Capitulo 83

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    Vazio // •

    adjetivo

    1. que não contém nada (ou contém apenas ar) ou quase nada.

    Eu me sinto vazia. Sozinha. Me sinto um nada. Sinto que estou morrendo aos poucos desde ontem. Aquele acidente não me matou, mas a dor, com certeza vai. Ontem, quando minha tia falou que a mamãe não tinha resistido, eu pedi pra Jesus me levar também. Pedi porque sem a minha mãe, eu perco metade da minha vontade de viver. Sou imensamente grata pelas minhas tias e o Léo, porque eu não vou estar sozinha enquanto eles existirem. Mas, tem um vazio aqui, tem um oco que nunca vai ser preenchido.

    É como se eu estivesse bem no olho de um furacão, ou numa tempestade em alto mar; e dessa vez, eu não tenho a minha mãe pra me tirar dela. E isso dói. Dói demais. É sufocante. O funeral foi horrível, eu só queria que ela levantasse dali e falasse o que ela diria se eu dissesse que sonhei com a morte dela "Tá tudo bem, filha. Sua mãe vai ficar velhinha do seu lado". Queria ouvir a voz dela e sentir seus toques, queria correr pros seus braços e chorar quando estiver cansada.

    Diferente do que falam, a morte não é só uma viajem. A morte é o fim dessa vida. Em uma viajem você pode visitar a pessoa, ou ela te visitar; pode mandar uma mensagem, ou fazer uma ligação, pode até mandar cartas e esperar que a pessoa corresponda; mas na morte não. A morte não tem visita. Você tem que viver com aquela dor, aquela angústia da saudade te dilacerando por dentro, e não tem nada que possa mudar isso. Nada muda a dor. Dizem que com o tempo você se acostuma, mas acho que não.

    Eu acho que o luto é como uma onda. Ela vai, as vezes vem fraco, as vezes bem forte. Mas tá sempre ali, independente da intensidade.

    – Eu posso entrar? – Perguntei batendo na porta do quarto das minhas tias.

    – Pode, meu amor.

    Elas estavam deitadas, acolhendo uma a outra.

    – Eu quero conversar com vocês. – Falei e a cópia da minha mãe me chamou pra sentar do seu lado.

    – O que você quer falar?

    – Quero trancar minha faculdade. E sair do ballet. – Falei – Não vejo sentido em continuar com nada. Não quero mais nem sair de casa.

    – Meu amor, eu sei que tudo isso tá acabando com você. Tá recente, não tem nem 24 horas que tudo aconteceu, mas você não pode se fechar pra tudo assim. Não faz bem, sabe? – Tia Maraisa falou acariciando meu rosto.

    – Eu não consigo fazer nada sem pensar nela. Eu não consigo mais falar sem chorar. Meu corpo todo dói. Não vejo mais sentido em nada.

    Minha voz pesou, e eu olhei pra frente vendo um quadro. Me levantei da cama indo até ele, e quando vi a mamãe peguei o quadro.

    – Ela disse que me amava quando viu o carro vindo na nossa direção. – Falei olhando pra elas – Ela segurou minha mão quando eu segurei a dela, e disse "Eu te amo! " – sorri olhando pro quadro. – É errado eu querer desistir de tudo?

    – Não, óbvio que não. Você passou por um trauma, tá tudo bem. – Tia Marilia disse – Mas você não pode ceder aos seus pensamentos. Nossa cabeça é traiçoeira, pequena.

    – Pensei em me matar hoje mais cedo. – Elas se entreolharam e engoliram seco – Eu me sentei na cama, olhei pro quadro que tem no quarto, e pensei "quantos cortes eu preciso fazer pra morrer?"

    Minhas tias me olhavam assustadas, elas não falavam nada, só me ouviam.

    – Eu faço ballet, aguento sentir dor. Faria quantos cortes fossem necessários. – Dei de ombros – Lembrei que tem kits de primeiros socorros aqui, e eu achei uma lâmina no quarto do lado.

Sempre foi elaOnde histórias criam vida. Descubra agora