Eu ainda sinto

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Eu sentia a vida pulsando de uma maneira estranha e distante. Acordei desnorteada, com medo e confusa, sem entender completamente onde estava. A luz forte refletia em meus olhos e, ao tentar me levantar, percebi que estava em um quarto de hospital. O medo havia desaparecido, substituído por uma estranha sensação de vazio. Eu me sentia desconectada do meu corpo, e a dor, que deveria estar presente, parecia ter sido apagada.

Eu andei pelo quarto, sem sentir o peso do meu corpo, apenas observando de uma perspectiva externa. Ao olhar para trás, vi meu corpo deitado na cama, pálido e machucado. Uma perna quebrada, um braço estilhaçado, cortes por todo o corpo. A visão era um lembrete sombrio da gravidade do acidente. Mas a realidade era diferente: eu estava em pé, livre de dor, e, ao compreender isso, percebi que estava em coma.

Sentia-me presa entre o mundo físico e uma consciência elevada. Podia ver e ouvir tudo ao meu redor, mas minha capacidade de sentir parecia ter sido desligada. Eu observava as pessoas chorando, suas emoções carregadas de desespero e tristeza, mas eu não conseguia sentir a mesma dor. A situação tinha um tom quase irônico para mim, e eu ria internamente da ironia da vida.

O tempo parecia se esticar e se comprimir simultaneamente. As horas passavam de forma confusa e eu tentava entender o que estava acontecendo. Eu reconhecia as pessoas que vinham me visitar, mas suas palavras e sentimentos não conseguiam penetrar o muro invisível que me separava delas.

Bryan foi a primeira pessoa que entrou no quarto. Eu o reconheci imediatamente, e a cena se desenrolou com uma clareza surpreendente. Ele se sentou ao lado da minha cama, segurando minha mão com uma força reconfortante. O gesto era simples, mas carregava um peso emocional profundo.

Bryan: — Olha aí, Nathalia, a grande e forte Nathalia Reis. Te derrubaram, minha amiga? O destino dessa vez pegou pesado, não é? Eu nunca sei o que dizer nesses momentos. Nunca passei por algo assim antes. Só sei chorar e lamentar, com medo de que tudo isso acabe e você vá embora. Como vou lidar com isso, Nathalia? Como vou enfrentar meus piores dias sem você? Você sempre esteve ao meu lado, me apoiou, me fez rir. Sempre me distraía com coisas bobas e me levava para beber. Eu voltava para casa de ressaca, mas no final, sempre me esquecia. Você me ensinou a superar, me fez a pessoa mais feliz. Sou grato por tudo. "Amigos para sempre," se lembra?

As palavras dele, carregadas de emoção e nostalgia, cortaram o silêncio do quarto. Eu não sentia nada, mas suas palavras eram carregadas de uma sinceridade que, mesmo em minha condição, consegui perceber. Bryan havia sido um amigo leal, alguém que sempre trouxe leveza à minha vida. Eu queria voltar e agradecer por tudo o que ele havia feito por mim, dizer-lhe que a amizade dele significava o mundo para mim. "Amigos para sempre," eu pensei, desejando poder expressar a ele o quanto significava.

Bryan se retirou do quarto, e eu fiquei ali, observando-o partir. Seu discurso, embora simples, tocou algo dentro de mim, mesmo que eu não pudesse sentir plenamente. Eu desejava poder reverter o tempo, voltar a esses momentos e agradecer a todos que estavam lutando por mim, que se preocupavam com minha recuperação. Eu queria estar lá, ao lado deles, para enfrentar a vida e seus desafios novamente.

Após ouvir as palavras de Bryan, um nome e uma imagem me vieram à mente. Eu reagi a isso com um sorriso, uma sensação reconfortante no meio daquela estranha realidade. Era como se um fragmento de minha consciência estivesse voltando, uma conexão com algo familiar e querido.

Enquanto eu estava ali, em pé, observando meu corpo imóvel na cama, os murmúrios dos médicos se tornaram mais claros. Eles falavam sobre mim, e eu escutava com uma clareza aguda, apesar de não conseguir sentir nada. O ambiente do hospital, as conversas, tudo isso parecia se desenrolar em torno de mim, uma peça de teatro em que eu era apenas um espectador.

- Ela já está assim há quase dois meses, por quanto tempo mais, Doutor? — perguntou uma voz que eu reconhecia. Era uma das minhas vozes favoritas, cheia de emoção e preocupação.

- Eu não sei, senhora. É indeterminado. Não posso lhe dar uma resposta. — O médico respondeu com um tom de frustração e desânimo.

- Por favor, Doutor, um sinal, algo assim. Eu não consigo vê-la assim. Não tenho forças para entrar neste quarto e vê-la deitada em uma cama sem reação. É demais para mim. Me dê um sinal, Doutor. Por favor. — A voz que eu conhecia estava carregada de lágrimas e angústia.

Essas palavras penetraram a barreira de indiferença que eu havia construído em torno de mim. Sentia algo, um sentimento que eu não havia experimentado nos últimos tempos. O amor e a dor na voz daquela pessoa, sua determinação em não desistir, estavam me tocando profundamente.

- Normalmente, pacientes em coma acordam quando algo dentro deles é despertado: sentimentos, dores ou pensamentos ocasionais. — Disse o médico, sua voz carregada de uma tristeza resignada.

- Eu já sei o que eu devo fazer. — A voz respondeu, agora com uma força resoluta que me deu um impulso de esperança.

Eu sabia que essa pessoa estava decidida a lutar por mim, e essa determinação parecia me alcançar, me dar uma razão para manter-me ali, conectada ao mundo. O desejo de voltar, de reagir, de fazer com que minha presença fosse notada estava se tornando mais forte. Eu queria que ela soubesse que estava ouvindo, que eu estava aqui, esperando um sinal, uma oportunidade para voltar a viver. 


Perdido ao sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora