Parte 7

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Isso não está acontecendo! Isso não está acontecendo! Repeti a frase para mim mesma na última meia hora, tentando desesperadamente me convencer de que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo. Tinha que ser um pesadelo! Que outra opção eu tinha?
Demência?
Era uma opção a ser considerada. Mas eu a deixei de lado rapidamente, já que todas as outras áreas de meu cérebro pareciam funcionar normalmente.
Não me sentia embriagada. Não mesmo! O nó em meu estômago era prova de que eu já estive embriagada e agora estava na fase dois: a ressaca.
Talvez a pancada na cabeça fosse a explicação. Talvez tivesse batido a cabeça com muita força e algum fio importante tivesse se soltado lá dentro
e agora eu estava criando essas alucinações.
Mas parecia tudo tão real!
Como a cama imensa na qual me obrigaram a deitar ou o médico magricela que saiu do quarto enorme (de paredes verdes e altas) por uma porta dupla imensa há alguns minutos. Ou a mulher baixinha, os cabelos presos num coque bem feito, usando um vestido longo e bufante, que abriu a porta e ficou horrorizada quando me viu ao lado do rapaz. Ou os móveis antigos da sala gigantesca pela qual entrei, ou aquela casa imensa com aparência de museu, só que tudo era novo, sem desgaste do tempo. Ou as duas garotas de cabelos arrumados e roupas de princesa que me observaram assustadas.
Claro que tinha uma explicação razoável para tudo isso escondida em algum lugar. Tinha que ter.

Virei-me de um lado para o outro no colchão gigante e espantosamente duro tentando encontrar uma explicação lógica e sensata, mas não conseguia pensar em nenhuma, parecia que meu cérebro não era mais capaz de fazer ligações coerentes.
Humm. . .Talvez devesse reconsiderar a demência.
Uma batida sutil na porta me tirou do turbilhão de pensamentos.
- Hum... Entre? O que mais eu poderia dizer?
O rapaz que me trouxe até ali entrou no quarto, o rosto sério.
Ruggero.
Ruggero Pasquarelli. Agora sabia o nome da minha primeira alucinação.
- Como está se sentindo, senhorita Karol? Ele parecia desconfortável, ali em pé ao lado da cama.
- Estou bem. O médico só encontrou um galo na minha cabeça, o corte foi superficial. Nada de mais.
Nada além de terem me dito que estávamos há dois séculos daquele em que eu vivia. Nada de mais.
Tudo normal!
- Fico feliz em ouvir isso.
E pareceu sincero. Fiquei surpresa que um estranho se preocupasse comigo daquela forma. Fiquei olhando pra ele
como uma idiota.
Ele me lembrava os mocinhos dos meus romances.
Seria isso? Eu bati forte com a cabeça e estava fantasiando? Mas, se fosse isso, por que eu também não me parecia com uma das heroínas desses livros?
Ruggero ficou um pouco constrangido. Também pudera eu o encarava como se
ele fosse um fantasma ou uma assombração!
Depois de limpar a garganta e parecer não saber onde colocar os braços,
acabou cruzando atrás das costas, ele me perguntou com a voz instável:
- Gostaria de comer algo? Posso pedir para a senhora Madalena para trazer-lhe alguma coisa.
- Não, não. Apenas a menção da palavra comida fez meu estômago se revirar.
- Eu tô legal.
- Legal? Me olhou intrigado.
- A senhorita tem uma maneira muito
peculiar de se expressar.
Eu não tinha, não!
- Acho que posso dizer o mesmo. Você fala tipo meu avô! Disse, um pouco ofendida.
- Tipo? Hum... É algo bom?
Ah, meu Deus!
- É como dizer que você fala como meu avô. Expliquei. Se eu realmente estava criando as alucinações, poderia ao menos criá-las de forma que compreendessem o que eu dizia.
Ruggero ficou surpreso e depois constrangido.
Fala sério!
- Bem. Ele pigarreou.
- Fiquei muito perturbado com a forma com que a encontrei. Então éramos dois! - A senhorita foi vítima de algum
saqueador?
- Saqueador? Perguntei debilmente.
Eu tinha que acordar daquele sonho maluco. E rápido.
Ou acabaria tão doida quanto todas as pessoas daquele hospício.
Ruggero apenas me encarou.
- Você está falando sério? Isso tudo é um tipo de piada de mau gosto que alguém armou pra cima de mim? Por que, olha, não tem mais graça!
Será que era algum tipo de pegadinha, daquelas da TV e eu estava pagando o maior mico?
Suas bochechas ficaram vermelhas outra vez.
Ah! Tem dó!
- Senhorita! Eu não sei se entendi exatamente suas palavras, mas...
Eu não estou brincando. Sua voz continha toda a indignação que seu rosto demonstrava.
- Quando a vi caída no chão com o rosto cheio de sangue e praticamente...
Ele pigarreou.
- Nua, supus que...
- Nua? Gritei. Quem estava nua?
-Você tá louco? Eu estou perfeitamente vestida!
Fiquei realmente ofendida.
Era por isso, então, que ele me olhava pelo canto dos olhos e depois ficava constrangido? Como se atrevia a pensar que eu estava nua? Esperei que ele pensasse que o tom escarlate em meu rosto fosse de raiva e não do meu súbito constrangimento.
Ele recuou um passo e colocou as mãos nos bolsos da calça, parecendo tão
envergonhado quanto eu acabara de ficar.
- Desculpe-me. Mas suas pernas estavam descobertas e...
- E por que minhas pernas estavam à mostra você pensou que eu estava
nua? Fala sério! Eu tenho saias muito mais curtas que esta, que até é bem
comportadinha!
A saia ficava no meio da minha coxa. Como é que eu podia estar pelada?
Mas... se ele fosse mesmo um rapaz do século dezenove, como afirmava ser, era uma suposição muito idiota, claro, mas se ele realmente fosse, talvez ficasse verdadeiramente escandalizado ao ver pernas de fora.
O que é que eu estou pensando? Ele não podia ser um rapaz 1830.
Simplesmente não era possível.
Eu descobriria o que estava acontecendo ali.
- Percebo que ainda está um pouco incoerente. Vou pedir a criada para que
lhe traga uma xícara de chá.
Eu não disse nada. Apenas fiquei observando ele se curvar e sair do quarto, fechando a porta atrás de si.
Fechei os olhos outra vez.
Vamos! Eu preciso acordar! Tá tudo bem. Eu não estou maluca. É só um sonho. Vamos!
Abri meus olhos.

Tudo estava exatamente igual.
Lá estava eu, naquele quarto estranho com cama de dossel e janelas imensas. Olhei em volta, procurando por minhas
coisas. Eu tinha que sair dali e arrumar um jeito de acordar.
Encontrei minha bolsa jogada numa poltrona, de madeira escura e forrada com um luxuoso tecido dourado, e notei uma coisa prateada refletindo dentro
dela. Meu novo celular.
Pulei da cama, peguei o pequeno aparelho e o observei por um tempo.
Alguma coisa lá no fundo me dizia que aquela confusão toda começou por causa dele. E então, como se confirmasse minhas suspeitas, ele vibrou e acendeu. Dei um pulo e quase o deixei cair, mas consegui pegá-lo antes que se espatifasse no chão.
Ninguém tinha aquele número, nem mesmo eu sabia qual era o número, nem tive tempo para descobrir isso.
O celular continuou vibrando em minha mão. Com dedos trêmulos, não sabia bem o por quê, mas tinha a intuição de que aquilo não era nada bom, apertei a tecla verde e lentamente o levei até a orelha.
- A-Alô? Gaguejei.
- Olá, Karol. Como está se saindo?
Pisquei convulsivamente, aquela voz suave e baixa...
- É você? É a mulher que me vendeu este celular? Olha, ele não funciona bem... Comecei e me detive, lembrei-me de que tinha problemas mais urgentes naquele momento.
- Há... Será que você poderia me ajudar? Estou meio... Perdida. Um riso nervoso escapou de meus lábios.
- Perdida? Sua voz não pareceu nada surpresa.
