Capítulo 1

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Estranho como coisas boas acontecem sempre juntas. E as ruins também.

Nunca pensei em ser mãe solo. Embora tenha vindo de um lar disfuncional, sempre sonhei com um amor e finais felizes. Mas, o destino é filho da puta e me presenteou com um relacionamento meia boca aos meus 17 anos. O cara não tinha maturidade nem para amarrar os próprios cadarços sozinho, que dirá assumir um relacionamento. Ok, que nessa idade também não tinha muito, mas já trabalhava e fazia o meu próprio dinheiro para despesas pessoais. Graças a meu antigo padrasto que me ensinou desde cedo a correr atrás do que desejava e nunca deixasse de estudar.

Hiroshi, foi o mais próximo de um pai que poderia ter, e juro que não sabia como ele aguentou tanto tempo a minha mãe. Às vezes nem eu mesmo aguentava, ela não nasceu para ser mãe, posso te garantir. Talvez, e só talvez, seja o fato que eles formavam um casal bastante exótico. Ele japonês original, ela uma mulher preta exuberante e com muita ginga nos pés. Diferente de mim, que tenho dois pés esquerdos, ou simplesmente detestava tanto o exibicionismo da minha progenitora que escolhi ficar longe de qualquer ambiente festivo.

Meu pai verdadeiro, nunca vi, somente o nome dele constava em meus documentos, mas sabia de certo que não valia um centavo, então nunca procurei o infeliz.

Assim continuei trabalhando, fiz todos os tipos de cursos oferecidos na comunidade em que vivia no Rio, aprendi também um pouco do japonês e entrei de cabeça no inglês. Passei com boa classificação no curso de administração, me formando com boas notas. Ganhando o passaporte para trabalhar em uma empresa de nível internacional, mesmo não tendo o cargo que merecia por todo o meu conhecimento.

Foi um bom emprego? Foi, sim. Mas, essa notícia não veio em conjunto com outra boa notícia. Fui convidada para uma entrevista em São Paulo e vi a oportunidade de me afastar de vez do ambiente desgastante que é conviver com a minha mãe. Meu padrasto a muito tinha voltado para seu país e na cama da minha mãe já havia perdido as contas de quantos passou por lá.

Deus, como poderíamos ser tão diferentes e compartilhando o mesmo sangue?

Nem tenho como responder essa pergunta. Passei a faculdade inteira sem ter um relacionamento. Fui em duas ou três festas com um grupo de colegas de classe e beijei dois carinhas somente. O trauma da adolescência foi gigante demais, me perguntam? Não, mas o foco em conquistar algo melhor, era muito maior. Não queria desvios.

Voltando ao fato da oportunidade, fui para São Paulo de ônibus, pois não tinha suficiente para um voo e precisava economizar o máximo possível, fiz a bendita entrevista e consegui entrar na empresa. Até aqui, tudo ok. Consegui alugar um apê simples, quase uma quitinete com alguns móveis velhos e decretei a minha liberdade. Voltei para o Rio somente para pegar meus pertences pessoais. Minha mãe? Nem um adeus me deu, estava muito ocupada com a sua roda de samba para vir se despedir da filha.

Três anos depois e nenhuma promoção veio. Frustrada, sem amigos, fora a Alice que me recebeu como uma irmã e me ajudou em tudo que podia para a minha adaptação, e sem visão para um futuro que sempre sonhei e que era grande demais para minhas mãos pretas alcançarem.

Mas, como chegou a ser mãe solo? Então? Nos primeiros meses da nova moradia, para me socializar, sai da minha zona de conforto e fui a todos os tipos de compromissos que os colegas de trabalho me convidavam. E acreditem não eram poucos. Em uma dessas conheci o infeliz do meu agora ex-namorado que foi todo sorriso e carinho e com aquela carinha linda me conquistou. André era uma tentação em pessoa. Alto, olhos claros, malhado e muito cheiroso. Sempre estava bem-vestido, mas foi porque a mamãe bancava tudo, e só descobri bem depois. Éramos bem diferentes, e ainda tinha o agravante que a mãe dele tinha um verdadeiro preconceito contra a minha cor. Mas, acho que no final ela tinha era ciúmes do bebê dela. Sorte a minha por não ter que conviver com aquela mulher rabugenta.

Nosso relacionamento era morno, contudo, o mantive por comodidade, não queria ficar sozinha. Meu erro, ou não, pois o idiota ao descobri a minha gravidez pulou fora me deixando para guiar o barco sozinha, assim como meu pai fez com a minha mãe. Ou pior, já que o sobrenome dele eu tenho e a minha filha nem isso vai ter, pois não pretendo ir atras.

O lado bom de tudo isso é que agora não estaria sozinha no mundo. Só tinha medo de não ser uma boa mãe, minha bebê que ainda não veio ao mundo não poderia sofrer os males da vida que passei crescendo com a minha própria mãe.

-Alice, pode me passar a chave de fenda menor. – pedi a minha amiga, enquanto estava ajoelhada no chão do segundo quarto do apartamento que com muito custo consegui alugar no mesmo prédio que ela morava.

-Porque não paga alguém para montar esses móveis, sua vaca? – ela falou me chamando carinhosamente, leu a ironia.

-Porque preciso economizar, cretina. – Respondi no mesmo tom carinhoso. Ela sabia que estava sozinha e se tinha uma lição do Hiroshi que levo para a vida era essa, "não gaste mais do que pode juntar". Eu tinha uma boa economia, mas estava sozinha e não podia arriscar, crianças geravam despesas altas demais.

-Aquele infeliz deveria arcar com metade de tudo isso aqui.

-Aquele infeliz eu quero longe da minha Pérola. – falei entredentes. A ferida estava aberta demais. Assim que avisei da gravidez o bastardo pediu um tempo para processar a informação. Uma semana depois ele voltou com um envelope contendo três mil reais e um endereço de uma clínica para aborto clandestino que a mãe dele tinha conseguido. Fiquei estática, segurei o envelope e dei a entender que iria, me faltou palavras na hora. Eu não gostava de brigar, cresci sendo pacífica. Pacífica até demais, com todos os preconceitos recebidos ao longo deste tempo.

Na noite seguinte ele voltou ao meu antigo apartamento, tentou me beijar e desviei dele. Ele estava crendo que tinha sido um sucesso o procedimento. Peguei o celular de costas para ele e liguei o gravador de áudio, lá conversamos e deixei arquivado a confissão de que ele não queria ser pai. Depois de tudo pronto, as lágrimas desceram e pedi para que saísse da minha casa e nunca mais voltasse. Não havia mais vínculo entre nós, e ele saiu pensando que realmente não tinha mesmo. Espero não precisar responder a minha filha quem doou a metade do DNA dela no futuro.

-Ok. Não está mais aqui quem falou. – acordei da lembrança amarga, com a resposta da minha amiga. Voltamos a montagem do quartinho da minha filha e nada mais sobre o infeliz foi dito.

Minha filha era apressada e antes de completar os nove meses no quentinho da minha barriga ela pediu para nascer, no meio de uma reunião importante da empresa a bolsa estourou e fui feliz indo receber a Pérola em meus braços. Com menos de quatro horas de trabalho de parto, ela estava berrando a plenos pulmões. Minha menina perfeita, com sua pele retinta e pasmem, olhos incrivelmente azuis, como o do traste. Ela foi o bebê sucesso da maternidade, naquele dia 24 de junho.

Alice e seus pais foram meu porto seguro nos primeiros dias. Foi a família que me acolheu e me manteve de pé quando fraquejei, eu não era de ferro.



Espero que tenham gostado do primeiro capítulo, em breve nos vemos de novo, por aqui.

Votem e faça essa escritora feliz. Beijinhos

Má conduta( Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora