Circo

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O sol estava prestes a se pôr quando cheguei ao meu iate, ancorado discretamente em uma marina afastada. Aquele lugar vazio e silencioso era perfeito para o encontro que eu havia planejado. Depois de tudo que Juarez me fez passar, sabia que era hora de jogar a cartada final. As acusações haviam sido retiradas – um claro sinal de que Juarez, por fim, tinha dado seu jeito na situação. Era a prova de que ele me temia. Agora era a minha vez de agir, e para isso eu precisava confiar em alguém que não estivesse dentro do alcance de Juarez: meu contato na Interpol.

Mas não seria fácil. Até o ar que eu respirava podia estar comprometido. Por isso, pedi que o agente se encontrasse comigo a bordo do meu iate, em pleno alto-mar. Nenhuma escuta, nenhuma câmera, e longe dos olhares vigilantes do cartel.

Haylley, claro, estava ao meu lado, ajudando a manter as aparências. Para qualquer um que observasse, parecia um simples passeio entre duas amigas em um iate luxuoso. O agente, por sua vez, havia seguido todas as instruções: esgueirou-se pelo cais e entrou escondido. Demos-lhe o sinal para embarcar pela passagem lateral enquanto eu e Hayley ocupávamos a proa, conversando e rindo casualmente. Depois de mais uma hora ancorados e fazendo de conta que estávamos ali apenas para um encontro entre amigas, por fim levantei âncora e parti.

Assim que estávamos longe da costa e o som das ondas era a única coisa que nos cercava, desci até a cabine, onde o agente aguardava.

-- Bem-vindo ao meu humilde retiro -- brinquei, tentando aliviar a tensão, mas o ar continuava pesado. Ele me olhou, sem sorrir, apenas assentindo.

-- Nathalia, este tipo de encontro é... ousado. Juarez está cada vez mais alerta -- disse ele, baixando a voz, o que era quase engraçado, considerando que estávamos cercados apenas por mar aberto.

Haylley entrou logo atrás de mim, cruzando os braços com um sorrisinho despreocupado.

-- Ah, relaxa. Juarez nem sonha o que está prestes a acontecer com ele -- ela disse, em um tom que era a própria definição de confiança.

Eu me sentei e abri a pasta que havia trazido comigo. Era ali que toda a sujeira do cartel, os esquemas de lavagem de dinheiro e os planos para o próximo golpe estavam guardados. Olhei para o agente, que examinava os papéis enquanto eu falava.

-- Juarez tem um plano. Ele quer movimentar mais dinheiro do que jamais ousou antes. Vai usar um evento de gala, uma fachada perfeita para lavar milhões em um único golpe. Contratos de fachada, clientes fantasmas, operações de fachada... E o melhor de tudo: Baxter, meu querido advogado, está nisso até o pescoço.

O agente olhou para mim, atento.

-- Como você soube sobre Baxter?

Eu ri, lembrando da cena quase cômica em que o peguei.

-- Ah, fácil. Baxter achou que seria esperto em esconder uma "reunião confidencial" com um dos capangas do Juarez. Só que ele subestimou minha intuição. Segui ele uma noite, por puro instinto, e acabei ouvindo mais do que ele gostaria. E, convenhamos, aquele jeito de ratinho dele me dava nos nervos faz tempo. -- Suspirei, antes de continuar. -- Ele está no esquema desde o início, ajudando Juarez a lavar dinheiro e protegendo-o de problemas legais. Mas isso acaba agora.

O agente me observava, cada palavra minha parecendo lhe dar mais e mais informações para processar. Haylley lançou um olhar afiado para ele.

-- Então, você vê por que precisamos de discrição total. Qualquer erro e Juarez sabe de tudo -- ela disse, séria.

O agente respirou fundo, assentindo.

-- E qual é o plano, Nathalia? Quando você quer que a operação aconteça?

-- No dia do evento de gala. É quando o dinheiro estará em trânsito, vulnerável. Juarez estará convencido de que está tudo sob controle. Vou precisar que você esteja pronto para agir, mas só quando eu der o sinal. Vou ter todos os registros e, com sorte, Baxter terá deixado alguma pista adicional... ou quem sabe ele mesmo seja pego em flagrante. Ele é um erro ambulante quando pensa que está fora do radar -- sorri, com sarcasmo.

