Parte 20

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Por favor, senhorita Karol. Implorou Malena seu rostinho triste, os olhos suplicantes.
- Não pode ficar ao menos até o baile? Eu ficaria tão feliz se pudesse lhe apresentar ao nossos amigos! Tenho certeza de que terá uma noite muito agradável. Quem sabe não arranja um pretendente!
Ah! Era só o que me faltava! Arrumar um pretendente, Daí sim minha vida estaria perfeita!
- Malena, eu não posso prometer. Eu até gostaria de ir ao baile e ver como as coisas são... por aqui, mas eu nem sei direito como cheguei aqui e não tenho ideia de como ou quando vou voltar, então... Parei quando vi seu rosto ficar ainda mais triste, mas o que eu podia fazer? Não dava pra prometer, e eu não queria acabar mentindo para ela.
Malena me encarava com olhos enormes e brilhantes, como um cachorrinho com fome. Argh!
- Tudo bem, Malena, você ficará satisfeita se eu disser que me esforçarei muito para estar aqui no sábado? Perguntei derrotada.
- Muito satisfeita! Seu rosto triste rapidamente se iluminou, ficou radiante. - Então, Ruggero, ela vai precisar de um vestido de baile. Ela correu para o irmão, agarrando-o pelo braço.
- Não dá pra a pobrezinha passar toda a sua estadia aqui usando aquele meu vestido velho e curto.
Veja que nem chega a cobrir seus tornozelos! O que nossos conhecidos vão
pensar quando souberem que a pobre senhorita Karol teve todos os seus pertences roubados e nós nem ao menos lhe arrumamos roupas decentes para vestir?
Seu rosto voltou a ficar suplicante.
Ela era tão convincente, até eu fiquei com pena. Pobre senhorita Karol! Coitadinha!
- Ei eu não fui assaltada. Objetei, mas ninguém me deu ouvidos.
- Vou amanhã até o atelier de costura para encomendar meu vestido de baile. Talvez pudesse encomendar um para ela também. Ela continuou, os enormes olhos chocolate transbordando tristeza.
- É uma excelente ideia, Malena.
Não havia pensado no assunto, acho que
fui muito relapso quanto a isso. Ruggero respondeu e depois voltou os olhos
para meu vestido.
- Veja madame Georgette tem alguns vestidos já prontos para a senhorita Karol, você tem razão, ela não pode continuar com este vestido curto.
Curto? Não tinha um pedaço de pele que não estivesse queimando por causa de todo aquele tecido! Quase ri pensando na cara deles se me vissem com o vestido que usei na festa de aniversário da Nina. Era preto, muito justo e escandalosamente curto, talvez tivessem um ataque.
- Você é o melhor irmão de todo o mundo, Ruggero. Ela lhe deu um abraço
apertado.
Gostei disso. Gostei de ver que havia algum tipo de contato físico naquele lugar. Todo mundo parecia tão cauteloso em não tocar em ninguém, como
se fosse pecado ou coisa assim, sem abraços, beijos ou aperto de mão.
Fiquei aliviada ao ver que Ruggero retribuiu o abraço, o rosto sorridente, e não constrangido como imaginei que ficaria.
- Não exagere, Malena. Disse ele.
- Então iremos bem cedo! Podemos sair logo depois do café. Precisamos nos apressar. Não se faz um vestido da noite para o dia!
- Por mim, tudo bem. Eu estaria na vila bem cedo, poderia procurar informações.
- Mas acho que não há necessidade de me comprar vestidos, Malena eu já disse que...
- O que acha, Ana? Não é uma ótima idéia? Ela se virou para a amiga, me ignorando.
- Excelente ideia, minha cara.
E poderemos escolher as fitas! Preciso
encontrar uma para combinar com meu novo chapéu, nenhuma das que vi semana passada me chamou a atenção. E, além do mais, preciso de um vestido à altura do baile que teremos! Tenho certeza que tomará todo o tempo de madame Georgette.
- Então está tudo arranjado! Malena disse exultante.
- Mas... Eu tentei dizer, mas Ruggero rapidamente me interrompeu.
- Ótimo. Poderei ir até a casa de um arrendatário aqui perto resolver alguns problemas, não precisarão de minha ajuda para escolher o vestido, imagino.
Fiquei desapontada. Pensei que ele me acompanharia até a vila novamente.
Então, ao invés de dizer isso em alto e bom som, voltei minha atenção ao
quadro do cavalo.
- Você gostou dele, não é? Ruggero me perguntou baixinho, quase num sussurro, depois que as duas garotas iniciaram uma discussão sobre a
importância da fita de cetim.
Talvez ele não quisesse interromper o tagarelar de Ana sobre a diferença que a escolha errada de uma fita acarretava na vida de uma garota. Aparentemente a fita devia ter algum outro significado além de enfeitar, pois ela discursava fervorosamente.
- É realmente lindo, Ruggero. Sussurrei também.
- Nunca vi nada tão perfeito. Olhe para os olhos! É como se estivesse zombando de alguém!
- Aposto que estão mesmo. Ele riu.
- De seu dono estúpido, que levou um ano inteiro para compreender que não o domaria. Eu ri também.
- Gostaria de conhecê-lo? Ele ofereceu.
- Claro! Eu disse, mais alto do que pretendia, excitada demais.
Mas aparentemente não alto o bastante para perturbar a atenção de Ana.
