Desde o primeiro instante em que nossos olhares se cruzaram, eu pressenti que algo de grande magnitude estava destinado a acontecer, ou melhor, que um sentimento profundo estava por se desenvolver. Recordo-me vividamente do momento em que retornei para casa, rogando com toda a minha força para que, pela primeira vez, meu corpo obedecesse à minha vontade, não ao contrário. Implorava para que as membranas plasmáticas de todas as minhas células se unissem e impedissem sua entrada. Sabia, de antemão, que se ela entrasse, não mais sairia. Contudo, minhas súplicas foram em vão. Falhei. Ela adentrou, sem esforço algum, tal como previra. Busquei proteção, porém negligenciei fortificar meu sistema imunológico. Desejei desviar o impacto, mas dispensei o colete à prova de balas. Não planejei me apaixonar, mas sucumbi ao seu beijo. Não desejava sua entrada, todavia, mantive a porta entreaberta. Ainda persisto em atribuir a culpa às minhas células por tudo isso. Porém, a quem pretendo iludir? Desde o primeiro olhar, já sabia que ela adentraria sem solicitação. Assim como ela mesma afirmou: "Eu entrei em sua alma sem pedir, mas foi uma entrada grandiosa."
Quando seus lábios tocaram os meus, meus olhos se cerraram, e os dela também. Naquele instante, tornou-se difícil discernir o que experimentava. Uma mescla de medo, paixão, carinho e uma torrente de sentimentos e pensamentos invadiram minha mente. Contudo, ali, com ela, não desejava estar em nenhum outro lugar. Percebi, naquele momento, que a desejava com fervor, independentemente de qualquer coisa. Queria-a com sabor de cerveja ou menta, simplesmente queria-a; dançando, imóvel, ou apenas sentada, apreciando música. Queria-a assistindo a filmes, séries ou programas tediosos na televisão. Queria-a em casa, no trabalho, na rua. Na praia, no campo, ou no trânsito. Desejava-a, com o cabelo cortado, usando minha camisa preta. De manhã, à tarde, à noite, na madrugada, com dinheiro ou sem nada, de braços abertos ou com expressão emburrada. Queria-a sorrindo, cantando, em silêncio ou falante. Com mãos entrelaçadas às minhas, separadas, vestida ou preferencialmente desprovida de roupa. De todo jeito, com defeitos, sem que isso importasse. Simplesmente, a queria, a quero e a continuarei querendo. Isso bastava para ambas. Se ela me quisesse da mesma maneira como a queria, seria a pessoa mais feliz.
Passaram-se dez dias, era meu aniversário, marcando meus 23 anos. O ritmo acelerado da vida cotidiana, entre estágio, faculdade e minha dedicação à banda, havia me mantido ocupado demais para sequer considerar a ideia de uma festa. A data caiu em uma segunda-feira, e honestamente, não planejava nada especial. Estava imersa em minhas tarefas habituais quando me dei conta de que era meu aniversário.
Eram 6:55 da tarde quando terminei meu estágio e me preparei para ir para casa. Em poucos minutos, estaria ligando para Vi. Minha mente já estava focada nela; sua companhia era tudo o que eu desejava naquele momento. Nossa relação estava em um excelente momento, e eu me encontrava cada vez mais apaixonada. Nos víamos diariamente, e a ausência dela, mesmo que por breves momentos, deixava-me com uma sensação de saudade constante.
Ao sair do trabalho, passei no supermercado para comprar algumas bebidas que estavam em falta em casa. Era uma tarefa que geralmente ficava por conta de Bryan, meu colega de casa, mas ele não se importava muito com esses detalhes. Enquanto percorria os corredores do mercado, escolhendo cuidadosamente as bebidas, peguei meu telefone para ligar para Vi.
"Oi meu Dengo, o que você vai fazer agora?" Perguntei a loira com a esperança de que ela aceitasse meu convite para algo especial.
"Oi Nath, eu estou ocupada com algumas coisas, hum? Acredito que terminarei tarde da noite! Sei que é seu aniversário e queria muito passar a noite com você, me desculpa." Assim que Victoria terminou sua fala eu murchei completamente, de fato não seria o melhor aniversário do mundo.
"Não precisa pedir desculpa, hum? Super entendo e sei que você anda muito ocupada ultimamente." Disse contra a minha vontade e falhando em não transparecer chateação e minha voz.
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Perdido ao sonho
Historical FictionQuando nos apegamos ao passado, o futuro promissor se obscurece sob o véu das lembranças, aprisionado entre os escombros do que já foi. É como se nossos sonhos, outrora radiantes e audaciosos, se perdessem na penumbra da nostalgia, enquanto nos enco...