- É. Eu estou num lugar muito estranho onde... onde... Era difícil dizer em voz alta. Tomei fôlego.
- Onde algumas pessoas pensam ser o século dezenove. Ri nervosa outra vez. -Dá pra acreditar? Um curto silêncio.
- Claro que dá! Ela disse, satisfeita.
- E você não está perdida.
Está exatamente onde deveria estar.
Eu pisquei. Tentei falar, mas meu cérebro não obedeceu ao comando.
- Hein? Foi só o que consegui fazer sair.
- Você está onde deveria estar! Ela repetiu convicta.
- Estou? Minha voz muito baixa, mal era um sussurro.
- Sim, está sim, querida. Fico feliz que tenha começado sua jornada.
- Jornada? Repeti debilmente. Minha voz com algum volume agora.
- Que jornada? Do que você esta falando? Será que o mundo tinha enlouquecido? Ou será que tinha sido apenas eu?
- Karol, você precisa completar sua jornada, querida. Descobrir quem
realmente é.
- Eu sei quem eu sou! Não preciso de coisa alguma. O desespero começava a me invadir.
- Precisa sim. Só que ainda não sabe disso. Ela riu Suavemente.
- Olha só... Tentei persuadi-la.
- Me ajude a sair daqui e depois a gente conversa sobre isso, hã?
- Mas eu já estou te ajudando, não vê isso? Sua voz um tom meio maternal.
- Ajudando? Como?
- Você sempre foi muito cética, não é? Nunca acreditou em magia.
Nem mesmo em conto de fadas ou Papai Noel. Sempre prática! Está na hora de
começar a crer que existem mais coisas no universo além das que os seus olhos podem ver e finalmente começar a viver sua vida! Você sempre a deixou para depois, esperando que ela acontecesse, mas nunca fazendo nenhum movimento para isso.
Senti meu corpo se transformar em pedra. Ela tinha falado com a Nina?
- Não. Não falei com a Nina.
Ela respondeu, parecendo adivinhar o que eu pensava.
- Não preciso falar com ninguém para saber. Conheço cada segredo de sua alma. Por isso, precisei intervir.
Eu não tinha reação. Senti meu cérebro virar mingau.
Nem um único pensamento coerente.
- Intervir? C-como? Não sei como ela conseguiu me ouvir, por que me pareceu que as palavras não tinham som algum.
- Intervir, Karol. Você não voltará até que encontre o que procura. Terá que completar sua jornada. Mas terá que ficar aí até que a complete.
Você não está sozinha, acredite! Sua voz ficou triste.
- Não pode estar falando sério? Comecei a tremer.
- Estou falando muito sério. Você voltará de uma forma ou de outra, mas primeiro terá que encontrar o que procura.
- Mas encontrar o que? Eu não tenho ideia do que você está falando!
- Isso. Ela disse com delicadeza.
- Você terá que descobrir sozinha.
Vamos, Karol! Você sempre foi a mais competente! Saberá o que fazer.
- Mas...
- Eu sei querida. Disse, maternalmente, outra vez.
- Também queria que existisse uma outra forma! Mas tudo ficará bem, você verá! E antes que eu me esqueça, não vai adiantar tentar usar o telefone. Não vai
funcionar. Ele servirá apenas para que eu possa orientá-la. Não o perca, por favor.
O celular! O clarão, as coisas desaparecidas, as pessoas estranhas, este
lugar, tudo isso foi...
- Sim. Tudo causado pelo celular.
Ela completou.
Eu ainda não conseguia me mover. Era demais pra mim!
- Quem é você? O que quer de mim? Por que está fazendo isso?
- Eu sou sua amiga, querida. E já disse que só quero te ajudar. É minha obrigação te ajudar! Agora, comece logo a se misturar. Pare de reclamar e comece sua busca. Quanto mais rápido começar, mais rápido poderei trazê-la de volta. E, por favor, evite confusão e não saia por aí dizendo que veio do futuro. Ninguém vai acreditar em você!
Um curto silêncio.
- Eu farei contato em breve.
- Espere! Gritei, mas ela já tinha desligado.

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