- Acho que não notarão nossa ausência. Parece que nenhum de nós dois está particularmente entusiasmado com as fitas. Ele sussurrou se aproximando de meu ouvido. Um arrepio subiu por minha coluna, me fazendo estremecer da cabeça aos pés.
O que estava acontecendo comigo, afinal? Aquele lugar definitivamente
estava mexendo com minha cabeça. E eu não estava gostando nem um pouco disso.
Ana não notou nossa saída silenciosa. Malena notou, mas apenas sorriu
conspiratoriamente e voltou sua atenção para a amiga.
Eu ainda não conhecia os estábulos, ficavam muito afastados da casa.
Rústicos até a essência, feitos de madeiras imperfeitas que se uniam
desajeitadamente umas às outras, me trouxe a lembrança do Toca.
Claro que o bar não era tão rústico, mas, de certa forma, aquelas madeiras tortas
me trouxeram um pouco de conforto.
Enquanto nos aproximávamos, olhei ao redor, admirando a beleza do lugar.
Era tão diferente do que eu estava habituada, sem aquela poluição de outdoors, letreiros, homem-sanduíche, cartazes, ambulantes vendendo cacarecos... Ali era tão calmo, e eu tinha que admitir, lindo.
- Ouso dizer que você é a primeira jovem que conheço que não fica entusiasmada com a menção da palavra baile. Ruggero disse, parecendo aliviado.
- Eu não sou muito de festas, eu sou mais caseira. Na verdade, deveria dizer escritoreira, já que é de lá que eu não saio.
Como uma prisão que eu mesma me tranquei pensei.
- Eu não gosto muito de balada, gente falando ao mesmo tempo, bebendo, fumando e contando piadinhas machistas. Ou pior ainda, cheias daqueles carinhas que tomam duas cervejas e depois se acham tão irresistíveis que acreditam ter o direito de dizer pra uma garota que ele nunca viu na vida as piores baboseiras imagináveis. Mas de shows eu gosto. Mesmo porque não dá pra ficar batendo papo num show, o barulho é ensurdecedor.
Nunca me sinto deslocada num show. Tudo que é relacionado à música eu curto muito... Nina me perturba por causa disso.
Ela acha que eu não tenho vida, apenas trabalho e mais trabalho, e que nunca vou arrumar um namorado se ficar trancada em casa ou no escritório.
Mas sabe, Ruggero, eu não me sinto à vontade saindo com a galera.
Parece que sou um alienígena que não se entrosa em lugar algum... Ele assentiu. -Sabe quando você sente que todo mundo te olha de um jeito diferente, tipo "o que ela tá fazendo aqui?" e depois
fingem que estão interessados em ouvir o que você tem a dizer? Eu detesto isso! Prefiro ficar em casa, mas gosto de sair com a Nina. Só que agora ela cismou que eu... Vi um pequeno sorriso se espalhar em seu rosto. Eu ri.
- Desculpe, Ruggero estou falando pelos cotovelos. É que é fácil falar com você. Não é estranho? Eu mal te conheço e já te contei coisas que muitas das minhas colegas de escritório não sabem.
- Acho ótimo que pense assim, aprecio muito sua companhia. Acho fascinante sua maneira de se expressar. Ele disse, olhando pra frente, mas sorrindo.
E também me é estranho preferir falar com uma jovem que acabei de conhecer a falar com várias jovens que conheço há muito mais tempo.
- De onde eu venho se diz que o nosso santo bateu. Ele me encarou.
- Quando duas pessoas se dão bem logo de cara, quero dizer, logo que se conhecem. E o meu decididamente bateu com o seu. Sorri.
- Então, acho que o meu também.
Ele ficava tão lindo sorrindo daquele jeito!
- Qual deles é a do cavalo do seu quadro? Perguntei, apontando com a cabeça para as baias. Havia uma dezena delas, talvez mais.
- A terceira. Informou.
- Dei a ele o nome de Storm. Significa...
- Tempestade! Fiquei surpresa. Inglês já fazia parte do currículo escolar no século dezenove?
- Você fala inglês?
- Na verdade, leio melhor do que falo. Tive um professor de línguas que me forçou a aprender algumas delas.
O inglês foi imposto por meu pai.
Meu bisavó veio da Inglaterra.
Bem que eu tinha estranhado seu
sobrenome!
- E meu pai não acreditava que era importante manter as raízes da família. O alemão foi mais difícil de aprender. Mas, uma vez que aprendo uma coisa, senhorita Karol, não me esqueço mais.
- Você só não consegue aprender meu nome, estou começando a pensar que faz isso de propósito só para me irritar! Eu disse ainda muito espantada que ele soubesse (aparentemente) diversas línguas estrangeiras.
- Não tenho mais desculpas para isso, senh... Karol Ele realmente tinha dificuldades para dizer apenas o meu nome. A única pessoa que ele chamava pelo nome era Malena e ele a conhecia desde que nasceu.
- Nossa, ele é lindo! Parei assim que cheguei à baia de Storm, ele era tão bonito quanto no quadro, mas ainda maior do que eu havia imaginado. Principalmente se comparado com os cavalos das baias a seu lado.
- Também acho! O problema é seu temperamento! Nunca conheci um animal mais cheio de vontades que este! Ele ralhou, mas o sorriso em seu rosto era afetuoso.
Eu, entretanto, conhecia alguns animais cheios de vontade. Senhor Gary, por
exemplo.

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