Estávamos indo para o meu apartamento, que não estava mais disponível para aluguel. Luiz, que me conhecia melhor do que ninguém, havia se encarregado de mantê-lo exatamente como estava. Ele cuidava da limpeza, preservava meus segredos e garantia que o lugar permanecesse intocado, como um santuário de memórias.
— Então, Vi, conheça minha cidade, meu lar — disse, com um sorriso.
Victoria olhou ao redor, respirando o ar familiar de Minas Gerais.
— Minas sempre continua o mesmo, pode passar anos. Tem dois anos que não venho aqui e essa cidade continua a mesma — comentou ela, com um tom de nostalgia.
Eu franzi a testa, intrigada. — Você nunca havia visto essa cidade aqui. Como sabe?
Ela sorriu misteriosamente. — Quem te disse que nunca havia visto? Eu conheço cada pedacinho desse lugar, Nathalia.
Minha curiosidade cresceu. — Como?
Ela apenas deu um sorriso enigmático e respondeu: — Você irá saber.
A resposta enigmática de Victoria deixou-me pensativa enquanto continuávamos nosso caminho até o apartamento. Quando chegamos, a familiaridade do lugar me acolheu de imediato. Luiz havia mantido tudo em ordem. As fotos nas paredes, os móveis no lugar, até o cheiro do apartamento era o mesmo. A sensação de estar em casa era reconfortante.
Enquanto explorávamos cada canto, Victoria parecia reconhecer todos os detalhes. Cada rua, cada loja, cada pequeno recanto da cidade parecia evocar uma memória nela. Fomos até a praça onde eu costumava brincar quando criança, e Victoria parecia saber exatamente onde ficava cada balanço e escorregador.
Após sentarmos na sacada do prédio e conversarmos muito, Victoria resolveu tomar um banho. Ana decidiu checar seus e-mails. Eu, por outro lado, fui para uma parte da casa que guardava todas as minhas histórias, segredos, tudo o que era precioso para mim.
Caminhei até a estante de livros e olhei na terceira fileira da segunda prateleira. Lá estava ele. Peguei o livro e o abri na página 234.
Texto para o futuro. Escrito em 14 de julho de 2013.
"Eu quero crescer. Amadurecer. Juro, quero mesmo. Quero aprender línguas que não sei. Quero conhecer novas culturas, povos, lugares. Quero me desapegar do velho. Quero não me fechar para as mudanças e para o novo. Quero não acumular rancores nem alimentar mágoas. Quero aprender a me pedir desculpa. Quero abandonar algumas saudades. Quero aprender a conviver com o que não posso modificar. Quero me mover mais e mais e mudar o que está ao meu alcance. Quero pouco e quero muito. Quero nada e quero tudo. Quero esquecer o que precisa ser esquecido. Quero nunca deixar de sorrir. Quero aprender a descascar laranja. Quero perder o medo de trovão. Quero ir. E vir. Mas nunca, nunca mesmo, deixar de sentir. Pretendo reler essa carta, em alguns bons anos, hoje eu estou completando meus 15 anos, e prometo nunca deixar de sentir, dor, felicidade, amor, infinitos de sentimentos. Eu prometo correr atrás de tudo. E quando reler essa carta. Pretendo estar seguindo atrás do meu sonho."
Fiquei imersa nas palavras, lembrando da garota de quinze anos que escreveu aquela carta. Ela tinha tantas esperanças, tantos sonhos. Olhando para trás, percebi que muitas das coisas que eu queria ainda eram válidas, mas de uma forma mais profunda e madura. Meu coração se encheu de uma mistura de nostalgia e orgulho.
De repente, fui tirada dos meus pensamentos por uma voz suave.
— Me parece que está concentrada — disse Ana, encostada no batente da porta.
— Ah, você não vai acreditar. Encontrei algo que escrevi há tantos anos. É uma carta para o futuro, escrita quando eu tinha 15 anos — respondi, mostrando a página aberta.
Ela se aproximou, sentando-se ao meu lado no chão. Olhou para a carta e depois para mim, seus olhos cheios de ternura.
— Isso é lindo, Nathalia. Você já realizou tantos desses desejos, sabia? Você cresceu, amadureceu, aprendeu novas línguas, conheceu culturas e lugares. E, o mais importante, nunca deixou de sentir.
Sorri, emocionada. — É verdade. Acho que, de certa forma, estou seguindo exatamente o que aquela garota sonhava.
-- Posso lhe fazer uma pergunta? - Ana disse me encarando. - Mesmo você indo morar na Austrália, não sente falta dos seus amigos? — perguntou ela, sua voz suave e cheia de interesse genuíno.
Eu suspirei, olhando para o horizonte. — Sabe, Ana, eu senti, sinto. Sempre irei sentir. Mas se tem uma coisa que meus amigos me ensinaram, é que não importa o tempo, nós sempre seríamos amigos. Um sentimento nunca morre, Ana. Ele sempre vai permanecer dentro de você. Lembre-se disso.
Ana sorriu, pensativa. — Irei me lembrar. Como as coisas são engraçadas, né? Você me conheceu e já me ajudou a entender um pouco sobre o destino. Me fez feliz, me faz. Namora minha irmã. Está realizando um sonho. Mas mesmo assim ainda se preocupa com o passado. Ou você acha que eu não percebi seu olhar ao entrar aqui? Eu observei cada detalhe: seus livros, suas fotos. Aposto que se eu abrir cada livro desses, vai ter uma lembrança, uma foto, uma carta, de algum momento na sua vida. Como você tem coragem de dizer que abandonou o seu passado?
Sorri com um toque de tristeza. — Ah, Ana. Eu não abandonei, nunca disse isso. Eu desapeguei, não tive medo de deixá-lo aqui. Eu amo sua irmã, Ana. Acredito que isso seja por causa de Priscila. Ela partiu, está em outra. Eu não converso com ela há quase um ano, um ano que não a vejo. Não sei por onde anda, ou com quem anda. Sim, Ana Clara, eu tenho uma lembrança em cada livro desse. A maioria tem a Priscila envolvida, caso queira saber. Mas por que não teria? Ela foi uma parte da minha vida. Mas eu segui em frente, estou com sua irmã hoje, pretendo viver com ela quando voltar para a Austrália. Ela vai morar comigo, eu vou pedi-la em casamento. E sim, tem um ano que a gente namora, mas não vejo por que alimentar esse laço. Pode ficar despreocupada, não vou fazer sua irmã sofrer.
Ana me olhou com compreensão. — Eu sei que não. Você está na cidade onde se apaixonou pela primeira vez, eu sei como são as coisas. Como vai ser encontrar com Priscila de novo?
Suspirei profundamente, tentando encontrar as palavras certas. — Quem disse que vou me encontrar com ela? Eu nem sei por onde ela anda. E mesmo se eu encontrar, vou dizer o quanto estou feliz ao lado de Victoria.
O rosto de Ana se iluminou com um sorriso. — Você vai pedi-la em casamento? — Ela disse, com um brilho nos olhos e um ar de felicidade.
Assenti, sentindo uma onda de emoção me inundar. — Vou, Ana. Vou pedi-la amanhã à noite no meu aniversário.
Ana me abraçou, transmitindo seu apoio e alegria. Naquele momento, senti que tudo estava no lugar certo. Eu estava pronta para o futuro, com Victoria ao meu lado, e com a certeza de que as memórias do passado só fortaleciam o amor que eu tinha no presente.
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Perdido ao sonho
Historical FictionQuando nos apegamos ao passado, o futuro promissor se obscurece sob o véu das lembranças, aprisionado entre os escombros do que já foi. É como se nossos sonhos, outrora radiantes e audaciosos, se perdessem na penumbra da nostalgia, enquanto nos enco...