Parte 63

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Não! Não! Não! Não!
Por favor, não! Agora não! Eu nem pude dizer adeus! Por favor, não!
Quando a luz desapareceu, levou tudo com ela: Ruggero o cavalo, o gramado,
tudo havia desaparecido.
Tudo!
Eu estava na praça outra vez, debaixo da mesma árvore em que Ruggero e eu
estávamos encostados há alguns minutos, porém, agora era muito maior e a casca envelhecida.
Não! Por favor! Me deixe voltar! Por favor!
Não conseguia pensar direito.
Apertei o celular, desesperada, tentando
fazê-lo funcionar, tentando voltar.
Eu precisava voltar. Aqui não era mais
meu lugar. Não era mais minha casa. Nunca foi.
Ruggero era!
Desesperada, quase cega pelas lágrimas, comecei a correr em direção à loja onde comprei o celular.
Ela teria que mandar de volta!
Esbarrei em algumas pessoas, que me olhavam com espanto, mas não pude
parar para me desculpar.
Não podia perder tempo.
Entrei na loja ainda correndo, indo direto para o balcão de celular.
- Onde está a outra vendedora? Perguntei sem fôlego para uma garota.
- Quem? Ela me olhou espantada.
- A outra vendedora! A que me vendeu este aparelho há alguns dias.
Eu tremia muito. Quase não conseguia ficar de pé.
- Creio que se enganou de loja, moça.
Ela falou, enquanto examinava meu vestido.
- Sou a única que trabalha neste setor.
- Não! Teimei.
- Estou falando da outra vendedora. Uma mulher mais velha de cabelos grisalhos e com voz suave, a que me vendeu este
aparelho! Mostrei o celular como prova.
A garota olhou em volta, assustada.
- Por favor, se acalme, sim? Vai ficar tudo bem. Ela levantou as mãos espalmadas, me trazendo a nítida lembrança de Ruggero com as mãos abertas dizendo que não me tocaria depois de me beijar pela primeira vez.
Meu desespero se intensificou.
- Não! Não está tudo bem! Berrei.
- Eu preciso encontrar aquela mulher! Ela precisa... Ela tem que me ajudar.
Eu tenho que voltar!
AGORA!
Eu tremia muito, me apoiei no balcão para não cair. Não vi quando a garota
chamou os seguranças, mas lutei contra eles empurrando com toda a força que tinha.
- Me solte. Eu tenho que voltar. Ruggero está me esperando.
As lágrimas me impediam de ver qualquer coisa.
- Ele vai sofrer se eu não voltar. O que
pensa que está fazendo? Me solta! Empurrei alguém com tanta força que
acabei caindo.
Alguém se aproveitou disso e tentou me imobilizar. Debati-me no chão, gritando contra a pessoa, ouvindo muito barulho ao meu redor, mas ainda não conseguia enxergar nada com clareza.
Mais mãos tentaram me segurar, até que um tempo depois, senti uma picada em meu braço, e tudo desapareceu outra vez.
A primeira coisa que vi quando abri os olhos foi o teto branco. Um bip constante perto de minha cabeça me acordou.
Olhei em volta e percebi que estava num quarto de hospital.
Como foi que eu vim parar aqui?
- Karol? Uma voz suave perguntou.
Virei-me para o outro lado e a vi sentada numa cadeira ao lado da cama.
- Nina? O que estou fazendo aqui? Perguntei ainda confusa.
Quando consegui focalizar seus olhos, a memória me invadiu.
- Nina! Gritei me atirando em seus braços surpresos. Eu a abracei com tanta força que poderia ter quebrado uma costela. Meus olhos arderam e senti as lágrimas descerem por meu rosto.
- Senti tanto a sua falta! Você não pode imaginar a confusão em que me meti!
- Posso imaginar, sim! Pode me explicar onde estava todos esses dias e porque estava usando aquela roupa? E porque deu piti numa loja? A sorte foi que o Gaston viu te colocarem na ambulância e me ligou avisando.
Ele está lá baixo resolvendo toda papelada. Por falar nisso, cadê seus
documentos?
O Rafa estava ali também?
Eu a soltei para poder ver seu rosto.
- O que aconteceu?Perguntou, parecendo preocupada.
Endireitei-me na cama.
- Nina, é uma história muito longa e eu prometo que vou te contar.
Mas só depois que eu sair daqui, está bem? Sua testa se enrugou.
- Por que? Perguntou desconfiada
- Porque é uma história complicada e meio... Doida. Você pode querer não me tirar daqui. Tinha aprendido minha lição.
- Claro que não vou te deixar aqui! E nós temos tempo. Você não vai sair do hospital antes que o médico a libere. Então, vê se desembucha logo.
Seu tom duro e, ao mesmo, tempo preocupado
- Nina, eu estou bem...
Mentalmente porque eu sabia que só ficaria bem de verdade se pudesse estar com Ruggero outra vez.
- Eu tenho que sair daqui logo. Tenho que procurar uma pessoa.
Suas sobrancelhas se arquearam.
- Uma pessoa? Repetiu, a voz baixa e desconfiada.
- Sim. E você vai me ajudar! Afirmei, sem dar a ela a chance de decidir se ajudaria ou não uma amiga aparentemente surtada.
- Está bem. Nina falou, cautelosa.
- Eu te ajudo, depois que você me disser tudo o que está acontecendo.
Suspirei. Encarei Nina por um longo tempo, decidindo se contava ou não.
Ela era minha irmã em muitos sentidos, merecia saber a verdade depois da
preocupação que causei, totalmente sem intenção. E ela não me internaria, eu quase tinha certeza disso.
- Tudo bem, Nina. O que eu vou te contar não é uma história fácil de engolir.
Ela assentiu, o rosto sério.
- Tente manter a mente aberta, tá?
- Está me deixando preocupada, Karol. Fala de uma vez!
- Lembra-se da noite em que fomos ao Toca e meu celular caiu na privada? ela assentiu.
- Começou aí! No sábado, eu acordei cedo e fui comprar um novo, você sabe que eu não sabia viver sem ele.
Fiz uma careta ao pensar nisso.
Quantas coisas inúteis pensei serem tão importantes a ponto de não poder viver sem elas! Sacudi a cabeça, desgostosa.
- Então, quando cheguei à loja...
Contei tudo o que aconteceu na loja, depois na praça e como fui parar no século dezenove.
Nesta parte, suas sobrancelhas se arquearam, mas eu não parei. Disse a ela tudo que passei por lá, a casinha, o pé de alface, a carruagem, as pessoas que conheci, os vestidos e falei sobre o principal.
Ruggero.
Não pude conter as lágrimas que rolaram continuamente em meu rosto.
Falar dele triplicava a dor intensa que eu já sentia.
Narrei como acabei me apaixonando por ele sem me dar conta disso, sobre seu bom humor e seus modos educados, a forma carinhosa com que tratava a irmã, como cuidou de mim quando estive doente, a noite mágica que passamos juntos.
Precisei de alguns minutos para continuar, a dor que invadiu meu peito me tirou o fôlego.
Só consegui soluçar e tremer por um tempo.
Nina passou seus braços em mim, tentando me acalmar, mas eu não
conseguia nem mesmo respirar.
Quando olhei seu rosto e vi que ela
também chorava, fiquei ainda pior, pois eu não sabia se ela chorava por minha dor ou se chorava por mim ou pela perda da minha sanidade.
Continuei com a história: a noite do baile, o ataque de Santiago, minha fuga. Contei absolutamente tudo, da dança final perto da pedra até minha volta para cá e o pouco que me lembrava sobre a confusão na loja.
Quando terminei, fiquei sentada tentando me controlar.
Tentei muito não pensar em Ruggero, mas toda vez que eu piscava via seu rosto assustado, sua mão esticada tentando me alcançar, atrás de minhas pálpebras. Um pesadelo que se repetia a cada vez que eu fechava os olhos.
Nina ficou em silêncio por alguns minutos, me observando, analisando meu rosto retorcido pela dor.
- Karol, preciso te fazer uma pergunta. Sua voz séria, assim como seu rosto. Apenas a encarei.
- Você está usando drogas?
- Ah! Nina! Você também não! Eu gemi.
- Desculpe, Karol. Mas o que acaba de me contar é... Ela me fitou, tentando encontrar a palavra certa.
- O que? Surreal? impossível? Maluco? História da carochinha? Ajudei.
Ela sacudiu a cabeça concordando.
- Mas é a verdade, Nina. Você viu o vestido, não viu?
- Vi, mas... Como? Por que?
- Não sei! Não faço ideia! Acho que, se eu conseguir encontrar a vendedora, talvez ela me explique e me ajude.
Por que ela tinha que me ajudar, não tinha? Ela havia armado a confusão e agora iria consertar! Ah, se ia!
Nina não disse nada, vi a história se repetir de novo e de novo em seus
olhos de esmeralda, tentando encontrar sentido.
- O que você vai fazer agora?
Ela perguntou horrorizada depois de um
tempo. Suspirei de alívio.
- Vou procurar por ela.
Vou fazer com que arrume as coisas... Que me mande de volta. Ela vai ter que consertar isso. De uma forma ou de outra!
Eu disse firme, secando meus olhos.
- Você pretende voltar? Me deixar aqui sozinha?
- Você não está sozinha. Tem o Gaston, tem seus pais.
Seria muito difícil nunca mais ver Nina. Éramos tão unidas que, com exceção da minha viagem para o passado, eu não tinha uma única memória que não a
incluísse.
Mas ela estaria feliz, eu sabia disso. Estaria ao lado do amor de sua vida, teriam filhos lindos, brigariam pelo resto da vida e se reconciliaram todas as vezes, como sempre foi.
Não precisaria me preocupar com ela.
Ainda assim, seria doloroso não tê-la por perto.
- Não é a mesma coisa. E meus pais não falam comigo, você sabe disso.
Retrucou tristonha.
- Eu sei! Mas eles podem mudar de ideia e você pode vê-los quando quiser. E você tem o Gaston, que é maluco por você. Imagine se... Imagine se ele precisasse ir morar na... Groenlândia e nunca mais voltasse a pôr os pés aqui.
Se tivesse a chance de ir com ele, você iria?
Ela não respondeu imediatamente.
E nem precisava, eu sabia a resposta,
assim como ela.
- Você entende, Nina? Eu preciso dele! Claro que eu sentiria uma saudade louca de você, mas, ao menos, saberia que está feliz. Além disso, se eu não voltar, ele... Era insuportável imaginar.
Doloroso demais imaginar que eu nunca mais voltaria a ver Ruggero.
Nunca mais ver Malena, Madalena e todos os que deixei para trás.
Minha nova família.
E eu não tinha uma há muito tempo. -Também morreria de saudades!
Ela tocou minha mão gelada.
- E tudo o que eu quero é te ver feliz. Mesmo que... nunca mais...
Vou te ajudar a encontrar a tal mulher e vamos obrigá-la a te mandar para lá! Nem que eu tenha que usar a força!
Nina era tão exagerada! Mas dessa vez eu estava com ela.

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