O ar ainda estava frio quando abri os olhos. Uma daquelas manhãs em que tudo parece calmo demais, e o silêncio fica pesado, como se estivesse à espera de algo. Sentei-me na beira da cama e esfreguei as têmporas, tentando afastar o cansaço da noite mal dormida. Sabia que não adiantava mais enrolar. Tinha que contar tudo. A verdade, nua e crua, para as meninas. Cada detalhe sombrio que mantive em segredo até agora. A mentira já pesava como uma âncora presa ao peito. A culpa de tirar uma vida já me consumia; mentir para as pessoas que amo só tornava tudo mais insuportável.
Me preocupei com Victoria – claro, como sempre. Se soubesse, ela se culparia por tudo. Afinal, era a relação dela com o Erick que trouxe essa sombra para perto de nós. Mas destruir essa ameaça foi escolha minha. Era uma decisão que eu tomaria mil vezes, sem hesitar, só para protegê-la. Por respeito. Por amor. Por tudo.
Fui ao quarto da Ana Clara, esperando vê-la lá, mas a cama estava arrumada e fria. Sabia que ela estava com Victoria. Desde aquela discussão há dois dias, ela não apareceu mais em casa. A imagem dela, com aquele olhar de medo e decepção, não me saía da cabeça.
Sem hesitar, caminhei até o quarto de Hayley e dei uma leve sacudida em seu ombro para acordá-la. Quando ela abriu os olhos, apenas murmurei:
— Precisamos ir até o apartamento da Victoria. Agora.
Ela me lançou um olhar meio confuso, ainda sonolenta, mas logo entendeu que era sério. Em silêncio, pegou um casaco e saiu comigo. O caminho até lá foi uma eternidade. Cada batida do coração parecia contar os segundos que eu desperdicei escondendo a verdade. Quando finalmente chegamos, tomei um fôlego profundo e toquei a campainha, sentindo meu estômago revirar.
A porta se abriu lentamente, revelando Victoria, com aquele ar meio cansado, meio desconfiado.
— Nathalia, Hayley... o que foi? — perguntou, observando-nos de cima a baixo.
— Precisamos conversar. Onde está a Ana Clara? — perguntei, a voz saindo mais grave do que eu pretendia.
Victoria deu um suspiro, como se estivesse reunindo paciência para lidar com mais uma surpresa.
— Entrem. E, pra sua informação, a Ana Clara não está aqui. Desde o pôr do sol, ela voltou pra casa... a sua casa, Nathalia. E me mandou mensagem dizendo que estava chateada. Ela desabafou comigo.
Fiquei ali, parada, tentando processar. As palavras de Victoria me atingiram como um soco. Ana Clara não estava em casa. Não havia estado em casa nos últimos dois dias. Senti o chão vacilar.
— Como assim? Ela... ela não voltou. — As palavras saíram trêmulas. — Desde a invasão, eu não a vejo.
Victoria franziu o cenho, agora mais alerta, preocupada.
— Que invasão, Nathalia? — ela perguntou, cruzando os braços. — Do que você está falando?
Meu coração disparou, e senti minha mente girar em mil direções diferentes. Comecei a traçar teorias frenéticas, imaginando o que poderia ter acontecido com Ana. Cada possibilidade me atingia como um choque elétrico.
— Hayley — murmurei, sem desviar o olhar de Victoria —, foi o Macedo. Só pode ter sido ele.
— Nathalia, o que está acontecendo? — Victoria perguntou, a voz um pouco mais alta agora, claramente alarmada. — Quem invadiu a casa de vocês? O que você não está me contando?
Respirei fundo, tentando acalmar minha mente e encontrar as palavras certas. Mas a verdade era grande demais para ser contida.
— Dois dias atrás... houve uma invasão! Só que, desde então, tenho certeza de que estamos sendo observados. Não me sinto segura. E agora... agora a Ana desapareceu!
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Perdido ao sonho
Ficción históricaQuando nos apegamos ao passado, o futuro promissor se obscurece sob o véu das lembranças, aprisionado entre os escombros do que já foi. É como se nossos sonhos, outrora radiantes e audaciosos, se perdessem na penumbra da nostalgia, enquanto nos enco...