços já tremiam, soltei o balde com cuidado para não derramar a água e sacudi os braços tentando aliviar a dor. Respirei fundo e voltei a pegar a alça, mas acabei tropeçando e quase derrubei toda a água.
Não estava dando certo!
Desisti de levantá-lo, mas eu realmente precisava de um banho, ainda mais depois de todo aquele esforço, sentia o tecido grosso grudando em minha pele. Eu iria tomar meu banho!
Encarei o balde com raiva, agarrei-o pela borda e o empurrei pelo piso liso de madeira, era mais fácil, porém, muito mais estrondoso que levantá-lo. Empurrei até meu quarto, até chegar à banheira.
Um! pensei, enquanto arqueava minhas costas, e seria apenas um, não buscaria outro de jeito algum! Suspirei desanimada, em seguida prendi a respiração, num último esforço, ergui o pesado balde e o coloquei dentro da banheira, não apenas água, mas o balde com a água ainda dentro dele.
Peguei o jarro da mesinha, retirei minha roupa e tomei meu banho de água fria e canequinha, não lavei o cabelo, não havia condições para isso.
Sequei-me com aquele pano que não enxugava direito, depois me enrolei nele e escovei os cabelos. Se eu tivesse ido para 1980, meu cabelo estaria perfeito, pensei um pouco irritada. Volumoso e indomado. Como sempre!
Molhei as mãos no pouco de água limpa que restara dentro no balde e umedeci os fios. Fiz uma trança para tentar domá-los um pouco, ficaria melhor se eu tivesse um pouco de creme para pentear... Precisava pensar numa solução para o cabelo volumoso com urgência.
Malena e Ana achavam importante estarem bem vestidas, então eu não deveria envergonhar meus novos e únicos amigos, fiz uma maquiagem leve apenas blush, mascará para cílios e gloss rosa claro.
Escolhi o vestido cor de vinho e me vesti. Soltei a trança. Ficou um pouco melhor, ainda longe de estar glorioso, mas pelo menos eu me parecia com uma mulher
outra vez, e não uma vassoura.
Dei uma olhada no espelho e gostei um pouco do resultado, a cor do vestido combinou com meu tom de pele e destacou o dourado dos meus cabelos. Ainda me sentia muito ridícula naquelas roupas não conseguia acreditar que eu estava realmente usando aquilo, mas pelo menos o vestido cobriu meu tênis, evitaria mais perguntas.
Respirei fundo e sai do quarto.
Andei apenas alguns passos antes de dar de cara com Ruggero, ele me olhou de cima a baixo, me analisando.
Duas vezes.
Pelo visto, ninguém havia ensinado ainda que medir as pessoas daquela forma não era educado!
Ele me examinou meticulosamente, me deixando constrangida, depois de algum tempo, Ruggero resolveu falar.
- Vejo que meu presente lhe caiu muito bem, senhorita. Um sorriso de admiração surgiu em seu rosto.
- Obrigada. Disse encabulada, de onde vinha todo aquele embaraço quando Ruggero estava por perto, eu não fazia ideia.
- Já estou pronta, estava indo agora mesmo procurar por você e Malena.
- E eu vim justamente saber se estava pronta! Ele sorriu.
- Está encantadora esta noite, senhorita Karol.
- Obrigada, Ruggero. Corei e baixei os olhos, de repente, eu não sabia onde
colocar as minhas mãos, eu estava agindo como uma tímida adolescente.

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