Parte 57

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- Karol! Alívio e desespero se misturavam na voz dele.
Ruggero.
Vi quando ele desceu da coisa preta.
- Storm? Tentei dizer, mas a voz não saiu.
- Karol, você está bem? Seus lábios tocaram minha testa com urgência.
- Meu Deus! Está congelando!
Tirou o casaco molhado e rapidamente me embrulhou com ele.
- T-t-tire as mãos d-d-de mim. Murmurei. Tentei empurrá-lo, mas estava fraca demais, tudo doía, o sono me vencendo.
- Vou levá-la para casa. Seus braços me envolveram para me levantar do chão. -E-eu tô t-tentando voltar para ca-casa. Me s-s-s-s-solte!
Não conseguia conter o tremor, a dor nos músculos se tornava insuportável.
Tentei empurrá-lo com mais força.
Não obtive sucesso.
Ele nem notou que eu o empurrava. Levantou-me do chão com facilidade.
- M-me po-ponha no chão! Ordenei.
- Vou levá-la para casa, Karol. Agora! Você precisa se aquecer! Sua voz firme, segura, não deixou espaço para réplica.
Repliquei mesmo assim.
- Me-me-me s-s-s-s--solte.
Sacudi os braços e as pernas, tentando
descer. Não foi boa ideia.
Parecia que meus músculos se rasgava, quando eu os movia.
- Karol, você vai comigo, de uma forma ou de outra ! Ameaçou.
- Ninguém lhe fará mal, eu prometo! Não tenha medo!
Desisti da luta.
Não que tivesse acreditado nele, mas começava sentir a dormência dominar meu corpo inteiro, sabia que não seria capaz de fugir, sentia a rigidez dos músculos minha força sendo sugada pela chuva.
Ruggero me colocou no lombo de Storm com dificuldade, depois subiu e me
segurou firme com as duas mãos.
Eu estava muito sonolenta, nem mesmo a
chuva gelada espantava o sono.
Deixei minha cabeça cair em seu peito.
- Logo estaremos em casa, você vai ficar bem! Ruggero disse, me apertando mais forte.
Fiquei furiosa comigo mesma por não ter ido mais adiante.
Por deixar que ele me encontrasse tão facilmente e me levasse de volta sem meu consentimento.
Ao que parecia, ninguém mais respeitava o que eu queria!
Escondi meu rosto em seu pescoço, exausta, tentando fazer com que a chuva parasse de alfinetar minha pele.
- Eu t-te ode-deio! Murmurei, fraca demais.
- Não me importo com isso, não muda nada para mim. O cavalo começou a se mover e eu comecei a escorregar para a inconsciência.
- Vou amá-la por toda vida.
Foi a última coisa que ouvi antes de cair no abismo escuro.

- Acordei completamente desnorteada, meu corpo todo doía e a luz do sol fazia meus olhos lacrimejarem.
Olhei ao redor, estava no meu quarto na
casa de Ruggero.
Ele estava ali, assim como o médico. Minha memória voltou como um raio, fazendo minha cabeça latejar. Encolhi-me na cama, como um bicho acuado, sentindo todas as juntas doerem.
- Não vão me levar viva pro hospício! Ameacei, procurando alguma coisa para poder usar como arma, caso eles tentassem me pegar.
Ruggero se aproximou lentamente da cama, os olhos grudados nos meus.
Eu me encolhi mais quando se sentou na cama com deliberada lentidão.
Eu ainda não tinha encontrado nem uma arma.
- Ninguém a levará a parte alguma.
Um sorriso agoniado nos lábios.
- Jamais permitirei que alguém a machuque. O Dr. Almeida está aqui porque você está doente. Ardeu em febre por dois dias. Explicou.
Dois dias?
Não me lembrava de quase nada!
Tive um sonho estranho, cheio de imagens soltas.
Ruggero me colocando na banheira ainda vestida, eu podia ver seus lábios se moverem, mas não ouvia o que ele dizia, parecia estar muito assustado.
Madalena correndo apavorada com uma bacia nas mãos, o rosto de Malena cheio de lágrimas, o médico tocando meu pulso, uma colher cheia de gosma preta, essa imagem se repetia diversas vezes, e depois o gosto amargo descendo em minha garganta.
Os olhos castanhos desesperados e úmidos, seu rosto retorcido pela dor, seus lábios tocando as costas de minha mão de novo e de novo.
Tudo muito confuso.
- Senhorita Karol, você teve hipotermia por ter ficado tanto tempo naquela
tempestade.
O médico disse sem se aproximar.
- Quando finalmente conseguimos aquecê-la, começou a queimar em febre. Imagino que se resfriou.
Funguei um pouco. Meu nariz realmente estava um pouco entupido.
- Pensei que fosse perdê-la.
Ruggero sussurrou, a voz cheia de angústia.
- Você não reagia, resmungava muito enquanto a febre estava alta, pensei
que... Ele não continuou.
Abaixou a cabeça e deslizou sua mão sobre o lençol à procura da minha.
Recuei um pouco e ele desistiu.
- E o pior é que seria por minha culpa! Fechou os olhos.
- O pior já passou, Senhor Pasquarelli. Disse o médico, se aproximando
lentamente.
- Não se aflija mais. A melhora dela é visível!
Não tirei os olhos do médico.
Esperava que, a qualquer momento, um
bando de enfermeiros entraria no quarto e me amarraria numa camisa de força.
E o castiçal, que poderia ser tão útil caso isso acontecesse, eu poderia derrubar dois ou três deles antes que me pegassem, estava sobre a cômoda, ao lado da poltrona, jamais o pegaria a tempo.
- Preciso checar sua temperatura, senhorita. Esclareceu o médico quando me afastei de sua mão.
Fiquei imóvel, mas muito alerta, pularia pela janela ao menor sinal de enfermeiros.
O médico, lentamente, tocou minha testa.
- Ainda está um pouco quente. Ele disse a Ruggero.
- Acho melhor que tome o elixir novamente. Ruggero concordou.
O médico pegou uma garrafinha e uma colher.
- Creio que ela prefira que você faça isso, Senhor Pasquarelli. O médico sorriu sem graça. Ruggero abriu o vidro escuro e um forte odor atingiu meu nariz.
- Eca! Não vou tomar isso!
Cruzei os braços teimosamente.
- Precisa tomar para se curar, amor. Pediu numa súplica, não deixei de notar a falta de surpresa nos olhos do Dr. Almeida.
- Por favor? Observei a colher cheia de meleca escura.
- O que é essa gosma? Não sabia o que era, mas sentia seu gosto amargo no fundo da garganta.
- Láudano. Sua temperatura voltará ao normal mais depressa.
Explicou o médico.
- Eu mesmo o preparei. É uma mistura de ópio, vinho e ervas. Que maravilha!
- Mas ele não cura nada, apenas alivia a febre? Perguntei apressada, eu não pretendia tomar a coisa gosmenta.
- Não cura, mas lhe deixará um pouco mais disposta.
Não respondi. Apenas olhei para o médico. Assenti para ele.
Ruggero se aproximou com a colher cheia da gosma outra vez.
- Você pegou minha bolsa ontem, quer dizer, sábado. Ele suspirou exasperado.
- Sim, eu trouxe suas coisas. Agora, por favor, tome o elixir.
Seus olhos suplicantes.
- Desiste, Ruggero. Eu não vou tomar! Obrigada, Dr. Almeida.
Eu disse, olhando para o médico.
- Agradeço sua... preocupação e sua ajuda, mas leve seu remédio para alguém que precise dele, eu tenho algo parecido na bolsa.
Mesmo que não tivesse, não tomaria o remédio que ele mesmo preparou.
Podia ser algum tipo de truque para me derrubar e, na próxima vez em que eu abrisse os olhos, estaria num quarto branco forrado de espumas enlouquecedoramente brancas.
Arrastei-me para fora da cama, sentindo tudo doer.
Deve ter sido um puta resfriado!
Peguei a cartela de antitérmico em minha bolsa e fiquei aliviada ao ver o
celular dentro dela, não me lembrava se havia guardado ou não.
Engoli um comprimido com um pouco de água.
- O que é isso? O médico perguntou curioso.
Voltei para cama trazendo a cartela e o castiçal, só por precaução comigo. Desviei de Ruggero, coloquei o castiçal na mesinha de cabeceira e me deitei outra vez, notei que estava usando uma roupa estranha.
Um vestido horroroso e longo, bem solto. Uma camisola talvez.
- Isso é parte da minha loucura.
Atirei a cartela para Dr. Almeida, que não esperava pelo meu arremesso e acabou deixando o remédio cair no chão. - Imagina que enlouqueci ao ponto de inventar que cientistas conseguiram colocar nestas bolinhas uma droga medicinal poderosa que alivia a dor e diminui a febre em vinte minutos? Disse, sarcasticamente.
- Tô piradona!
Depois de pegá-la do chão, o médico examinou a cartela com curiosidade, me olhou de volta e vi o ceticismo em seus olhos.
- Pode ficar com alguns, se quiser experimentar, apenas me deixe o suficiente para o resfriado.
Daí me lembrei.
- Isso aí é diferente da sua gosma, só pode tomar com intervalos mínimos de seis horas! Depois, eu ri.
Achei engraçado ensinar a um médico como usar paracetamol.
- Vamos ver como seu corpo reage a isso primeiro, sim? Proferiu.
Eu não era a única desconfiada ali.
- Vou até a cozinha pedir para que lhe
tragam uma sopa. Seu corpo está fraco demais e você precisa estar forte para combater a doença. Voltarei logo.
Dei de ombros. Não que não gostasse dele pessoalmente, não gostava dele
medicamente.
- Como se sente? Ruggero perguntou, assim que o médico saiu. Seu rosto
angustiado.
- Como se tivesse tomado chuva a noite inteira. Estava furiosa com ele, primeiro por mentir para mim e, depois, por continuar me dando tanta atenção.
O que ele pretendia com isso eu não fazia ideia. Seu rosto ficou ainda mais infeliz.
- Como me encontrou?
- Não encontrei. Foi Storm quem a encontrou. Ele sorriu, mas era um sorriso triste.
Não entendi o que ele quis dizer com aquilo, Ruggero percebeu e continuou.
- Eu a procurei em todos os lugares... A tempestade me deixou ainda mais angustiado porque eu não sabia se você estava protegida ou se estava debaixo daquele dilúvio... Fiquei desesperado, Karol. Seus olhos aflitos demonstravam isso. Ótimo!
- Depois de algumas horas, eu voltei para casa na esperança de que um dos criados tivesse lhe encontrado, mas ninguém tinha notícias suas, eu não sabia mais o que fazer e nem onde procurar.
Então, sem pensar com coerência, fui até a baia de Storm, contei a ele que você havia fugido e pedi sua ajuda.
Montei nele facilmente, ele me permitiu.

Não vi o sorriso que esperava ver por, finalmente, ter dominado o bicho.
Seu rosto estava sério.
Os olhos intensos.
- Deixei que ele conduzisse por um tempo e, quando notei para onde ele estava me levando, assumi as rédeas e fui o mais rápido que pude.

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