O agente parecia absorver cada detalhe.

-- E o que exatamente você espera que a Interpol faça? Você sabe que operações desse porte têm riscos -- ele afirmou, ainda atento a cada palavra.

Eu me inclinei para frente, sorrindo.

-- Eu espero que vocês fechem a rede e derrubem Juarez. E quero ver Baxter sendo levado algemado. Pode ser pessoal? Claro que pode. Mas ninguém me subestima e sai ileso. Juarez não entende ainda o que eu sou capaz de fazer.

-- Isso... é perigoso, Nathalia. Mas, ao que tudo indica, você tem tudo sob controle -- o agente disse, meio hesitante.

Haylley riu, relaxada ao meu lado.

-- Quando a Nathalia se decide, meu amigo, nem o próprio Diabo a segura.

O agente não pôde deixar de sorrir, mesmo diante da tensão.

-- Está bem. Faremos como você disse. E espero que realmente consiga se manter segura até o dia do evento.

Eu dei um último gole em minha bebida, encarando-o com um brilho de determinação nos olhos.

-- Você não precisa se preocupar comigo. O que preciso é que vocês estejam prontos. No momento certo, faremos história. -- Finalizei, com um sorriso cheio de ironia.

Haylley me olhou, aquela expressão que só ela sabia fazer, de quem conhece todos os meus truques e os admira. Eu lhe devolvi o olhar, certa de que estávamos prestes a virar o jogo.

O dia seguinte começou com um café amargo e minha mente girando a mil por hora, tecendo cada fio da teia que precisava armar para a queda de Juarez. Pensei em cada detalhe com precisão cirúrgica. O plano era simples, mas a execução seria digna de um espetáculo. O evento de gala de Juarez estava marcado para duas semanas. A Interpol estaria pronta para invadir, prendendo todos em flagrante e recolhendo provas incontestáveis. Tudo tinha que acontecer com uma sincronia impecável. A operação seria rápida e cirúrgica; qualquer hesitação e ele escaparia – mas eu não deixaria isso acontecer.

Enquanto organizava os detalhes, lembrei-me da minha família. Não poderia permitir que ficassem expostos, nem por um segundo. Arranjei uma casa a quatro horas de Los Angeles, em uma cidadezinha que ninguém notaria. Victoria e Ana Clara ficariam lá durante toda a operação. Para garantir a segurança delas, contratei alguns ex-fuzileiros altamente treinados. Nada nem ninguém as ameaçaria enquanto a tempestade se desenrolava em Los Angeles. Até Haylley, minha parceira fiel, estaria comigo. Ela se preparou para esse momento por meses, e sei que ela está pronta – talvez mais pronta que qualquer um.

Mas minha mente não parava. Com todas as peças no lugar, algo ainda me incomodava. Uma inquietação que cutucava o fundo da minha cabeça, como uma agulha que se recusa a ser ignorada: será que Juarez realmente operava sozinho? Será que não havia uma mente ainda maior por trás dele? Alguém que manipulasse tudo como um fantasma, sem deixar rastros?

Primeiro, Juarez parecia confiável demais nos próprios passos, como se soubesse que qualquer erro seria corrigido a tempo. Esse nível de confiança vinha de algum tipo de suporte, alguém capaz de arrumar as peças caso algo saísse errado. Segundo, eu nunca tinha visto Juarez demonstrar medo real. O tipo de audácia que ele mostrava não vinha apenas do dinheiro ou do poder; parecia uma audácia sustentada por outra estrutura, algo maior que ele. E, por fim, eu conhecia o mundo do crime bem o suficiente para saber que sempre há uma hierarquia oculta. As pessoas no topo raramente são visíveis. Se havia um outro "alguém" no topo, estava na hora de encontrar.

O tempo era curto. Duas semanas para descobrir se havia mais alguém no controle – e como interceptar qualquer outro elemento antes que o plano ruísse.

Perdido ao sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora