Capítulo 63

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Um gato.

Foi isso, quero dizer, foi ele quem derrubou uma jarra de vidro de cima da bancada da cozinha. Um gato. O animal e eu nos encaramos no que parece ser uma batalha sem finalidade, enquanto ele lambe a pata peluda lentamente e mia alto.

— Eu não curto animais peludos, carinho. — Digo e o gato mia em resposta, pulando da pia para o chão e vindo se acomodar entre minhas pernas, arranhando minha calça com suas garras. — O quê? Você não sabe lidar com a rejeição? Supere isso. — Falo, cedendo ao seu olhar e me abaixando para coçar sua cabeça. Ele é se aninha ao meu toque, miando por mais quando faço menção de levantar.

MIAU.

— Certo, só mais um pouco, ok? — Tento negociar com o felino, que me olha como se eu estivesse usando os argumentos errados. — Eu não sou sua subalterna. — Resmungo, quando ele deita de barriga pra cima e inclina a cabeça para o lado. Reviro os olhos e o acaricio. — De onde você veio? — Penso em voz alta, mas por alguma razão o gato me encara e depois olha para a janela.

Ele me entendeu?

Quando penso em abrir a boca para fazer outra pergunta, uma sobre a senha do cofre, fecho imediatamente ao perceber que seria o auge do meu dia.

— Um pouco de loucura não faz mal para ninguém, faz? — Digo e mais uma vez, o gato mia.

Balanço a cabeça, deixando o animal deitado no chão para ir até a janela. Ela está fechada, então não tem como ele ter entrado por aqui, sem falar que é alto demais. Olho de volta em sua direção, o analisando de forma mais crítica, me atentando no quão bem cuidado ele parece. Gordo, pelos limpos e macios, ele é cinzento, mas a parte da barriga é branca. Hmm.

— Você é de um vizinho?

Espero um miado, mas dessa vez, ele só fica lá me observando e lambendo as patas.

Minhas sobrancelhas se unem quando o peludo se mexe e um tilintar ressoa dele, só então percebo a coleira presa ao seu pescoço com um pequeno sino. É de couro com pequenos cristais embutidos ao entorno, quando toco o sino descubro um pingente com a letra A.

Ah.

MEU DEUS!

— Você pertence a Ariel!? — Praticamente grito tamanha euforia e o bichano se assusta, pulando para trás e se arrepiando todo. — Pare de bobagens e venha aqui. 

 Tento alcançá-lo, mas aparentemente perdi sua confiança e interesse, porque ele se afasta e me ameaça com as unhas afiadas. — Atrevido!

O observo se afastar, andando pelo corredor de volta para a sala como se já conhecesse o lugar, melhor, como se fosse o seu reino. Existe essa coisa de que gatos acreditam que seres humanos são seus escravos e tenho certeza que este não é diferente, mas aí está outra questão. Se ele mora aqui, se pertencia a Ari, quem tem cuidado dele?

O homem da recepção?

Não.

Talvez?

Puff. Puff. Puff

Sem me virar por completo, encaro a pia, a torneira pinga sobre um prato com resto de comida.

RESTO DE COMIDA.

As paredes da cozinha parecem se mover, seguindo em direção ao meu corpo, me deixando claustrofóbica. Eu dou o primeiro passo em automático, apertando a torneira para que não pingue mais, então eu fixo meu olhar no prato, depois no copo e na xícara ao lado. Vou à geladeira e abro, cheia de alimentos, sigo para o armário e vejo o mesmo.

Que diabos!

Esse apartamento não deveria ser algo abandonado ou algo assim?

Mais uma vez penso no homem da recepção, ele não gostou da minha presença, mas pareceu conhecer Ari muito bem pela forma que falou dela. O que não consigo entender é porque dele não me avisar estar morando aqui, então, mais uma vez, pode não ser ele. Mas quem?

Existiam roupas de homem no closet.

Esfrego minha têmpora, de repente me sentindo cansada demais para pensar.

Tenho certeza que se passa um minuto até que ouço o gato miar, mas não sigo para a sala para entender o que o pertinha fez dessa vez. Vou direto para o quarto e digito a única data que eu gostaria de esquecer. A única que todas nós dividimos sem querer.

O dia que assassinamos alguém.

O cofre faz um click e então abre.

Eu nem consigo acreditar quando encaro os três envelopes na parte de dentro. O gato volta a miar, mais alto do que o miado anterior. Quase como se ele estivesse me enviando um aviso.

Pego o primeiro envelope, enfiando a mão dentro e retirando trÊs passaportes.

Um para Ari, outro para Tilly e o terceiro... eu não o conheço.

O ponto é que Tilly não se chama Tilly no passaporte, nem Ariel tem seu nome verdadeiro. Ari também não Ari, ela está usando a peruca ruiva que encontrei em seu closet. Eu começo a ficar aflita, sentindo mãos apertando meu coração. Enfio os outros dois envelopes na bolsa sem estudar o que tem dentro deles com os passaportes e volto a fechar o cofre. Em poucos segundos, estou cruzando a porta de entrada e pedindo o elevador.

Quando passo pelo mesmo homem na recepção, tudo que ele faz é me encarar e sorrir. Penso em perguntar se ele sabe quem tem alguém morando no apartamento da minha amiga, quero exigir que ele me diga a identidade da pessoa e todas as informações extras que ele parece saber, mas não o faço. Apenas o encaro séria.

— Você parece que viu um fantasma. — Resmunga, mas existe algo mais, um sorriso retorcido para cima. Então eu sei, eu tenho a certeza que ele sabe quem está morando no apartamento de Ari.

Aperto meus olhos no seu rosto.

— Estou indo.









NOSSO SEGREDO - LIVRO 1. CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora