Tolerância

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Estar ali, depois de tantos anos, parecia surreal. Priscila e eu sentadas num bar, às 21h, conversando sobre um passado que, para mim, nunca havia sido verdadeiramente deixado para trás. Quinze anos se passaram desde que seguimos caminhos diferentes, e no entanto, a conexão entre nós parecia intacta, como se o tempo não tivesse feito mais do que esticar um fio invisível, mantendo-nos sempre ligadas, apesar da distância.

Eu jurava que ela não iria aparecer mais em minha vida. Mas, como dizem, o destino adora brincar com os nossos corações, revivendo histórias que pensávamos estar encerradas. E ali estávamos, num reencontro que parecia uma dessas curvas do universo que mencionei em uma das cartas que enviei a ela tempos atrás.

Enquanto ela falava, percebi algo que me trouxe uma mistura de conforto e saudade: sua alma, a essência de quem ela era, permanecia a mesma. Talvez o rosto tivesse mudado, talvez nossas experiências nos tivessem moldado de maneiras diferentes, mas havia algo profundo e imutável dentro dela que eu ainda conhecia. E era esse algo que fazia meu coração bater um pouco mais rápido, como há quinze anos.

Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que o amor que ainda sentia não era suficiente para apagar o tempo e a distância que nos separavam. Não a conhecia mais como antes, mas o fio que nos unia persistia, provando que, embora o destino possa afastar, nunca rompe completamente os laços que une.

Ali, enquanto ouvia sua voz, percebi que, de alguma forma, tínhamos dado a volta completa, retornando ao ponto onde tudo começou. E mais uma vez, estava certa sobre essas curvas inesperadas que a vida nos proporciona. Quem sabe o que o futuro ainda reservava para nós? Tudo o que eu sabia naquele momento era que ainda estávamos conectadas, e isso, por si só, já era algo incrivelmente poderoso.

— Me diga, Nathalia, como está sua vida? — Priscila perguntou, inclinando-se um pouco para frente, curiosa.

— Para lhe falar a verdade, depois que você se foi, minha vida ainda deu muitas voltas. E, novamente, numa dessas voltas, foi parar em você. — Respondi, tentando esconder a mistura de emoções que estava sentindo.

— Por incrível que pareça, a minha vida também deu muitas voltas. Novamente, me trouxe até você. Estamos quites. — Priscila sorriu de maneira enigmática.

— Mas me diga, está casada? Noiva? — Perguntei, com um misto de curiosidade e esperança.

— Depois do seu incidente, conheci alguém e me casei. Mas o destino me mostrou que não era a pessoa certa. E você e Victoria? — Ela respondeu, com um tom que tentava parecer casual, mas que carregava uma ponta de interesse.

— Bom, eu me casei com Victoria e permaneci casada quase cinco anos. Mas então, eu precisei deixá-la ir. Coisas do destino, ela está produzindo um filme em Londres. — Explicando, senti uma pontada de tristeza ao lembrar daquele tempo.

— Mas você deixou ela ir assim, porque achou melhor? — Priscila perguntou, seus olhos refletindo uma preocupação genuína.

— Claro que não, nós sabíamos que o relacionamento não estava mais dando certo. Não havia amor como no começo; virou tudo afeto. A paixão se apagou, e decidimos que seria melhor. — Respondi, sentindo o peso das palavras.

— Me diga, você tem uma banda. Como está tudo? Você não acreditaria na volta que minha vida deu. — Priscila mudou de assunto, sua voz cheia de entusiasmo.

— Bom, minha banda acabou; nosso último show foi no Canadá. A produtora que ajudou a banda a crescer foi passada para mim, depois que o dono, um amigo meu, faleceu. Agora, eu e Kylie, minha sócia, estamos tocando a produtora. E você? — Perguntei, tentando desviar da tristeza que ainda sentia.

— Eu montei uma clínica veterinária, e hoje é a maior franquia do mundo. Comecei a empresariar pequenas empresas. E aqui estou eu, do outro lado do Canadá, para assinar um contrato. Mas me diga, como foi para você na festa do Nathan? — Priscila respondeu com orgulho.

— Nathan entrou em contato comigo sobre a banda dele. Ele estava procurando uma produtora para ajudar a banda a crescer, e eu aceitei. Não fazia ideia de que seria você. Agora, estou realmente com medo do destino. Nossos caminhos sempre se encontram, mesmo depois de anos. Eu agora acredito na lenda do fio vermelho. — Confessei, olhando para ela com um sorriso.

— Eu sempre acreditei, e você sempre duvidou. E agora, nós duas podemos ser usadas como um exemplo concreto... — Priscila disse, com um tom de realização.

— Me diga, quando você volta para a Austrália? — Perguntei, tentando manter a conversa fluida.

— Volto daqui a cinco dias. Irei passar um mês lá e depois voltarei para nossa cidade, para uma visita. — Ela respondeu.

— Não querendo parecer que estou seguindo você, mas eu comprei uma passagem para o Brasil, para daqui a um mês. Ou seja, iríamos nos encontrar novamente. — Priscila revelou, com um sorriso.

— O destino realmente brincou com a gente, não é? Por que você não vem para a Austrália comigo? E depois voltamos juntas para o Brasil. Estou morando em uma casa grande, você pode se hospedar lá. Já faz tanto tempo que não fazemos nada juntas. O destino resolveu cruzar nossos caminhos novamente. Então, vamos. — Ofereci, sentindo a empolgação e a esperança crescendo.

— Porque não, né? Mas antes de irmos, preciso passar em Toronto para pegar minhas coisas. — Priscila concordou, com um tom mais leve.

— Vamos fazer o seguinte: meu voo fará escala lá e, no intervalo, a gente passa na sua casa para pegar suas coisas. — Propus.

— Perfeito. Olha o que estou fazendo da minha vida novamente. O que você não me convence a fazer? — Priscila riu. — Mas deixando bem claro, tudo isso como amigas, certo? - A mulher mais velha afirmou rindo.

— Sempre, Priscila, sempre... Você nunca se esqueceu de que nós sempre iremos nos encontrar, não é? Eu já me acostumei com isso. Mas agora, acho que nosso caminho não se descruzará. — Disse, com um sorriso esperançoso.

Durante a conversa, uma parte de mim ainda nutria uma esperança silenciosa de que, quem sabe um dia, eu pudesse reencontrar Victoria para fazer as coisas de maneira diferente. Ela havia sido o grande amor da minha vida, e, mesmo que o destino tivesse nos separado, eu ainda guardava uma parte de mim esperando por um possível recomeço.

Perdido ao sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora