Velhos tempos

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O tempo. Uma entidade paradoxal, não inimigo, nem amigo. Alguns postulam que tudo se desdobra na cadência correta, que cada evento tem seu momento predestinado. Alegam que, por mais inverossímeis que certas aspirações possam parecer, são destinadas a se concretizar em algum ponto do contínuo temporal. No entanto, permitam-me divergir. Por quê?

A passiva expectativa de que o tempo traga, como um presente imerecido, algo ou alguém, é uma falácia. A espera ociosa pode resultar em frustração, pois é na ação que os sonhos se manifestam na realidade. Para alcançar nossas ambições, não podemos nos fiar apenas no transcorrer do tempo, mas sim nas ações deliberadas e nas decisões firmes que tomamos.

Minha avó, uma mulher de sabedoria, certa vez me confidenciou que, por mais que o tempo passe, transformando-nos em corpo e alma, há algo que permanece inalterado: o coração. Este, ela disse, é a joia da eternidade. O amor que reside nele transcende o fluxo do tempo, é uma constante imutável e eterna. Portanto, é na ação e na constância do amor que reside a verdadeira essência da vida, não na mera passagem do tempo.

— Vamos, Vi. Vamos, Nath. Vamos nos atrasar — disse Ana, ansiosa, enquanto olhava para o relógio pela terceira vez em poucos minutos.

— Calma. Estamos indo. O show só começa às 11:00 da noite. Agora são 9:00 — respondeu Victoria com um sorriso tranquilo.

— A Nathalia precisa passar o som uma última vez. Estou nervosa, Vi. A venda de ingressos foi enorme. -- Ana afirmou para a irmã e assim me escapou uma gargalhada. 

-- Quem era para estar nervosa era eu, não seja pessimista, Ana Clara! -- Disse em um tom empolgante para a menor. 

Victoria, percebendo a tensão, se aproximou e a segurou pelas mãos. - Eu também estou nervosa, confesso! -- Afirmei para as duas garotas. 

— Calma, meu amor. Olha só. Eu sei que é o seu primeiro show para uma plateia assim, mas eles adoram vocês. Vocês estão inspirando tanta gente. Você tem fãs, sabia? A ficha já caiu? — disse Victoria, tentando transmitir calma e confiança.

— Victoria, nós vamos tocar para oito mil pessoas. Esse é o último show da turnê pela Austrália. Daqui a seis meses começamos a turnê por outros países. Estou muito feliz, mas também muito nervosa — admiti, meu rosto era uma mistura de excitação e apreensão.

— Dá para acreditar? Faz nove meses que você fechou contrato com a produtora. Passou tão rápido. E tem um ano... — Victoria começou, seu tom ficando mais suave e cheio de emoção.

— Tem um ano que a gente se conhece. Tem um ano que eu não volto para a minha cidade. Tem um ano que conheci a pessoa que me faz mais feliz — completei encarando a loira, sentindo a profundidade desse momento.

— 365 dias, meu amor. Eu te amo — disse Victoria, me puxando para um abraço apertado.

— Não querendo estragar o momento do casal, mas se a gente não for, a guitarrista aí não poderá repassar o som — interrompeu Ana, com um sorriso brincalhão, mas compreensivo.

Fui sentindo a tensão diminuir um pouco. Eu sabia que, independentemente do que acontecesse naquela noite, tinha ao meu lado pessoas que a amavam e acreditavam em mim. E isso fazia toda a diferença.

5 MINUTOS PARA SUBIR AO PALCO.

- Bom. Último show da nossa primeira turnê. Esse é o maior. Vai ser o melhor. Então meus amigos. Quando subirmos ali. Quero que vocês agradeçam por tudo. O tempo que levamos a conquistar isso. Aliás, isso é só o começo. A gente merece. Vamos gente. Nós somos GOODWEATHER! 

