Novembro, 2027.
...POV S/N Peña.
Um mês. Um mês se passou, e as coisas ao meu redor mudaram tanto que parece difícil acreditar e de acompanhar. Júlia e eu estamos tentando. Tentando o quê exatamente? Acho que tudo. Nenhumas das duas fez um pedido de namoro, mas agimos como se estivéssemos em um. Talvez, no fundo, não precisemos de um rótulo. O importante é o que sentimos uma pela outra, mesmo que, às vezes, seja difícil de admitir.
Os altos e baixos são constantes, como se estivéssemos em um piloto automático, seguindo adiante porque, bom, parar não é uma opção. E sempre que as coisas desmoronam, um beijo ou uma ida à sorveteria parece consertar tudo, como se estivéssemos apenas colando os pedaços do que restou.
Mas será que só isso é o suficiente?
Eu penso nisso enquanto estou aqui, dentro desse avião, enquanto eu olho pela janela do avião da Aeronáutica, o céu claro lá fora contrastando com a turbulência que sinto dentro de mim. Hoje é mais um dia de aula, mais um teste de habilidade que, se falhar, pode significar o fim. O instrutor me passou a missão: passar o avião entre os arcos. Se eu bater... O avião cai. E eu? Não sei se vou me manter viva. Não quero tentar a sorte. O medo de errar, de cair. A vida parece funcionar da mesma maneira; um pequeno desvio e tudo pode desmoronar.
"Viver em piloto automático" não é apenas uma frase qualquer. Ultimamente, tem sido a minha vida. Sempre gostei da sensação de controlar algo, seja na minha carreira ou nos meus relacionamentos. Mas agora? Agora, parece que estou apenas seguindo o fluxo, como uma passageira dentro de mim mesma.
Sempre fui impulsionada pelo desejo de provar algo a alguém, mas às vezes, me questiono: por quê? Para quem estou fazendo isso? O piloto automático da vida parece assumir o controle, e eu sigo, sem questionar, sem hesitar. Tudo o que faço, tudo o que realizo, parece ser por inércia, como se eu estivesse apenas cumprindo uma função. Um dia eu vou morrer, um dia eu chego lá, mas até lá, o piloto automático me leva onde ele quer.
Eu sei que eu deveria sorrir mais. Deveria abraçar meus pais, viajar o mundo e socializar. Tudo parece tão simples quando se canta, mas na realidade, sorrir às vezes é a parte mais difícil. Eu deveria apenas agradecer, aceitar que tudo o que vem, eu fiz por merecer. No entanto, na maioria das noites, quando vou dormir, não consigo relaxar. Minha mente não me deixa descansar, como se o peso do mundo estivesse sobre meus travesseiros.
Deixar a vida me levar para onde ela quiser... Isso é exatamente o que estou fazendo. Deixando as coisas acontecerem sem realmente refletir sobre o que elas significam, sem questionar se é isso que eu realmente quero. Como se estivesse voando cegamente em direção ao desconhecido, contando com a sorte para me manter no ar. Se for preciso, eu deixo a maré me levar, e a maré está me levando, mas para onde? Para a segurança de um relacionamento ou para o naufrágio?
Penso em Júlia e em como tudo poderia ser diferente. Em como ela se tornou uma parte de mim, mas também uma fonte constante de incerteza. Eu a amo? Sim. Mas será que é o suficiente? Será que é o bastante para continuar voando sem destino?
O avião balança, e meu coração salta na garganta. Eu sei o que tenho que fazer: manter o controle, passar pelos arcos sem hesitar, sem falhar. Mas cada vez mais sinto que estou apenas fazendo isso por fazer, sem o mesmo entusiasmo que tinha antes. Como se eu tivesse perdido algo no caminho.
Eu nunca fiz questão de existir, de verdade. Não queria incomodar. Talvez, um dia, eu descubra uma maneira de aparecer, de ser notada por quem realmente importa. Mas enquanto isso, continuo aqui, tentando atravessar os arcos, mantendo o controle desse avião, tentando manter o controle da minha vida.
Guilherme pediu a Flávia em namoro, e ela aceitou. Os dois parecem viver sem conflitos, como se estivessem em uma zona de conforto que eu vejo. A família Soares me aceitou de braços abertos, me tornou uma filha, mas às vezes, não posso deixar de me sentir uma intrusa, uma peça que foi encaixada ali, mas que não pertence realmente.
Júlia está competindo no Campeonato Brasileiro de Ginástica Artística na Bahia. Ela se mantém ocupada, envolvida em algo maior que nós duas. E eu aqui, sentada nesse cockpit, mantendo tudo em ordem enquanto minha mente vaga por lugares que eu preferiria evitar. Quando Júlia me manda fotos do campeonato, ela parece feliz, determinada. É como se ela estivesse seguindo sua própria rota, enquanto eu estou aqui, tentando descobrir a minha. Estamos juntas, mas cada uma em seu próprio caminho. "O nosso caminho já não existe mais." Será que, sem perceber, estamos nos afastando em vez de nos aproximar?
O casamento de Giovana e Lucas está chegando, e todos estão animados, radiantes. Eu tento me envolver, tento sorrir, mas é difícil quando parece que estou apenas cumprindo uma rotina, vivendo no piloto automático.
"Quase toda vez que eu vou dormir, não consigo relaxar."
Essas palavras me atingem de novo, como um soco. Minhas inseguranças, meus medos, tudo parece se acumular e se transformar em um peso insuportável. E eu continuo aqui, balançando entre arcos, tentando não cair, tentando manter o controle, mas às vezes, me questiono se estou realmente no controle de algo.
Olho para os controles do avião, as mãos firmes no manche. Posso controlar isso, mas e o resto? E meu coração, e minhas escolhas? Será que estou disposta a continuar vivendo assim, em piloto automático? Eu ajusto o curso, respiro fundo, e tento me lembrar de quem eu sou e do que realmente quero. Talvez hoje eu consiga passar pelos arcos sem bater, talvez eu consiga manter esse avião no ar. Eu preciso descobrir como sair desse piloto automático antes que seja tarde demais.
"Um dia eu acho um jeito de aparecer e você notará."
Será que Júlia nota? Será que alguém nota? Eu sigo, esperando que, um dia, esse piloto automático me leve para onde eu realmente pertenço, mas por enquanto, continuo nesse voo incerto, tentando, apenas tentando não cair.
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Cockpit é a cabine do piloto no avião. (imagem da capa)
Gostaram da S/N vivendo no modo Piloto Automático?
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Ondas e Pódios - Julia Soares.
Hayran KurguS/N Peña, uma brasileira de 21 anos, é uma jovem estudante de Direito, sargento e pilota da Aeronáutica Brasileira. Além de tudo, ela é convocada para ser nadadora e representar o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de 2027 no Peru. Durante uma entrevis...