Capítulo 72

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      Horas se passaram desde o acontecido e eu tô tentando me recompor ainda. Minha cabeça ainda dói, eu não comi nada desde que vomitei, e ainda me sinto tonta. Mas óbvio que não contei sobre isso pras meninas, elas iam me encher o saco o resto do dia. Finalmente consegui achar uma escola de ballet pra Isabella, e ela já começa na semana que vem. Preciso procurar a roupa dela, a a sapatilha. 

    Desliguei a internet do meu celular assim que falei com a moça. Não estava nem um pouco disposta a falar com aquelas pessoas que nunca falaram comigo, e agora fingiam se importar com o que aconteceu. Só respondi o Bruno, a Luisa e a Paulinha. A vida de uma pessoa conhecida publicamente é um caos. As pessoas vão estar ali enquanto você estiver no topo, vão de elogiar, dizer que você é incrível e mais um tanto de coisas. Mas na primeira coisa que acontecer e te por pra baixo, as mesmas pessoas que te direcionaram palavras tão lindas, vão ser as primeiras a te por pra baixo e te humilhar.

    Nunca gostei desse negócio de ser público. Meus pais sempre foram, na verdade, eles não tiveram muita escolha. Mas eu sempre achei tóxico demais. Agora que assumimos a empresa, é difícil não estar nas capas de revista, ou em algum site de fofoca. Mas não dependo 100%  das redes pra ter um lucro. Admiro quem faz isso, na verdade, precisa ter um pscicologo muito bom. Mas não conseguiria, então sou grata por ter outra fonte de renda, que é a empresa.

    – Maiara? – Ouvi a voz da Marilia do corredor, e olhei pra porta – Vamo jantar.

    – Só um minuto.

    – Conseguiu a escola? – Assenti.

    – Sim. – Me levantei – Ela começa na segunda.

    – Você se sente bem? Sua cabeça não tá doendo mais?

    – Tá doendo um pouco, mas nada demais. Vamos jantar.

    Descemos pra cozinha encontrando o Léo sorrindo do jeito mais gostoso do mundo pras brincadeiras que a Isabella fazia, e Maraisa admirando eles. Me sentei pra servir Isabella, e depois de fazer isso fui me servir.

    – Mamãe achou sua escola de ballet.– Ela me olhou com os olhinhos brilhando.

    – Achou?

    – Achei. – Ela sorriu – Semana que vem você começa.

    – Vamos comprar a roupa? – Bebi um pouco de água.

    – Podemos fazer isso amanhã, o que acha?

    – Tudo bem.

    Minha irmã estava o tempo todo calada, não faço ideia do porquê, e também não quis perguntar agora. Jantamos e logo as crianças foram pra cama, Isabella estava cansada após o dia na piscina, e o Léo também. Marilia estava no banho, e Maraisa na varanda sozinha. Deixei meu celular na cama, e caminhei até ela sem que a mesma percebesse.

    – O que tá pensando? – Apoiei meus braços na proteção que tinha ali, do mesmo jeito que minha irmã estava.

    – No Cesar. Ele deve estar arrasado. – Segurei sua mão – Uma criança de 8 anos, tendo que ver a mãe morrendo, e agora que isso aconteceu, ele tem que ver o nosso pai se afundando.

    – Ele deve estar tão confuso. – Ela concordou com a cabeça.

    – Dói em mim também, sabe? – Ela me olhou mordendo o lábio inferior pra impedir que seu choro tomasse conta dela – Mas não queria que doesse. Foi horrível o que ela fez com a gente. Eu não deveria sentir. – Seus olhos voltaram pra frente.

    – Ei, não se culpa desse jeito. – Acariciei suas costas – Tá tudo bem sentir isso, ok?

    – É estranho – começou. – Muito estranho. Antes falávamos deles com tanto orgulho. Mas agora falamos e sentimos tudo, menos orgulho.

    – Eles destruíram a gente. Mas antes disso, teve coisas boas.

    – Não consigo me lembrar de nenhum deles. – Ela se virou pra mim – É como se... – fechou os olhos por alguns segundos – como se tudo de bom sumisse diante das ruins. Como se os momentos bons fossem apenas um cobertor para os ruins. Mas de alguma forma, os ruins sempre prevalecem.

    – Acho que quando uma pessoa faz algo que nos machuca muito, esse sentimento acontece automaticamente. Você sente tanta raiva, que os momentos bons somem como os grãos de areia entre nossos dedos. – Ela assentiu – É inevitável. Impossível controlar.

    – Todas as vezes que tento pensar em um momento bom, os ruins vem com mais facilidade. – Sua testa franziu – Vivemos 16 anos das nossas vidas muito bem com eles. Éramos uma família linda, mesmo com todos os trabalhos e questionamentos de tanta proteção. Éramos felizes. – Assenti – Mas tudo se desfez tão rápido.

    Seus olhos carregavam raiva, só de falar na mamãe sua postura mudava. Mas no fundo, tinha dor e uma ponta de saudade. Ela tenta acobertar todo esse sentimento, mas sei o quanto ela queria que tudo fosse normal como antes. Sei que ela queria que fossemos todos unidos, mesmo com todos os defeitos; sei que ela queria voltar a quado tudo era resumido na nossa família.

    Nessa hora sinto uma pontinha de culpa. Eu poderia ter escutado a mamãe, e talvez nada disso teria acontecido. Mas assim que paro de pensar, sinto uma pontada no peito. Isabella. Eu não teria a Isabella. E agora que tenho ela, não consigo, de jeito nenhum, imaginar minha vida sem ela. Aquele serzinho de meio metro, sorridente e com energia pra dar e vender me faz querer viver. Isabella me faz querer ressuscitar o que morreu em mim.

    – A gente é nova demais, e já passamos por coisas demais. É confuso e assustador.

    – É. – Ela me olhou.

    – Eu não quero que se culpe por nada que aconteceu, ok? – Assenti – Aconteceu porque tinha que acontecer, e você não tem culpa.

    – Tudo bem. – Respondi segurando as lágrimas

    – Eu sinto saudades de como tudo era antes. Mas se voltar a ser com antes, significa não ter a Isabella e o Léo, eu com certeza escolheria o agora; com eu e Marilia casadas, com a Isabella, com o Léo. Essa é a minha melhor versão.

    Marilia pigarreou.

    – Não queria atrapalhar, mas não pudi deixar de escutar um pouco da conversa. E eu tenho muito orgulho de vocês. Eu não sei como eu aceitaria o fato de estar grávida aos 16 depois de ser abusada, e meus pais me colocarem pra fora. Não é nada fácil, na verdade, é bem desesperador. – Marilia me olhou – Mas você deu conta! Você não quis fugir em momento nenhum. Desde o início você soube o que fazer, e mesmo que tenha acabado de um jeito horrível, você estava pronta pra enfrentar tudo pela sua filha.

    Sorri enquanto as lágrimas molhavam meu rosto.

    – Você não é perfeita, nenhuma de nós três somos. Mas nós já enfrentamos mais coisa do que muita gente mais velha. E estamos vivas! Estamos bem, e não dependemos de ninguém. – A loira se levantou – Vocês duas, são incríveis. E eu não tô falando isso por falar não. Vocês deram conta de tudo, e deram sozinhas. Eu tenho orgulho de vocês! E ninguém muda isso.

    Todas as vezes que eu sinto saudades de antes, eu lembro disso aqui. Eu tô bem melhor agora, e não mudaria essa fase por nada.

Sempre foi elaOnde histórias criam vida. Descubra agora