Após aquele show, senti que era hora de tirar férias. A turnê pela Austrália havia sido um sucesso estrondoso, mas a exaustão e a saudade estavam começando a pesar. Eu precisava retornar à minha cidade, rever meus familiares e antigos amigos. Antes de focar na turnê pela Europa, queria voltar ao lugar que me moldou, que me fez ser quem sou hoje.

Quando compartilhei meu desejo de retornar para casa com o pessoal, fiquei surpresa e emocionada com a reação deles. Todos os meus amigos se animaram com a ideia de me acompanhar nessa viagem, transformando minha nostalgia em uma verdadeira trip de amigos. Era incrível saber que tinha pessoas dispostas a embarcar nessa loucura comigo.

O dia de retornar à minha cidade natal finalmente chegou. Estava ansiosa e, ao mesmo tempo, repleta de alegria por poder compartilhar essa parte tão importante da minha vida com minha namorada, Victoria, e com meus amigos. A ideia de que eles conheceriam de onde eu vim, os lugares que marcaram minha infância e adolescência, me enchia de uma alegria indescritível.

Enquanto fazíamos as malas, minha mente estava um turbilhão de lembranças. Pensei na minha casa de infância, com suas paredes cheias de fotografias antigas e os móveis que meus pais nunca tiveram coragem de trocar. Imaginei a rua onde eu brincava de bicicleta e o parque onde, aos domingos, minha família fazia piqueniques. Cada canto daquela cidade guardava uma memória preciosa.

No aeroporto, o entusiasmo do grupo era contagiante. Ana estava fazendo piadas como sempre, tentando aliviar a tensão que eu nem sabia que estava carregando. Haylley, com sua câmera em mãos, já planejava registrar cada momento da viagem. Victoria, percebendo meu nervosismo, segurou minha mão e me olhou nos olhos.

— Vai ser incrível, Nath. Mal posso esperar para conhecer tudo — disse ela com um sorriso que sempre conseguia acalmar meu coração.

O voo foi tranquilo. Fiquei olhando pela janela, vendo as paisagens mudarem e deixando minha mente vagar. Pensei nos meus pais, em como seria revê-los depois de tanto tempo. Eles sempre foram meu suporte, acreditando em mim mesmo quando eu duvidava. Pensei nos amigos que havia deixado para trás, nas conversas que colocaria em dia.

Ao desembarcar, senti um misto de nostalgia e excitação. A cidade parecia maior do que eu me lembrava, mas cada detalhe ainda estava gravado na minha memória. O cheiro do ar, o som das pessoas conversando na praça, tudo parecia exatamente como eu havia deixado.

Chegamos na minha antiga casa e, ao ver meus pais esperando na porta, não consegui segurar as lágrimas. Corri para abraçá-los, sentindo a familiaridade e o amor que só eles poderiam oferecer. Meus amigos ficaram um pouco atrás, respeitando o momento, mas logo foram recebidos com a mesma hospitalidade calorosa.

Os dias seguintes foram uma mistura de reencontros emocionantes e explorações nostálgicas. Levei Victoria e os outros para conhecer meu antigo colégio, a padaria onde eu comprava pão de queijo todas as manhãs e a velha biblioteca que sempre foi meu refúgio. Cada lugar contava uma história, cada esquina guardava uma lembrança.

— Esse é o lugar onde tudo começou — disse para Victoria, enquanto caminhávamos pelo parque onde eu costumava tocar violão. — Foi aqui que escrevi minhas primeiras músicas.

Ela sorriu e me puxou para um abraço.

— Agora eu entendo porque você é tão especial. Esse lugar é mágico.

A viagem seria uma jornada de redescoberta. Voltar para casa, mostrar minha cidade natal para as pessoas que amo, fez com que eu me reconectasse com minhas raízes de uma forma que não imaginava ser possível. E, ao final de tudo, eu estava pronta. Pronta para encarar a próxima fase da minha carreira, para levar minha música para outros cantos do mundo. Mas, mais importante, eu estava em paz, sabendo que, não importa onde a vida me levasse, eu sempre teria um lugar para chamar de lar.


Perdido ao sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora